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COLUNA

Ruy Palhano
Ruy Palhano é médico psiquiatra.
Ruy Palhano

O Medo

O medo nos faz chorar, refletir, recuar, evitar, reagir, fugir e enfrentar situações de perigo e ameaças, e tudo isso, com um único propósito: manter a vida.

Ruy Palhano

Atualizada em 08/05/2023 às 11h22

É certamente um dos mais importantes e poderosos sentimentos humanos. Em conjunto com outras importantes ferramentas de sobrevivência, promoção e proteção da vida, o medo é um dos mais utilizados ao longo do tempo. O medo nos faz chorar, refletir, recuar, evitar, reagir, fugir e enfrentar situações de perigo e ameaças, e tudo isso, com um único propósito: manter a vida. Essa busca permanente e incessante de proteção da vida é comum também a todos os outros seres vivos, dos mais simples aos mais complexos na cadeia zoológica, e em todas as reações de medo, que aparecem como fundamentais para mantermos tais prerrogativas.

Hoje, modernamente, em psiquiatria, psicologia e neurociência, sabe-se que dispomos de inúmeras outras ferramentas ou dispositivos neurofuncionais, psicológicos, emocionais, cognitivos, intelectuais, afetivos e outros que estão à nossa disposição para garantir os pressupostos básicos da existência: comer, dormir, procriar, proteger etc.

São dispositivos endógenos que a natureza nos brindou e que, se bem-dispostos, podemos viver adequadamente em todos os sentidos. Todas essas funções, das mais simples às mais complexas, representam um sistema ultra complexo de funções, as quais garantirão, de forma efetiva e saudável, nossas vidas. A mobilização e a utilização de cada uma dessas ferramentas ou desses dispositivos ocorrerão sempre em bloco, em resposta aos mais distintos eventos que se nos impõem, e dependendo das circunstâncias, iremos utilizá-las predominantemente, uma ou outra, para atender a tais demandas.

Isto é, para que haja uma plena harmonia nas vivências humanas, deve haver permanente mobilização de tais ferramentas para fazer face a cada situação. Atitudes e/ou comportamentos são respostas em bloco dessas diferentes formas de nos reagirmos adaptamos a esse conjunto de estímulos.

Por exemplo, quando alguém dirige, essas funções todas praticamente estão presentes, porém a ferramenta que mais se sobressai entre as demais será a atenção, muito embora a memória, a concentração, as funções executivas e outras funções cognitivas estejam presentes, colaborando para a execução do ato de dirigir. A atenção, nesse caso, é a ferramenta mais importante, entre as outras, muito embora as outras estejam presentes. Esse entendimento é um dos mais atuais do ponto de vista neuropsicológico que existe para se explicar os comportamentos humanos.

Faço essa preleção para inserir o medo nesse contexto. Ele é indubitavelmente quem nos faz perceber ameaças, perigos ou outras situações adversas à nossa segurança. É quem nos afasta de tais ameaças e adversidades, que podem ser desfavoráveis à nossa vida. É o medo que nos diz o que fazer quando algo ameaçador se aproxima. 

O medo se manifesta desde a mais tenra idade e prossegue ao longo da vida. O choro, o desespero e o espernear incontrolável de uma criança que ocorre ao nascer têm muito medo por trás dessas reações. E, dentro dessa perspectiva, as sensações e reações fisiológicas e comportamentais específicas observadas nessas condições são respostas complexas de uma emaranhada rede de eventos neurofuncionais e circunstâncias que se sucedem hierarquicamente e em cadeia dentro de nosso cérebro, onde o hipocampo, órgão da memória e importante componente do sistema límbico, irá comparar as experiências de medo vividas anteriormente pela pessoa.

Simultaneamente, o córtex pré-frontal, região também complexa do Sistema Nervoso Central – SNC, estrutura que comanda outras funções nobres do nosso comportamento, integrará as informações sensoriais, emocionais e culturais para formular os planos de ação a serem utilizados em situações de risco e emergência. Por último, a amígdala, outra estrutura do sistema límbico, dispara as reações de alarme, medo, com diferentes intensidades, ante as situações de perigo a que estamos submetidos. Essas reações se dão em cadeia e, a partir de então, serão executadas um enorme conjunto de reações psicossociais próprias desse estado para enfrentar ou fugir do perigo.

Essas reações de medo são universais e todos os organismos que dispõem dessas estruturas cerebrais certamente responderão da mesma forma. Cada pessoa tem uma forma própria de reagir ao medo, por isso mesmo, há pessoas mais vulneráveis e outras menos vulneráveis aos medos, definindo-se aí os mais ou menos corajosos, que enfrentam melhor as situações de perigo, e os mais ou menos medrosos, que enfrentam com menos habilidades tais situações.

Por se tratar de uma função vital à sobrevivência humana, ela pode, como outras funções, apresentar diferentes alterações. Uma delas é a fobia, condição psicopatológica grave que altera a funcionalidade emocional, afetiva e social das pessoas e as predispõe a comportamentos díspares, sem os propósitos originais de sua base geradora. Fobia é, portanto, um medo inadequado, persistente e duradouro, que merece tratamento médico especializado.

Outras condições são: ataques de pânico, pavor súbito, avassalador, onde as pessoas sentem que irão morrer repentinamente, sem qualquer razão plausível. A fobia social, um medo imobilizante, inexplicável de ser criticado e/ou ridicularizado em público. Episódios depressivos, onde os temores são infundados. Estados agudos e crônicos de ansiedade são também condições em que podemos encontrar indícios de disfuncionalidade do medo. Há ainda os frios, insensíveis, patologicamente indiferentes às ameaças, são os pseudo corajosos, psicopatas, que não possuem mecanismos adequados para avaliarem corretamente as ameaças e perigos, entre outras coisas.

Ainda há os portadores de uma síndrome rara chamada Urbach-Wiethe, em que, até onde se sabe, é um distúrbio genético em que haveria uma calcificação da amígdala cerebral. Essas pessoas, que são apenas 400 portadores no mundo, se tornam impossibilitadas de sentirem medo, portanto não esboçam todo o cortejo de sinais e sintomas previstos nessas reações. Além da impossibilidade de não sentirem medo, apresentam voz rouca, pequenas saliências ao redor dos olhos e acúmulo de cálcio no cérebro, fato que pode levar ao desenvolvimento de epilepsia ou outras anomalias neuropsiquiátricas.

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