(Divulgação)

COLUNA

José Lorêdo Filho
Editor da Livraria Resistência Cultural Editora e chanceler do Círculo Monárquico de São Luís
José Lorêdo Filho

Uma lição de João Francisco Lisboa

As palavras ora transcritas deveriam encimar os portões de todas as casas parlamentares e universitárias, os fóruns, as redações de jornais — especialmente estas, tão fundamente investidas do múnus “sagrado” da defesa das liberdades democráticas.

José Lorêdo Filho

Atualizada em 29/08/2023 às 15h22

“Meus senhores, no momento mesmo em que descerro os lábios para dirigir-vos a palavra, hesito ainda, e tenho o espírito salteado de dúvidas. Estou, é certo, profundamente convencido da conveniência, da verdade, e da justiça de minhas ideias; mas em tempos como os nossos, quando a denominada política anda tão desgarrada, sem regra ou rumo certo, mal posso eu saber se a minha intervenção nestes debates produzirá o bem ou o mal; uma triste experiência me tem ensinado que as mais das vezes, buscando um, só conseguimos dar ocasião a outro: e assim, uma abstenção completa e absoluta é preferível.” (Obras de João Francisco Lisboa, natural do Maranhão; precedidas de uma Notícia Biográfica pelo Dr. Antonio Henriques Leal, editores e revisores — Luiz Carlos Pereira de Castro e o Dr. A. Henriques Leal, volume IV, S. Luís do Maranhão, 1865, pp. 623-4).

As palavras ora transcritas deveriam encimar os portões de todas as casas parlamentares e universitárias, os fóruns, as redações de jornais — especialmente estas, tão fundamente investidas do múnus “sagrado” da defesa das liberdades democráticas —, os clubes recreativos, as academias científicas e literárias, e assim por diante.

Não peco pelo exagero. Valho-me, para tanto, do que disse Oliveira Vianna do famoso discurso — provavelmente a maior peça de nossa oratória parlamentar — do senador Bernardo Pereira de Vasconcellos, em que o grande estadista conservador estabeleceu, para sempre, a divisa fundamental da política brasileira — a liberdade sem anarquia e a ordem sem tirania. Isto, lá pelos idos de 1838, quando do Regresso, que, consolidando a autoridade monárquica, consolidou a liberdade ordenada. Mas ninguém mais liga para essas coisas, e a pomposa “divisa fundamental da política brasileira” já não é mais divisa para nada. Fica, porém, a recomendação de Oliveira Vianna acerca do famoso trecho do famoso discurso do senador Bernardo Pereira de Vasconcellos — deveria encimar os parlamentos, as academias, os tribunais, e assim por diante.

O trecho colocado entre aspas, no primeiro parágrafo deste artigo, foi extraído de um notável discurso do então deputado provincial João Francisco Lisboa (1812 – 1863), o grande João Francisco Lisboa, que se notabilizou na publicística e no jornalismo, na tribuna parlamentar e na tribuna forense, como historiador e pesquisador, um dos mais primorosos estilistas da língua portuguesa, talvez — com Machado de Assis — o maior prosador brasileiro. Os elogios não se perdem no vácuo. Muitos foram os talentos e os méritos do velho Tímon, esse incorrigível “macambúzio”, como dele se referiu Alexandre Herculano, que também disse tratar-se, o nosso Lisboa, de “um macambúzio pior que eu” — ele próprio, Herculano, tão arredio e taciturno.

Foi com aquelas palavras cimeiras que João Francisco Lisboa iniciou o seu discurso à Assembleia Provincial do Maranhão, na sessão de 12 de novembro de 1849, em momento em que se discutia por todo o Império se deveria ser dada ou não anistia aos revoltosos da chamada Revolução Praieira, insurreição de cunho liberal e federalista, que tivera lugar na Província de Pernambuco.

Figura exemplar de homem público, era também João Francisco Lisboa um espírito medularmente conservador, não obstante militar nas hostes do Partido Liberal. Tal filiação partidária, entretanto, não lhe permitia envergar as vestes do facciosismo. Vestia, a bem da verdade, o manto do ceticismo, daquele saudável ceticismo conservador de quem conhece a natureza humana e de quem conhece a história, de quem sabe que o processo civilizatório — se é que isto existe — é lento e vagaroso, recua e retrocede, não dá saltos, ressabiado e monocórdico. O mesmo pode ser dito da natureza humana, tão antiga quanto o mundo, de base tão imutável quanto de circunstância variada. Assim são as coisas, independentemente das ideologias e das revoluções. O grande João Francisco Lisboa sabia que calar era, muitas vezes — hoje, dir-se-ia, na grande maioria das vezes —, o caminho mais correto e honesto a seguir, em face da balbúrdia em que se transformara, em seu tempo, a arena política. E isto, para um homem de letras, é o mesmo que lhe impedir de beber água.

Pois bem. Faz alguns poucos dias que vi um juiz de nomeada, juiz ilustre, acatado e fartamente publicado, pertencente ao mais alto tribunal do meu país, discursar num congresso da União Nacional dos Estudantes (UNE) — bradou que havia pugnado pela derrota de um candidato presidencial e do movimento político que lhe serve de base. E o disse não com os pudores de quem o faz às escondidas, à boca miúda, como se diz, mas para quem quisesse ouvir, num evento público de entidade notoriamente, historicamente ligada ao espectro ideológico de esquerda. Um escândalo.

O escândalo é o que menos pode estar associado a um magistrado, mais ainda um magistrado a quem cabe a defesa da Constituição, mesmo uma Constituição como a nossa. Pode, e deve, ser creditada à conduta por vezes escandalosa do presidente Bolsonaro — de quem se esperava ares de magistrado por estar ocupando a suprema magistratura do país — parcela considerável pelo retorno do sr. Lula da Silva à presidência. O magistrado deve primar, sempre, pela austeridade e pela discrição. Falar pouco, e sempre de modo comedido, é a sua gentileza maior. Não se espera outra coisa de um chefe de família, de um diretor de empresa, de um embaixador, de um sacerdote. Como perdem o Brasil e os ideais de justiça, que ainda habitam a mentalidade do povo.

O juiz ilustre, seguramente, não leu o nosso João Francisco Lisboa. Não hauriu, ou não soube haurir, da prosa de ouro do mestre de Pirapemas os ensinamentos de quem conhece a natureza humana e de quem conhece a história. Se assim não o fosse, não se aventuraria em discursos de claro verniz ideológico. Se assim não o fosse, preferiria, isto sim, — “uma abstenção completa e absoluta”. É uma lição para nós todos.

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