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COLUNA

Lourival Souza
Diretor da Belonave e Mestre em Economia Política (SMC University, Suíça).
Lourival Souza

A língua e a corrupção do pensamento

A falta de cuidado com o idioma nacional traz prejuízos imensos, especialmente porque há aqueles que se aproveitam da situação.

Lourival Souza

Atualizada em 29/08/2023 às 15h23

Nenhum homem nasce com garras, asas, presas ou veneno. Seu único equipamento é a razão e seu bom uso. Pela língua, esta faculdade fundamental torna-se viável de tal maneira que permite ao homem realizar o seu potencial, motivo pelo qual é o patrimônio de qualquer sociedade. No Brasil, não parece ser o caso. A língua portuguesa, pela indiferença de muitos e pela malícia de alguns, padece a olhos vistos, e os prejuízos são enormes.

Ler e escrever está, para a mente, como a inspiração e expiração estão para os pulmões. A escrita não só “torna visível o pensamento” como disciplina-o, e a leitura dilata nossos horizontes e nos conecta ao estoque de conhecimento da sociedade. Se estes hábitos são negligenciados, a mente perde vigor.

No meu tempo de colégio, Português nem de longe estava entre a matérias que gostava, e acho que é caso de muitos. O nosso ensino, muito marcado pela orientação profissional, talvez cause certa antipatia – realçada pelo costume juvenil de resistir às obrigações. Normal. Via de regra, só reconhecemos o valor de certas coisas depois de algum tempo (e de algumas lamentações). Mas algo fica. É perceptível como as gerações mais recentes perderam o cuidado com língua. Erros crassos ou construções infelizes eram típicos de quem não tinha instrução, mas que se vê hoje em jornais, artigos acadêmicos, peças publicitárias com uma frequência alarmante. Não é raro ver octogenários que só têm a quarta série falarem melhor que universitários. Fica claro que o ensino de antigamente, acusado de arcaico, teve grande valor.

Quando falo de zelo, não me refiro a erudição. A língua comporta muitos estilos que dão “cor” e “textura” ao pensamento, mas a norma culta permite que o idioma não se desintegre. Quem a conhece não fica refém da forma coloquial, pois esta última tem o caráter mais particular e que, usada em excesso, torna a comunicação ininteligível. Na escrita, isto é mais perceptível.

Já não se usa a pontuação de forma correta – ou pior – nem se usa. No WhatsApp, é recorrente o uso de áudios para explicar o que se escreveu ou pela dificuldade de síntese. Não falo somente das ocasiões informais. Nas empresas, por exemplo, isso já se faz sentir. No atendimento ao público – de pequenos e grandes negócios –, a forma precária com que se expressam beira à grosseria. Pode se falar, sem exagero, de um gradual embrutecimento. Quanto a comunicação interna, já não se redigem bons e-mails e, por isso, se apela ao uso de reuniões.

Se o áudio substituiu a escrita, o vídeo tomou o lugar da leitura. Veja bem, o vídeo é bom recurso, mas, sozinho, não gera o efeito neurológico adequado. O aprendizado tem duas dimensões: passiva e ativa. A primeira se dá pelas aulas (ex: vídeos), e a segunda pela leitura e, especialmente, pela escrita a punho (notas, resumos, fichamentos). Pois é neste momento que sinalizamos ao cérebro o que deve ser armazenado. Por causa destas deficiências, uma parte considerável da população está à margem da economia ou abaixo do seu potencial. As perdas não são apenas econômicas.

O nosso universitário lê mal e lê pouco, inclusive na pós-graduação. Verifica-se com frequência textos rasos, extensos e confusos, e, mesmo quando apresentam certa erudição, não se articulam de maneira satisfatória. Aqui cabe uma outra observação. A Academia não é apenas vítima, mas parte do problema.

É proposital. Certos grupos ideológicos conhecem muito bem este processo e fazem da língua seu campo de batalha. De forma deliberada, mudam o significado, o uso, proíbem certas palavras para fins nada nobres, e assim conseguem moldar a nossa forma de falar e de pensar. O homem comum, por boa-fé ou constrangimento, é neutralizado intelectualmente ao ponto de se tornar um mero instrumento, tanto para encampar uma ideia ou não se opor a ela. Muitas leis absurdas são fruto destas manipulações. Quando, numa questão de vestibular, um verso de Gonçalves Dias é substituído por uma letra despudorada de um artista qualquer, saiba que não é de graça. 

Disse que a Academia é parte do problema porque quem se omite também tem culpa. Como sempre digo, não podemos cobrar soluções de quem não têm capacidade ou interesse em resolver. Resta, na medida das nossas possibilidades, zelar pelo nosso idioma e dar o devido apoio a quem faz isso com excelência. Não se trata apenas de cobrar maior rigor no ensino, mas há de se dar o devido destaque aos nossos maiores escritores – muitos dos quais maranhenses, como Gonçalves Dias – que, para uma parte da população, não passam de nomes de ruas, praça e prédios. Em tempo, surgiram, nos últimos 20 anos, muitas inciativas que podem nos ajudar. Dentre elas, editoras como a Livraria Resistência Cultural Editora, com o nobre propósito de pôr em circulação autores importantes para nossa formação. É um trabalho que compete a nós todos.

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