(Divulgação)

COLUNA

José Lorêdo Filho
Editor da Livraria Resistência Cultural Editora e chanceler do Círculo Monárquico de São Luís
José Lorêdo Filho

Um historiador do Império

Exemplo bem representativo de homem de elite — por nascimento e por mérito — da primeira metade do século passado, com forte vocação para as letras e para a política.

José Lorêdo Filho

O renascer das ideias conservadoras no Brasil, em que pese a sua inegável importância — e mais ainda, a sua necessidade —, não veio de mãos dadas com um vivificar dos estudos brasileiros. Renascimento pouco fecundo, portanto — sem uma revisão criteriosa de nossa “brasiliana”, como encontrar os caminhos da estruturação de uma civilização política no Brasil? Mesmo elementos de orientação socialista, a exemplo do antropólogo Antonio Risério — detestado, não por acaso, por uma parcela considerável das esquerdas —, parecem estar mais próximos de uma noção mais ou menos exata de “paideia” brasileira. Isto, é bom assinalar, sem desdouro dos esforços meritórios dos professores Thomas Giuliano, Ferdinando Costa e Guilherme Diniz, divulgadores do que há de melhor da bibliografia brasileira, bem como do labor intelectual do ensaísta e editor Alex Catharino, que trabalha num livro de apresentação de uma “mentalidade conservadora” genuinamente brasileira.

Do segmento direitista, quanto ao mais, há uma ala centenária que é o fiel da balança, resistência de brasilidade, combatida igualmente por esquerdistas, liberais e conservadores ainda intoxicados de anglo-americanismo — refiro-me aos integralistas, formados sob a reitoria intelectual e espiritual do grande escritor, publicista e tribuno que foi Plínio Salgado, liderados atualmente por essa figura admirável de bandeirante e cavaleiro apostólico que é o professor Victor Emanuel Vilela Barbuy, mestre e doutor pela Faculdade de Direito do Largo de São Francisco e uma das muitas notabilidades do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo. Presentemente, os seus talentos estão compenetrados na feitura de um livro de refutação, a partir de copiosa documentação, do mito segundo o qual o Integralismo foi uma espécie de “nazismo brasileiro”.

Estas considerações algo dispersas me vêm a propósito de um dos tantos escritores brasileiros que ninguém mais lê— o historiador, pesquisador, biógrafo e político baiano José Wanderley de Araújo Pinho (1890 – 1967). Exemplo bem representativo de homem de elite — por nascimento e por mérito — da primeira metade do século passado, com forte vocação para as letras e para a política. Rememorar-lhe os passos e a obra poderá, quem sabe, lançar alguma luz aos esforços de reconstrução de um verdadeiro conservadorismo brasileiro, mais tendencial que livresco, mais psicológico que filosófico.

Oriundo de ilustre família baiana, José Wanderley de Araújo Pinho conheceu em seu tempo, por certo, a sua nomeada. Ligado a essa figura exemplar de estadista que foi Otávio Mangabeira, chegou a exercer um mandato de deputado federal, foi prefeito de Salvador por duas vezes, conselheiro do Tribunal de Contas da União — pelo qual viria a se aposentar —, além de ter sido vice-presidente do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro.

Pertenceu à chamada “Academia Garciana”, o grupo de intelectuais que se reuniam quase que diariamente, ao final da tarde, no gabinete do historiador Rodolfo Garcia, então diretor da Biblioteca Nacional, isto nas décadas de 1930 e 1940. Além de José Wanderley de Araújo Pinho, frequentavam ali outras tantas figuras de escol como Afonso d’Escragnolle Taunay, Afrânio Peixoto, Gustavo Barroso, Tobias Monteiro, Oliveira Vianna, Levi Carneiro, Pedro Calmon, alguns outros. Os maranhenses Augusto Tasso Fragoso e Josué Montello também se faziam presentes.

Esse ambiente régio certamente o influenciou a publicar, em 1937, na Brasiliana, o primeiro tomo da biografia de seu avô, o Barão de Cotegipe (Cotegipe e seu tempo — 1ª fase: 1815-1867. Rio de Janeiro: Companhia Editora Nacional, 1937), um dos mais eminentes estadistas do Império e um dos líderes do Partido Conservador, deputado provincial e geral, presidente da Província da Bahia, senador do Império, ministro em vários gabinetes, membro do Conselho de Estado e, por fim, presidente do Conselho de Ministros.

