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COLUNA

Diogo Gualhardo
Diogo Gualhardo Neves advogado e historiador.
Diogo Gualhardo

O príncipe Gastão de Oleáns no Maranhão

O vapor “Alagoas” cruza a barra do Maranhão sob salvas da guarnição do fortim de Santo Antônio, respondidas pelo toque demorado da sirene da embarcação.

Diogo Gualhardo

No próximo dia 24 de junho se relembra os 134 anos da chegada do Príncipe Gastão de Orléans, o conhecido Conde d’Eu, a São Luís. Marechal do Exército e esposo da Princesa D. Isabel, a subscritora da Lei Áurea – que somava pouco mais de um ano de sua entrada em vigor – foi o único membro da Família Imperial então reinante a conhecer o Maranhão.

A maior vítima da divulgação de fake news em sua época, é, ainda, uma das mais desconhecidas personalidades do período imperial brasileiro. Foi batizado como Louis Philippe Marie Ferdinand Gaston d'Orléans, neto do então Rei da França, Luís Felipe. Nasceu em Neuilly-sur-Seine, a 28 de abril de 1842. Desposou D. Isabel, a princesa herdeira do trono brasileiro, a 15 de outubro de 1864. Com apenas 27 anos de idade, a 22 de março de 1869, assumiu o posto de comandante-em-chefe das forças aliadas na Guerra do Paraguay, onde teve destacado papel na reorganização do Exército, punindo oficiais acusados de saques nos territórios ocupados e participando dos combates quase na linha de tiro.

Depois do conflito, passou a ser o alvo preferencial da “Propaganda” republicanista, que o acusava de ser “estrangeiro”, andar mal vestido, falar mal o português, e, supostamente, estar envolvido na cobrança de alugueres em cortiços no Rio de Janeiro. Ignorando tudo, em meio à crise da Monarquia no primeiro semestre de 1889, empreendeu uma excursão de promoção do aguardado Terceiro Reinado às chamadas “Províncias do Norte”, todas aquelas a partir da Bahia e até o Amazonas. O Maranhão figurava como uma das escalas. 

Passava do meio-dia de uma segunda-feira nublada e mormacenta, depois de chuvas fortes. O vapor “Alagoas” cruza a barra do Maranhão sob salvas da guarnição do fortim de Santo Antônio, respondidas pelo toque demorado da sirene da embarcação. Bandeira imperial desfralda e tremulando. Os passageiros de pé pelos bordos observam e acenam ao cortejo improvisado de cúteres, bianas e canoas, com suas velas de vivos matizes pontilhando a desembocadura comum do Bacanga e Anil. Ao fundo, a cidade dos sobradões pombalinos cujas ruas descem ao mar turvo. Janelas abertas e sacadas ocupadas. A multidão se aperta no Cais da Sagração, quase tomando a rampa de Palácio. Desde a alvorada o espocar contínuo de rojões. Era São João.

O escaler provincial foi ao “Alagoas” buscar Sua Alteza. 

Ao pisar a acentuada ladeira que ligava o porto aos altos da cidade, deram-se muitos aplausos e aclamações ao imperador, à D. Isabel enquanto “Redentora”, e a ele próprio (CONDE...1889, p. 1): “[...] foi o alvoroço da população maranhense, saudando o Conde d’Eu [...]. Os enthusiasticos vivas, que irrompiam espontaneos, do seio da população manifestaram belissimos sentimentos [...]”, conforme narrado pela publicação católica “Civilização”.

Segundo a “Tribuna Liberal”, folha do partido de mesmo nome e que circulava na capital do Império, “O povo em massa reunido no cais de desembarque, em número superior a 4.000 pessoas, saudou freneticamente o augusto viajante [...], percorrendo em seguida a cidade, sempre festejado pela população”. 

Os principais celebrantes são os libertos da lei de 13 de maio de 1888, que não conheciam diretamente as letras, nem participavam do núcleo decisório do país, mas que sabiam quem era quem no jogo do poder, especialmente na cidade. E, ali, eram eles os vitoriosos. Por enquanto, ao menos, pois também tinham a exata consciência de que essa não era uma questão resolvida. Poderia não tardar, inopinada, a desforra nutrida de ódios e ressentimentos dos proprietários das senzalas fechadas e matrículas de escravos canceladas por decisão do governo imperial. A reescravização era um cenário possível. 

