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COLUNA
Euges Lima
Euges Lima é historiador, professor, bibliófilo, palestrante e ex-presidente do IHGM.
Euges Lima

200 anos da Independência no Maranhão (1823-2023)

Então por que o Maranhão só foi aderir à independência dez meses depois do 7 de setembro?

Euges Lima

Atualizada em 29/08/2023 às 15h39

O 28 de julho de 1823 é a data que marca formalmente a adesão da província do Maranhão à Independência do Brasil. Há 200 anos, o Maranhão deixava de pertencer ao Império português e passava a integrar o nascente Império do Brasil, isso no contexto e processo de Independência do Brasil que teve início em 1822 no Rio de Janeiro e São Paulo, capitaneado por D. Pedro I e seus partidários. 

O Maranhão foi a penúltima província do Brasil a aderir, a se incorporar ao Império brasileiro, só no final de julho de 1823, um pouco mais de dez meses após o 7 de setembro de 1822. A Bahia aderiu em 2 de julho do ano seguinte e o Pará, somente em 15 de agosto de 1823.

Quando o príncipe regente D. Pedro dá o famoso “grito’’ às margens do riacho Ipiranga em São Paulo em 7 de setembro – data simbólica,  que depois foi sendo construída pela historiografia como marco dessa ruptura, haviam à época, outras datas também, consideradas até mais importantes para marcar essa separação política, como o 12 de outubro, data da aclamação de D. Pedro como primeiro Imperador do Brasil e o 1.º de dezembro, data da coroação do Imperador. 

Esse grito, não ecoou nas províncias do Norte do Brasil. O processo de independência começou como um projeto mais do Sul do Brasil, do Rio de Janeiro e São Paulo e somente depois foi conseguindo adesões das demais províncias. Porém, as províncias do Norte não compartilhavam desse projeto e se mantiveram leais às Côrtes portuguesas, foi o caso do Maranhão. Não havia então, uma unidade nacional, eram vários brasis com projetos diversos.

Então por que o Maranhão só foi aderir à independência dez meses depois do 7 de setembro? Porque a província do Maranhão, assim como as demais províncias do Norte, era comandada por uma elite portuguesa, de militares, políticos, funcionários públicos, clérigos e comerciantes que tinham vínculos diretos com a metrópole, que não reconheciam o poder do Rio de Janeiro e tinham seus interesses e privilégios políticos e econômicos vinculados a Portugal, portanto, para esse segmento, não era interessante o projeto político de emancipação que estava se gestando a partir do Sul do Brasil. Toda identificação do Maranhão era com Portugal. O Maranhão atendia as ordens e instruções da metrópole portuguesa.

E como essa resistência foi quebrada e houve finalmente a incorporação da província do Maranhão ao Império do Brasil? Bem, D. Pedro I, não queria a fragmentação do território brasileiro e principalmente perder as províncias do Norte, cerca de 40 % do território, então, resolveu contratar um mercenário escocês, o lendário Lord Thomas Cochrane para ajudar a organizar a Marinha brasileira, liderar as guerras de Independências e sufocar a resistência das províncias rebeldes do Norte, que estavam sob o comando dos portugueses. 

Cochrane era uma espécie de celebridade à época e tinha uma enorme lista de feitos e vitórias militares navais no currículo. Tinha sido da Marinha Real Britânica, lutara nas Guerras Napoleônicas, tendo obtido lendárias vitórias a favor da Inglaterra. Recentemente, tinha contribuído para a Independência do Peru e Chile.

É importante notar que Portugal ainda mantinha uma grande força militar e uma grande esquadra estacionada na costa Norte do Brasil, com vista a receber mais reforços. Nesse sentido, a conquista dessas províncias, − em que pese as colunas de combatentes independentistas que marcharam do Piauí e Ceará para combater as forças portuguesas no interior do Maranhão −, se dava completamente e definitivamente, pelo domínio dos mares e portos. Daí a necessidade de contratação do Lord.