Em 1933, também na Brasiliana, já havia publicado uma importante coletânea de cartas de D. Pedro II endereçadas a Cotegipe (Cartas do Imperador Pedro II ao Barão de Cotegipe — ordenadas e anotadas por Wanderley Pinho. Rio de Janeiro: Companhia Editora Nacional, 1933), que fez vir a lume possivelmente como preâmbulo da modelar biografia. Infelizmente, porém, esta ficou inconclusa, num desses pecados frequentemente cometidos por escritores que se deixam iludir pelas miragens da vida política, muitas vezes tão inimiga da vida intelectual, o que nos faz lembrar do último Joaquim Nabuco, que não pôde escrever, como tencionava, a história do movimento abolicionista e a biografia de D. Pedro II — que viria a ser escrita, mais de 70 anos depois, por Pedro Calmon (História de D. Pedro II. Rio de Janeiro: José Olympio, Coleção Documentos Brasileiros, 1975, 5 vols.), ainda hoje a mais completa — a partir do próprio arquivo do grande monarca, por ter aceitado o convite do presidente Campos Salles para assumir a embaixada do Brasil em Washington.

Um livro de grande impacto em seu tempo foi, sem dúvida, a História de um engenho do Recôncavo — Matoim, Novo Caboto, Freguesia — 1552-1944 (Rio de Janeiro: Companhia Editora Nacional, Brasiliana, 1946; 2ª ed., ilustrada e acrescida de um apêndice, Rio de Janeiro: Companhia Editora Nacional, Brasiliana, 1982). É em Luiz Vianna Filho — outra grande vocação de homem de letras e político — que me valho para fins de apresentação da obra: “A História de Um Engenho do Recôncavo é livro único em nossa literatura histórica. Nenhum outro se lhe pode comparar. Em verdade constitui extraordinário manancial sobre a vida econômica da Colônia e do Império, especialmente no que diz respeito ao açúcar, sempre tão íntimo dos problemas relativos à escravatura, à sua importação e conservação. Também não esqueceu Wanderley Pinho de nos proporcionar a narrativa dos assuntos pertinentes à fabricação do que seria a base primitiva da riqueza nacional. Terras, fábricas, mão de obra, lenhas e fornalhas, tudo é motivo para estudo acurado, que nos permite real conhecimento do que foi e do que representou, na sociedade brasileira, a vida e o trabalho de um engenho de açúcar.” (Centenário de Wanderley Pinho. Salvador, 1990, p. 11).

O livro de maior sucesso editorial de José Wanderley de Araújo Pinho foi, entretanto, o instigante e interessantíssimo Salões e damas do Segundo Reinado (São Paulo: Livraria Martins Editora, 1942), que fez do seu autor, ainda segundo Luiz Viana Filho, “o mais completo cronista da vida social do Império.” (Op. cit., p. 12). A quinta e última edição (Salões e damas do Segundo Reinado. São Paulo: Edições GRD, 2004) foi preparada por um combatente da nossa cultura — o saudoso editor, escritor e jornalista Gumercindo Rocha Dorea, a quem tive a honra de contar entre os meus amigos.

A obra magna de José Wanderley de Araújo Pinho é uma espécie de compêndio da vida social como preâmbulo, ou antes como fundamento mesmo, da vida política. Cotegipe era daqueles, como se depreende da leitura da biografia escrita por seu neto, que comungavam da cartilha de que “não se faz política sem bolinhos” — uma beleza de frase, de sua autoria. Mas não apenas o velho estadista saquarema, de sofisticada argúcia política, estava atento à indispensabilidade da arte do convívio. De tal modo a percepção era generalizada, que mesmo o misantropo José de Alencar, num certo sentido mais político que romancista, não era de todo infenso a tais miragens.

Se hoje, de mais a mais, a vida social, pela indigência dos tempos, terá muito de futilidade, aos contemporâneos de Cotegipe, pela excelência das instituições e dos protagonistas, constituía uma modalidade elevada de civilidade — algo que o indivíduo atomizado de hoje não mais consegue compreender. É o elemento de organicidade e de harmonia do Brasil Império — que perdurou ainda por muitas décadas de república, sempre, todavia, em declínio — que José Wanderley de Araújo Pinho soube tão bem caracterizar em seu livro, e sem o qual não poderá o Brasil reencontrar os caminhos da sua “paideia”. 

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