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COLUNA
Sônia Amaral
Sônia Amaral é desembargadora do Tribunal de Justiça do Maranhão.
Sônia Amaral

Fraude!

Infelizmente, nos tempos recentes a fraude tem sido algo recorrente na sociedade, atingindo tanto a esfera privada, quanto a pública, com significativos efeitos negativos na segurança e na confiança tão necessárias à estabilidade societária.

Sônia Amaral

Confesso que, na atualidade, não gosto de filmes infantis, mas quando criança já gostei muito. Lembro-me que, na infância, era motivo de inenarrável alegria quando caía na minha mão um gibi ainda não lido. Na verdade, a leitura – aí incluso gibi, livros infantis e até revistas – sempre me causou imensa alegria e prazer, costume que até hoje trago comigo. 

Fiz essa introdução para justificar a razão pela qual, recentemente, abri uma exceção e assisti ao filme infantil “O Rei Leão”, em um canal de streaming. Fui convencida a abrir essa exceção ao ler um livro de filosofia – “A crise da cultura e a ordem do amor”, de Victor Pinheiro –, que comprovou a profundidade da mensagem desse filme, em relação às questões do bem e do mal, da imaturidade que pode causar resultados nefastos às pessoas e instituições e da conduta responsável que traz, ao conjunto da sociedade, benefícios significativos. 

Pois bem, em um brevíssimo resumo, o filme “O Rei Leão” conta a história de Simba, um leãozinho, filho do rei Mufasa e da rainha Sarabi, ambos leões, por evidente. Naquelas terras africanas, chamada de Terras do Reino, seus habitantes (diversos animais) viviam em harmonia, com fartura e em segurança. O nascimento de Simba causou desconforto no irmão do rei, Scar, porque não seria mais o seu sucessor, o que o levou a tramar, com as hienas, uma forma de matar Mufasa e seu filho. Pela imaturidade de Simba, a trama teve sucesso em parte, uma vez que Scar consegue matar o rei e afasta Simba das Terras do Reino, sendo, então, coroado. Scar assume o reinado e tem início os tempos de terror, pobreza, insegurança e desarmonia naquele país. Simba, achando-se culpado pela morte do pai e convencido de que nada mais tinha importância, no primeiro momento entra em depressão e depois se entrega à vida de prazeres passageiros, sem se importar com o amanhã. Bem, tempos depois, Simba encontra a leoa Nala, que mostra a perdição que as Terras do Reino se tornaram nas mãos do seu tio e o aconselha a voltar e retomar a coroa. Não o convence. Contudo, no mesmo dia, ele sonha com o rei Mufasa, que lhe pede a mesma coisa e, dessa vez, atende ao pedido. Luta contra Scar, vence e o seu reinado, tal qual o do seu pai, retoma os tempos de glória.

Vejam, nesse filme temos na conduta de Simba três fases bem distintas: a imaturidade, capaz de nos levar a cometer erros crassos; a falta de profundidade do sentido da vida, que nos leva a viver uma vida sem objetivos e presos a resultados imediatos e hedonistas; e a da consciência da responsabilidade, que, em regra, chega com a maturidade, apesar de que alguns, infelizmente, morrem e não conseguem alcançar essa graça. 

Mas essas três fases, como alguns erroneamente podem pensar, não atingem apenas os seres humanos. Acredito que as instituições também podem passar pelas três fases, até porque todas se realizam com base na ação de homens e mulheres. Uma empresa privada ou uma instituição de Estado realiza seus atos por seres humanos, logo, a fase em que cada uma vai se encontrar dentro da escala apontada vai depender. 

Uma empresa com poucos meses de constituição pode já ter perdido dinheiro, ou perderá, por desconhecer todos os meandros do negócio. Na esfera pública, o mesmo pode acontecer no início de uma nova gestão, porque a nova direção desconhece, com profundidade, por exemplo, o funcionamento da máquina pública. A tudo isso podemos chamar de fase da “imaturidade” e, por um certo tempo, parece-me perdoável, desde que, com melhor conhecimento, essa fase seja superada e os acertos se apresentem. 

Contudo, uma coisa é intolerável, a fraude, a conduta do irmão do rei Leão, Scar, que, ao fim e ao cabo, representa o mal. O mal que destrói a esperança das pessoas em dias melhores; que destrói a segurança necessária em sociedade, ao fragilizar a confiança que nutrimos em relação ao outro; que destrói a confiança em uma justiça imparcial; que destrói, enfim, o necessário crédito nas instituições. 

Infelizmente, nos tempos recentes a fraude tem sido algo recorrente na sociedade, atingindo tanto a esfera privada, quanto a pública, com significativos efeitos negativos na segurança e na confiança tão necessárias à estabilidade societária. Vou citar apenas um exemplo de cada.

O caso das Lojas Americanas, em que a contabilidade foi fraudada e enganou os investidores do mercado de capitais, é um exemplo. Conduta que abala não apenas a confiança nos papéis negociados na Bolsa de Valores em relação a essa empresa, mas em todo o mercado de ações. 

Outro exemplo, desta feita na esfera pública, são aquelas fraudes no sistema previdenciário estatal, com a participação de funcionários da autarquia responsável pelo pagamento de pensões e aposentadorias, que já resultaram inclusive em prisões. Esse tipo de fraude coloca em xeque a capacidade do Estado de bem gerir o dinheiro arrecadado pelas contribuições e tributos. 

Dito isso, rogo a Deus que todas as nossas instituições públicas, e aqui em especial aquelas que integram o sistema de justiça, tenham maturidade suficiente para sempre fazer escolhas responsáveis e nunca se entreguem à sofreguidão de momentos tênues e passageiros, que tanto mal causam às instituições. 

O Poder Judiciário brasileiro foi instituído há 411 anos no Brasil, com a instalação do Tribunal da Relação na Bahia. E a OAB, apesar de bem mais jovem quando comparada ao Poder Judiciário, é a instituição da sociedade civil mais antiga do Brasil, tendo 92 anos de criação. Nesse contexto, quero crer que a imaturidade não seja algo presente e, pelos relevantes serviços prestados por ambas instituições ao país, notadamente a OAB e sua histórica luta pela redemocratização, o mal não prospere. 

 

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