É nesse aspecto, que a figura do Lord Cochrane e sua esquadra − Ele foi o primeiro Almirante da Marinha brasileira −, foi fundamental para capitulação das tropas portuguesas e incorporação das províncias do Norte ao Império brasileiro. Ele levou apenas seis meses para atingir seu objetivo.

No caso do Maranhão, embora a maior parte dos distritos, como S. José dos Matões, Itapecuru, Tutóia, S. Bernardo, Icatú, Carnaubeiras, Viana, entre outros, já tivesse declarado a sua Independência, alguns até solenemente, conforme afirma o historiador Ribeiro do Amaral, quando Cochrane chega a São Luís, a causa da Independência já estava ganha, pois a resistência se concentrava apenas em São Luís, Alcântara, Guimarães e Caxias (já cercada pelas tropas independentistas). Não obstante, não se deve subestimar a importância de Cochrane nesse processo de consolidação da adesão ou incorporação do Maranhão ao Império do Brasil. Como já destacamos, não poderia haver vitória completa sem o bloqueio dos mares e portos, pois caso contrário, as cidades poderiam receber reforços pelos portos, por meio dos navios portugueses, como era o caso de São Luís, que esperava tropas e suprimentos quando da chegada do Lord na capital maranhense, inclusive, interceptando no caminho, um navio português que vinha da Bahia para o Maranhão, o Grão-Pará.

Depois de expulsar as tropas e a esquadra portuguesa da Bahia, Cochrane, desloca-se até São Luís, missão que não estava prevista originalmente, mas que o futuro Marquês do Maranhão com sua peculiar sagacidade achou necessário, no sentido, de interceptar possíveis reforços de navios portugueses vindos da retirada de Salvador, como de fato, ocorreram. Thomas Cochrane entrou na baía de São Marcos em 26 de julho de 1823. Como era de seu costume, usar estratégias ardilosas, sempre procurando ludibriar o adversário, tratou logo de mandar trocar a bandeira hasteada do Império brasileiro na nau que comandava, por uma bandeira inglesa, a fim de gerar uma falsa impressão, passando a ideia de ser um navio aliado. Os portugueses em São Luís esperavam reforços por aqueles dias e acharam que era o navio Pérola que eles aguardavam. Nisso é enviado ao encontro da Nau Pedro I para dar as boas vindas, o brigue Infante D. Miguel, que rapidamente foi capturado pelo Almirante escocês. 

O lobo do mar como foi apelidado por Napoleão Bonaparte, procurou saber da situação da cidade e tratou de encaminhar um ultimato à Junta Governativa, alertando que estava na baia de São Marcos a espera da esquadra imperial e que se não houvesse a rendição imediata das forças portuguesas, a cidade de São Luís seria bombardeada por seus canhões. Lembrando que além do ardil da troca de bandeiras na entrada do porto para surpreender os portugueses, Cochrane estava blefando, não havia esquadra alguma chegando, ele estava apenas no comando de um único navio, a Nau Pedro I.

 No dia seguinte, o presidente da Junta, D. Frei Joaquim de Nossa Senhora de Nazaré, diante do cenário de dificuldades que se encontrava, com tropas pro D. Pedro I marchando para capital e a suposta esquadra Imperial comandada pelo Lord, ameaçando bombardear a cidade, acabou vendo-se sem alternativa e foi ter a bordo com Cochrane na Nau D. Pedro I e acertaram finalmente a adesão da província do Maranhão à Independência. Ficou combinado que no outro dia, 28 de julho, seria proclamada a Independência e aclamado D. Pedro I como Imperador do Brasil, como de fato foi feito em cerimônia solene no Palácio do Governo, às 11 horas da manhã, na presença da Junta Provisória, representantes do Senado da Câmara e demais autoridades civis, militares e eclesiásticas sem a presença do Almirante Cochrane, que alegou problemas de saúde. Nesse momento, “romperam inúmeros vivas na Sala do Governo, à Religião Católica, ao Imperador, à Independência e Constituição brasileira, os quais vivas foram depois repetidos na varanda do Palácio pelo Presidente da Câmara, a que respondeu o povo na rua como o maior entusiasmo.” 

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