(Divulgação)

COLUNA

Kécio Rabelo
Kécio Rabelo é advogado e presidente da Fundação da Memória Republicana Brasileira.
Kécio Rabelo

O choque do Boi

A tradição do Bumba meu boi vem de longe, mas nem sempre apreciada ou admirada por todos.

Kécio Rabelo

Atualizada em 29/08/2023 às 15h12

O ano era 1968 e o governador do estado, José Sarney. O Maranhão vivia grandes transformações em sua infraestrutura com a abertura de estradas, construção de equipamentos públicos e um amplo conjunto de ações sem precedentes, que mudariam para sempre a face do Maranhão. Mas aqui faltava energia elétrica. Uma capital sem luz, um estado no escuro. Uma boa nova vinha de Boa Esperança! A esperança de vir a ser, de que Sarney traria de lá, energia elétrica ao Maranhão. 

A tradição do Bumba meu boi vem de longe, mas nem sempre apreciada ou admirada por todos. À época, sem permissão para adentrar ao centro da cidade, os grupos reuniam-se no bairro do João Paulo, para suas apresentações e o sacrossanto pagamento de promessas, onde, cladestinamente felizes, entoavam suas toadas, sonhando – quem sabe –   um Maranhão novo no horizonte. 

O tempo é engenheiro de bons arranjos. Coube a Sarney abrir caminhos – como já tantos outros abrira – para permitir a apresentação dos grupos de Bumba meu boi por toda a cidade, para além do Caminho da boiada, chamando-os para espaços de rara nobreza, como o Palácio dos Leões – no centro da cidade, o centro do poder! 

Sem lamparinas e com o cheiro forte do querosene nas mãos, um desses grupos, salvo engano vindo de Viana, ao apresentar-se no Palácio modificou o auto de morte do boi, esticando no pátio um fio elétrico, aguçando a curiosidade dos presentes e mesmo do então governador. 

Iniciado o rito de matança do boi, sob salvas do amo e dos outros brincantes, segue o miolo conduzindo-o até as proximidades do fio esticado, onde, ao encostar-se, repentinamente, o boi tombava ao chão.  De morte inusitada morreu o boi. Morreu de choque elétrico! Salve! Celebrava-se, então, a alegria em comunhão com o contentamento popular advindo da chegada da energia e da luz, que é símbolo da vida, de festa e de evolução. 

“A vida é amiga da arte”, já dizia o poeta, e é da vida que a arte fala, mesmo quando a vida ignora suas faces! Cada tempo tem suas marcas, seu compasso, impressões e contribuições. Vejo a alegria das pessoas ao assistirem ao Bumba meu boi, com as toadas quase todas popularizadas; vejo sotaques dos mais diversos a invadir casas e praças, embalando arraiais e redes de gente de todas as classes. O Bumba meu boi tornou-se há muito a cara do Maranhão, face mais verdadeira de nossa gente.

O São João é, sem dúvida alguma, o ponto mais alto da nossa cultura popular. Uma mistura pacífica de religiosidade com as manifestações folclóricas trazidas pelos colonizadores e africanos escravizados que, no movimento pleno da cultura viva, se uniram ao que aqui encontraram como herança dos indígenas. 

Tudo isso, resultou nessa explosão de energia, de alegria, cores e batuques que fazem de junho o mês mais feliz do Maranhão. Não é à toa que por aqui os santos juninos caem na dança. Não há profano! E o sagrado? – sagrado é a capacidade de amar, de viver e dançar juntos. Porque afinal, é sempre o amor a iluminar – a trazer luz verdadeira – a escuridão persistente das tristezas, das tragédias e das angústias do dia a dia. Dessas sombras, talvez tenha nascido a inspiração de Makarra, que eternizou a certeza de que para além da alegria do terreiro, “boi também chora, também sente dor” – são as lágrimas da vida, às vezes de dor, noutras vezes de alegria!

É junho de novo, outra vez é São João! Mês metáfora de plenitude e luz, a que nasce para dissipar devaneios e desatinos de exclusão, de sombra e censura e de segregação. No arraial da vida, celebremos, portanto, as conquistas, as luzes que acendemos pelo caminho e a capacidade de acender outras novas luzes, fachos e faróis de libertação e de iluminação do caminho que ao viver pleno e feliz, sempre há de conduzir.

Que ela – a luz –  não nos falte jamais, nem nos postes, menos ainda na vida! Viva São João, suas fogueiras e sua luz! Viva! Para que vivos continuemos a produzir luzes de novas tradições. 

As opiniões, crenças e posicionamentos expostos em artigos e/ou textos de opinião não representam a posição do Imirante.com. A responsabilidade pelas publicações destes restringe-se aos respectivos autores.

Leia outras notícias em Imirante.com. Siga, também, o Imirante nas redes sociais Twitter, Instagram, TikTok e canal no Whatsapp. Curta nossa página no Facebook e Youtube. Envie informações à Redação do Portal por meio do Whatsapp pelo telefone (98) 99209-2383.