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COLUNA

Ruy Palhano
Ruy Palhano é médico psiquiatra.
Ruy Palhano

Repercussões da inveja na saúde mental

Quando a manifestação da inveja é proeminente, se torna uma característica marcante da personalidade, estamos diante de uma questão psiquiátrica grave.

Ruy Palhano

Atualizada em 02/05/2023 às 23h50
Ruy Palhano é médico psiquiatra.
Ruy Palhano é médico psiquiatra. (Ipolítica)

A inveja é um sentimento complexo, abrangente e com graus variados de expressão. Se situa no âmbito das vivências e relações humanas. É um assunto altamente significativo, universal, emocionalmente singular e socialmente desconsiderado, além do mais, reflete sentimentos e reações ambivalentes, contraditórios de dor, ódio e sofrimento.

O termo inveja provém do latim e significa invidia, “olhar torto, lançar mau-olhado sobre”, de IN, “em”, mais VIDERE, “olhar”. Segundo Aurélio, trata-se de um "desgosto" profundo ou pesar pelo bem ou pela felicidade de outrem. A inveja é um sentimento permanente de desejo, de ter para si, se apossar, do que é do outro ou mesmo querer ser o que o outro é. São vivências subentendidas no fato de se invejar, conduzindo tais pessoas a muito conflitos por esses interesses subjetivos.

Expressa-se nas relações humanas e sempre foi objeto de interesses de filósofos, psicólogos, psiquiatras, antropólogo, escritores e muitos outros estudiosos do comportamento humano. Apesar de tudo, a inveja, ainda é pouco conhecida em suas origens e em suas bases científicas, por isso mesmo, precisa ser mais estudada para a compreendermos melhor e através disso poder ajudar milhões de pessoas ao redor do mundo que padecem desses sentimentos.

A inveja, em si mesma, revela cobiça e traição, expressa um desejo incontrolável de possuir, conseguir e dispor da felicidade, do bem-estar, da notoriedade, da superioridade ou de qualquer outro valor de outrem. Como nos diz Aurélio, a inveja traduz "um desejo violento de possuir o bem alheio" provocando nessas pessoas uma tristeza profunda ou um grande desgosto, inexplicável, que se origina da prosperidade, do bem-estar e/ou da fortuna alheia. Isto é, são pessoas tomadas por um desejo particular e excessivo de possuir exclusivamente o bem que não lhe pertence.

Portanto, uma das bases vivenciais da inveja é o desejo violento ter o que é do outro, ou querer ser o que o outro é. Esse desejo, que beira as fronteiras da morbidade, revela ódio, frustração, insatisfação e muitas outras reações que infortunizam a pessoa. Essa plêiade de expetativas faz com que o invejoso procure, diretamente, atingir o outro para alcançar seus intentos.

Para a Igreja Católica, a inveja é um dos sete pecados capitais, além da soberba, orgulho, luxúria, gula, preguiça, avareza. No cristianismo, inveja é sinônimo de ganância, ou seja, é o desejo exagerado de possuir qualquer coisa. É um desejo descontrolado, uma cobiça de bens materiais e dinheiro. Ainda, para a Igreja, a inveja é considerada pecado, porque o invejoso "ignora suas próprias bênçãos e prioriza o status de outra pessoa no lugar do próprio crescimento espiritual. É o desejo exagerado por posses, status, habilidades e tudo que outra pessoa tem e consegue. O invejoso ignora tudo o que é e possui, para cobiçar o que é do próximo".

Do ponto de vista comportamental e psicopatológico, considera-se a inveja como um sentimento anômalo, disfuncional que, provoca rupturas nessas relações, dor, angústia e sofrimento. Paradoxalmente, desejar o que é dos outros, ou desejar ser o que eles são, pode ser algo natural e aceitável, desde que haja admiração, carinho e respeito, por certas coisas que a outra pessoa possua ou seja, fato que pode até favorecer o crescimento das mesmas por tomá-la como exemplo, modelo e inspiração para lutar e fazer conquistas na vida. Popularmente, chama-se isso de inveja branca.

Todavia, quando a manifestação da inveja é proeminente, se torna uma característica marcante da personalidade, gera dor, ódio e sofrimento ao ponto de interferir negativamente nas relações entre as pessoas, ou provocando infortúnio ou mal a ela, estamos diante de uma questão psiquiátrica grave. 

A inveja, é uma condição que tem várias causas, surge e se desenvolve ao longo do desenvolvimento da personalidade, aparece precocemente na infância e se desenvolve de forma progressiva, lenta e insidiosamente, ao longo do tempo. Como ocorre com outras vivências, esta pode apresentar graus variáveis de expressão, desde algo discreto e tolerável à quadros graves, onde, tornando um traço marcante em sua personalidade. Isto é, há pessoas onde a inveja é tolerável e compreensiva e outras a inveja é sua marca predominante.

Entre os transtornos psiquiátricos, que mais apresentam esse tipo de reação é o Transtorno de Personalidade tipo Boderline - TPB que tem como principais características clínicas: baixa autoestima, carência de si mesmo e dos outros, desconfiança patológica, péssima imagem de si mesmo, impulsividade e agressividade. Em geral, são inseguras e imaturas, que levam a vida e seus compromissos com dificuldades. Apresentam-se, frequentemente, irritáveis, possessivos e explosivos, com instabilidade afetiva e do humor. São impacientes raivosos e possessivos.

Portanto, não devemos repudiar ou excluí-los e sim ajudá-los a superarem tais problemas. O tratamento médico e a psicoterapia cognitivo-comportamental (TCC) são boas ferramentas terapêuticas de ajudá-los. Há muitos outros fatores, psicopatológicos, especialmente, de ordem psicológicas e sociais, que colaboram muito para o surgimento da inveja, porém em todos os casos o aconselhável é tratar e orientar bem essas pessoas para superarem essas barreiras a fim de poderem desfrutar bem de sua saúde mental. 

O mundo e a sociedade contemporânea incentivam as pessoas a se tornarem invejosas. As relações se dão inspirados em uma competição incontrolada e desvairada. Cada um disputando com cada um, nem se sabe bem o que disputam. O comum, nos dias atuais, é o egocentrismo e o egoísmo. Há uma espécie de culto à posse onde o ter é exortado e o ser é menosprezado. Há uma cultura de relações frouxas, superficiais e voláteis, onde as pessoas não se dão entre si e menosprezam e se desvalorizam uns aos outros.  

Com o incremento das relações sociais através das redes sociais, muitos se utilizam disso para se exporem e exibirem estilo de vida ou posses, que geram uma enxurrada de falsos admiradores e seguidores, levando-os a sentirem enorme mal estar e a invejá-los por não terem nada do que está sendo exibido pelas mídias sociais. Isso se tornou um “clichê” nas redes virtuais, pervertendo uma avaliação mais rigorosa da realidade, isto é, aparentam o que não tem e o que não são, para se firmarem e se promoverem socialmente. 

Todas essas situações geram relações sociais, frouxas, superficiais, efêmeras, utilitárias, voláteis e consumeristas, tornando as pessoas objetos de consumo, condições que promovem e estimulam o egocentrismo e o egoísmo, nas relações humanas. A posse exacerbada, o egoísmo desvairado, a vaidade, o ciúme e o ódio são as bases psicopatológicas desses sentimentos desagregadores de inveja e de muitos outros transtornos emocionais e psicológicos, tão comuns nos dias atuais. 

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