(Divulgação)

COLUNA

Sônia Amaral
Sônia Amaral é desembargadora do Tribunal de Justiça do Maranhão.
SÔNIA AMARAL

Iguais, mas divididos

Não há meios termos nessa arena e muito menos o mínimo de respeito com o pensamento contrário.

Sônia Amaral

O mundo, e não só o Brasil, está mais polarizado. O advérbio de intensidade ora empregado, o “mais”, não é à toa: serve para sinalizar que sempre vivemos polarizações, no sentido de termos conflitos de pontos de vista, mas hoje essa polarização é mais expressiva, mais intensa e mais causadora de divisões, aparentemente inconciliáveis. 

Por essa conclusão inicial, é possível afirmar que a polarização é algo natural, faz parte das interações societárias. O que diferencia a de ontem da que hoje vivemos é a intensidade. São filhos que não falam com pais, amigos intrigados, festividades na família que não mais se realizam ou, se realizadas, que acabam em bate-boca ou até em agressão física e por aí vamos caminhando entre discussões, descompassos, mal querências e animosidades crescentes.

Briga-se por tudo: pelo político Fulano ou Beltrano, pelo time de futebol A ou B, pela religião assim ou assada, pela predileção por um regime político ou outro, pela educação formal daquele ou de outro jeito, enfim, a lista é extensa. 

Nesse contexto, a primeira pergunta que faço é: como saber quem tem razão? E a resposta que posso formular é: depende. Depende das circunstâncias de cada um. Ortega y Gasset, escritor espanhol, traduziu bem o que somos a partir das nossas vivências: “Eu sou eu e minha circunstância, e se não salvo a ela não me salvo a mim”. Noutros termos: cada indivíduo é o que é, pensa o que pensa, opta por isso e não por aquilo, porque nasceu em determinado lugar, em uma determinada família, teve contato com uma determinada cultura, estudou, leu e ouviu determinadas coisas etc. Com efeito, se acredito em tudo aquilo que aprendi com as minhas circunstâncias, é natural que defenda cada palmo das conclusões que cheguei na vida, em termos de essência, mesmo que aqui e acolá possa mudar um pouco. 

A segunda pergunta que formulo é: se somos indivíduos, logo, únicos, isso quer dizer que a igualdade não existe? Creio que a resposta é depende, mais uma vez. Se a questão da igualdade guarda relação com a cor da pele, a opção sexual, o tamanho da conta no banco, a profissão exercida, o sobrenome etc a resposta é que somos, sim, iguais, pois isso não nos define como seres humanos, estes não são critérios servíveis para dizer que somos diferentes. Na perspectiva de criaturas, enquanto seres humanos, somos todos iguais e sujeitos de direitos e deveres. Todavia, no que diz respeito à individualidade somos diferentes, pois cada circunstância vivida nos tornará únicos. 

Nesse contexto, podemos responder que somos iguais, apesar de diferentes nas escolhas, modos de agir e pensar; somos iguais, mas enquanto indivíduos encaramos o mundo e suas possibilidades de formas variadas, não me parecendo legítimo quem quer que seja impor um modelo a ser seguido.

E essa polarização de hoje tem muito disso: se uma pessoa acredita em valores outros, que não os compartilhados por um grupo, é possível que aquela pessoa seja rotulada como socialista ou capitalista sem coração, progressista ou nazista, globalista ou individualista, terrorista/genocida ou ladrão mentiroso. Não há meios termos nessa arena e muito menos o mínimo de respeito com o pensamento contrário. 

Aqueles camaradas que compartilham das mesmas ideias e ideais, tenho como amigos e a estes canto loas; os que pensam diferente tenho como inimigos e me regojizo com os infortúnios experimentados por sua trupe, mesmo que, por tabela, possa também sofrer as consequências dos atos. 

Todos esquecem, nessa briga de cegos, que, ao fim e ao cabo, o que todos queremos é ter uma vida boa e feliz. Queremos um mundo justo, igualitário, seguro e onde todos possam viver em paz e com fartura. Quem não deseja isso? Quem não deseja para si e para o próximo tudo isso? É evidente que todos desejam isso. A diferença está na forma de alcançar esses desejos. Todos, inclusive quem discorda de mim, quer sim o melhor dos mundos e se entendermos isso penso que a polarização retornaria a níveis racionais.

Contudo, enquanto ela não vem, tenho tentado seguir os conselhos do meu falecido pai: não discuta com pessoas intransigentes/intolerantes. Depois de constatar a intransigência/intolerância, faça de conta que concorda, mas mantenha internamente as suas convicções se não ficou convencida dos argumentos ouvidos. O certo é que o intransigente/intolerante não mudará o ponto de vista se você contra-argumentar; e, nesse caso, para não perder o amigo e a paz de espírito é melhor não discutir, deixando-o na doce ilusão de que você concorda com ele. A escuta atenta, com um silêncio respeitoso, não afronta ninguém e conserva amizades e sanidade.

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