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COLUNA

Sônia Amaral
Sônia Amaral é desembargadora do Tribunal de Justiça do Maranhão.
Sônia Amaral

Treta

Ora, reduzir o nível de exigência com o propósito declarado de combater um tal “racismo estrutural” parece-me, de fato, um comportamento eugenista invertido.

Sônia Amaral

Atualizada em 29/08/2023 às 15h17

Assisti recentemente a um seriado, de nome “Treta”, que conta a estória de dois irmãos coreanos que se mudaram para os Estados Unidos, visando melhorar financeiramente de vida. Logo nos primeiros capítulos, os irmãos discutem e o mais velho, enredado em dívidas, diz ter deixado de cursar uma universidade de ponta naquele país para que o outro não se sentisse inferior. 

O personagem do seriado, por não ter cursado a tal universidade de ponta, agora fazia bicos nos Estados Unidos, vivia em um pequeno apartamento com o irmão, com dificuldades no sustento de ambos. Seu sonho era poder economizar um pouco com a finalidade de construir uma casa para os pais e possibilitar que estes fossem viver naquele país. Enfim, para não deixar o irmão em uma situação de “desigualdade”, acabou optando, sem querer, pela igualdade na pobreza de todos, irmão e pais.

Pois bem, esse filme me fez refletir sobre a opção adotada pela Escola Politécnica da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, que vai mexer no curso de Cálculo para reduzir a taxa de reprovação, com o propósito de reduzir o racismo estrutural. Ou seja, a exemplo do personagem do filme que deixou de cursar uma universidade de ponta nos Estados Unidos para não melindrar o irmão, obtendo como resultado a piora da qualidade de vida de ambos, parece-me que a Escola Politécnica optou pela diminuição da qualidade técnica dos profissionais graduados e colherá, a médio prazo, o descrédito em relação a todos aqueles futuros profissionais e, com efeito, desemprego mesmo dos que tenham condição de superar, com louvor, o curso de Cálculo. 

E tem mais um risco, a justificar a falta de credibilidade do mercado em relação a esses profissionais: os futuros engenheiros, ao saber menos de Cálculo, podem fazer obras menos seguras e, por conta disso, pereçam vidas. 

Ao fim e ao cabo, perdem os profissionais e, em última análise, perde a sociedade.

Sou favorável às cotas nas universidades, notadamente às cotas sociais. Não se pode desconhecer que na disputa para ingresso em faculdades públicas alguns têm mais vantagens que outros. Os que estudaram em escolas particulares e tiveram todo o apoio suplementar de cursinhos preparatórios têm maior chance de aprovação, do que os egressos das escolas públicas com menores recursos. E aqui uma observação: parece-me que a cota social, mais do que a racial, atinge melhor o propósito dessa política, a considerar que o problema do acesso à universidade tem a ver com a pobreza, que torna desequilibrada a disputa, e não com a cor da pele.

Portanto, a reserva de vagas para os egressos das escolas públicas funciona como uma vantagem na corrida entre pessoas desiguais. Mas a corrida permanece: ao final do curso, passarão os melhores, aqueles que se dedicarão, independentemente da condição social ou da cor da pele. 

É evidente que, pelo desequilíbrio inicial, é bem provável que os alunos que ingressem pela cota, no decorrer do curso, tenham mais dificuldades que os não-cotistas, mas, com certeza, não será com a redução das exigências, como quer fazer a Escola Politécnica, que se equacionará o problema. 

As universidades têm uma missão que passa pela busca da verdade através da aquisição do conhecimento; e têm um compromisso com a sociedade, que custeia esse espaço do saber, que guarda relação com a oferta de pessoas mais preparadas e que contribuam no desenvolvimento civilizatório, em todas as áreas do conhecimento. 

Ora, reduzir o nível de exigência com o propósito declarado de combater um tal “racismo estrutural” parece-me, de fato, um comportamento eugenista invertido. Quem defende isso parece enxergar que algumas pessoas são menos capazes que outras e, em nome de uma igualdade disforme, exigem regras mais amenas, mesmo que em detrimento da missão e do propósito das universidades. 

Penso de forma diferente. Vejo nos homens e mulheres capacidades plenas e, nesse sentido, independentemente da cor, da raça e da condição econômica e social, todos podem aprender, adquirir conhecimentos, bastando apenas que haja quem os ensine, pois o conhecimento, notadamente o repassado nos bancos escolares, deve ser transmitido. 

Assim sendo, acredito que a melhor maneira de superar esse desequilíbrio será a própria universidade oferecer aulas de reforço, focando nos pontos fracos do aluno, de tal forma que permita a este, em momento seguinte, acompanhar o desenvolvimento da disciplina que tem dificuldade, mantendo hígido o nível de exigência do conhecimento.

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