Gastão caminhava ao som da banda marcial do 5º Batalhão de Infantaria e do grupo musical da Casa dos Educandos Artífices, rumo à sede do governo maranhense, cercado pelo préstito acompanhados das gentes. Bandeirolas auriverdes em cordames pretendiam alegrar a estreita e íngreme via.

Ele ficaria hospedado no atual “Palácio dos Leões” (que ainda não tinha esse apelido), mas o prédio estava em reforma: “[...] o principe consorte foi recebido em pardieiro, velho que se chama palacio, o qual, além de tudo está em obras, cheio de andames [sic.], cipós, barro, cal, etc.!...”, como noticiou as páginas antimonárquicas do jornal “O Novo Brazil”. 

O Conde d’Eu adentrou o Palácio ladeado pelo Barão de Grajaú, no alto de seus 74 anos, pelo presidente Moreira Alves, cuja substituição já estava agendada para os próximos dias. Foram junto as patentes militares da ativa, alguns veteranos locais da Guerra do Paraguay e as autoridades católicas, todos trajados ao rigor e calor da moda. Mas, as manifestações principais tinham cara e cheiro de povo, que aguardava apinhado na porta a saída e continuação das visitações. 

Depois das orações na Igreja da Sé – o Príncipe era um católico praticante -, a próxima parada era o Liceu Maranhense, então instalado nos baixos do Convento do Carmo. Mas uma terrível surpresa os aguardava: pequenos inconfidentes haviam arquitetado um motim. Antes de completados os degraus que iam até o templo e ao colégio, enquanto a figura de cerimonia subia, um moleque se meteu no meio e gritou a plenos pulmões: “Viva a República!” Era Manoel Nina, ou, simplesmente “Maneco”, que apenas começava suas peripécias. Outros dois discentes responderam da mesma forma e vaiando. A confusão estava posta. Troca de urros, alguns se empurrando com braços e bengalas. Correria. Aluísio Porto e Antônio Lobo haviam prometido entre si o feito e “[...] cumpriram a palavra empenhada”, como lembrou depois Dunshee de Abranches nas suas memórias de “O Cativeiro”.

Passaram os insurgentes rindo para o interior do prédio, escapando por hora dos cascudos e puxões de orelha. Lá haviam pendurado uma bandeira dos Estados Unidos e riscada em letras grandes uma paredes com equivalentes exclamações. Não tinha acabado, porém. No protocolo estava agendada a ida à Biblioteca Pública, uma das primeiras do país, título esse que ostentava somente pela antiguidade. Para acessá-la, era preciso passar por dentro da escola. Por ali estava acoitado um dos rapazotes, à postos para a nova investida: “Ao sahir o principe, da biblioteca, Maneco toma de dois cófos de maravalha, ali deixados pelos operarios da marcenaria e os derrama todos sobre a cabeça do principe, dizendo: ‘Flores, flores! Viva a Republica!’”, caso relembrado em curiosa biografia sobre o Maneco Nina, aparecida muitos anos depois. 

Gastão, indiferente, ao contrário dos demais que proferiam insultos e clamavam desforra, com sua luva bateu a serragem do chapéu e da casaca, pedindo que nada fizessem contra Maneco e seus colegas. 

De qualquer maneira, “[...] a república pregada pelos fedelhos do Liceu [...]”, no dizer indignado do deputado João Evangelista de Carvalho, padre da Paróquia de São João, como relembra Dunshee de Abranches, encerrava ali suas atividades sediciosas, com os paladinos asilados entre os muros do educandário.  Eles não seguiram o cortejo que partiu para a igreja da Imaculada Conceição na rua Grande, hoje desaparecida. Os jovens corriam sério risco de serem linchados pelos libertos pela lei de 13 de Maio de 1888. 

Por fim, naqueles meados de 1889, a pauta pela República não ecoava entre os setores populares, especialmente os maranhenses beneficiados diretos da Lei Áurea, que viam no Príncipe Gastão de Orléans a própria figuração de sua esposa, a representante da liberdade contra a possibilidade de reescravização. E estariam prontos para morrer pela causa, como aconteceria dali a poucos meses...

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