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COLUNA

Ibraim Djalma
Ibraim Djalma é procurador federal
Ibraim Djalma

Porque a previdência é tão desejada

Esqueça necessidade. Vamos para o desejo de ter renda da previdência.

Ibraim Djalma

Atualizada em 29/08/2023 às 15h36

O título poderia ser ‘porque a previdência é tão necessitada’. Mas um não exclui o outro. A previdência é tão necessitada quanto desejada.

Quanto à necessidade, as estatísticas falam por si sós. 

Mais de 38 milhões de brasileiros recebem benefícios pelo INSS e a esmagadora maioria é por incapacidade.

Portanto, notoriamente necessitada.

Mas então o que seria essa previdência tão desejada?

Para elucidar, vamos começar por dados comparativos.

Na Suécia, o salário maternidade chega a alcançar 480 dias, ou seja, 01 ano e 04 meses; na Dinamarca são 360 dias, quase um ano inteiro; enquanto no Brasil é de 120 dias, com algumas hipóteses de prorrogação que chegam a 06 meses.

Mas o que intriga não é isso. É que com pouco mais de 03 meses de benefício, grande parte dos beneficiários daqueles países pede a cessação do benefício para retornar à atividade laboral.

Isso mesmo. Parece loucura em um primeiro impacto, mas para eles receber dinheiro público sem trabalhar lhes causa desconforto.

A propósito, os países escandinavos são os países mais honestos do mundo. E isso não inclui só os políticos, mas principalmente os cidadãos.

Agora vamos para o Brasil. E registro logo que o foco não é eventual justificativa de se pagar por menos tempo o salário maternidade por argumentos como a quantidade colossal de segurados, ou dos valores com que o país deve arcar mensalmente, nem sobre a quantidade de meses que os cofres públicos devem suportar com o pagamento de determinado benefício. 

Mas sim, do sentimento de ter a previdência como uma fonte de renda sem trabalho.

Esqueça necessidade. Vamos para o desejo de ter renda da previdência.

Há uma linha tênue entre receber por precisar e o perigo de determinados pagamentos se tornarem culturalmente estímulos para não se trabalhar mais.

E o brasileiro acha vantagem nisso.

Receita fácil para muito direito e pouca economia.

Para quem trabalha há mais de 20 anos no ramo, não espanta mais ver todos os dias uma enxurrada de tentativas de se fraudar a previdência de alguma forma. Tudo para ganhar dinheiro sem trabalhar. 

No ramo do previdenciário, as fraudes guardam um viés particular, são mais atrativas, já que geralmente, depois que uma vez perpetradas, se prologam mês a mês aos beneficiários, como nos casos das organizações criminosas especializadas em comprar cartão de benefício de segurados falecidos e depois continuarem sacando os pagamentos por anos a fio e, de alguma forma, conseguindo renovar provas de vida.

São várias. Uma mais criativa que a outra.

Basta ver o robozinho criado para marcar agendamentos pela internet até sufocar a fila do INSS e depois vender as vagas aos que realmente necessitavam.

E o INSS tem tido um trabalho hercúleo, mas exemplar de combate a essas fraudes. 

Só que a cultura de recompensa sem esforço continua insistindo em inovar. O mal está na raiz.

A culpa parece ser de mão dupla. 

Durante décadas a seguridade – que usualmente é confundida com a previdência - tem sido anunciada não somente como a tábua de salvação dos aflitos, mas como o mecanismo de concessão de muitos benefícios assistenciais, numa mistura que envolve desde o seguro-desemprego ao pescador artesanal, a pensões especiais e benefícios assistenciais ao deficiente e idoso, tudo resultando em endereçar ao cidadão uma automática remissão à ideia de que ali se tem a solução pela falta de renda em casa.

Culpados os marketeiros – o que envolve prometedores políticos, conversas a boca pequena e a mídia propriamente dita - , porque esqueceram de registrar que tudo isso tem um preço e alguém tem que pagar a conta. O próprio cidadão.

Do outro lado, o jeitinho brasileiro associa o gesto de recompensa sem esforço a um tipo de vantagem. E receber da previdência fraudando laudo médico parece ser uma. Esperteza do salve-se quem puder. Alto grau do que a economia costuma chamar de preferência temporal, uma espécie de marcador de civilidade, travestido na ansiedade pelo imediato sem se preocupar com o futuro. Quanto maior esse marcador, menos civilizado o país é.

Nesse painel, ninguém se preocupa com as contas públicas. É vantagem receber um benefício sem trabalho a ponto de chamar de loucos os beneficiários dos países mais ricos do mundo que abrem mão quando percebem que não precisam mais.

Só que eles sabem diferenciar a necessidade do desejo. 

Daí então porque aqui a previdência é tão necessitada, mas infelizmente também tão desejada. Não sabemos a diferença. Ou não queremos saber.

O último a sair que apague a luz.

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