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COLUNA
Kécio Rabelo
Kécio Rabelo é advogado e presidente da Fundação da Memória Republicana Brasileira.
KÉCIO RABELO

Haja Deus, é fevereiro!

Dos fofões, aos cazumbás, das caixeiras ancestrais, canta o negro, seu lamento e liberdade, do campo à cidade, sobra ao baralho e ao dominó, um suspiro de alegria, modo de vida de nossa gente.

Kécio Rabelo

Atualizada em 02/05/2023 às 23h50
Kécio Rabelo é advogado e presidente da Fundação da Memória Republicana Brasileira.
Kécio Rabelo é advogado e presidente da Fundação da Memória Republicana Brasileira. (Ipolítica)

As chuvas de São Pedro chegam para lavar as cantarias e lustrar os azulejos dos casarios coloniais, acinzenta-se a baía de São Marcos a emoldurar a alegria da Ilha. Muda o olhar das pessoas, transforma-se o batuque das zabumbas e tambores, reinventam-se os ritmos e a irreverência ganha as ruas. É fevereiro no Maranhão! Da Ladeira da Antônio Rayol, esquina com a rua de Santana, a inspiração de Chico, poeta e compositor da “Flor do Desterro”, brota um coro de exclamação ritmada como um rompante de euforia que descreve em versos as belezas desta terra, o lado feliz dessa gente da Ilha de Upaon-açu. 

Viemos de dois ou três anos de tristezas amontoadas, choros em série a perseguir o calendário nosso de cada dia. Mesmo passada a pandemia, ainda somos alcançados por suas marcas de tristeza, dor e saudade e, para além destas, consequências psicológicas e sociais que a cada dia se descortinam, condenando-nos a todos à perpetuação dessa lembrança cruel. Segundo pesquisa recente publicada no periódico científico The Lancet (2022), foram 53 milhões de novos casos de depressão e 76 milhões de transtornos de ansiedade em 2020. Outro dado, talvez conhecido, mas que merece destaque e reação, se refere às mulheres. Segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o Brasil registrou, diante do isolamento social, 1.350 casos de feminicídio em 2020 – um a cada seis horas e meia. Um vírus maldito que, com a vacina da justiça, precisa ser extirpado do nosso meio. Mas, voltemos ao carnaval. 

É de dom Helder Câmara a conhecida frase, quase uma súplica contra a tristeza e em favor da alegria: “Carnaval é a alegria popular. Direi mesmo, uma das raras alegrias que ainda sobram para a minha gente querida (...) brinque, meu povo querido! É verdade que na quarta-feira a luta recomeça, mas ao menos se pôs um pouco de sonho na realidade dura da vida!”. E todos sabemos o quanto isso é necessário em meio ao caos da desesperança que estamos, com força, deixando para traz. 

Desse enredo, mistura de canto e de luto, de dor e luz, é que sobrevivemos na certeza de que de novo é fevereiro, outra vez é carnaval. Já dizia Vinicius de Moraes, “porque o samba é a tristeza que balança. E a tristeza tem sempre uma esperança”. É dessa esperança que suspiramos. Ela nos une, não nos separa, nos amima, não nos oprime, nos junta no samba e assim permanece como vida, como metáfora para o dia a dia. Vêm dela a alegria, a sutileza e a genialidade do poeta, que saúda o imperador e seu império, exalta o Divino, venerado na Casa das Minas, festejado na casa de Nagô. Dos fofões, aos cazumbás, das caixeiras ancestrais, canta o negro, seu lamento e liberdade, do campo à cidade, sobra ao baralho e ao dominó, um suspiro de alegria, modo de vida de nossa gente. São dias de gloria, de mandar a tristeza embora, de salvas e guanicês, emergindo da Beira Mar dos poetas, da Madre Divina sublime Mãe Senhora de toda a nossa gente, da passarela do samba, dos becos e das esquinas, dos terreiros de um Maranhão que canta e guarda em si o dom de ser feliz na simplicidade que é fazer da nossa festa quase um canto de gratidão.

Salve Chico da Ladeira, que agora faz folia no céu, salve Augusto Tampinha. Salve os fazedores da alegria, os imortais de fevereiro. Haja pão, festa e justiça e não nos falte a alegria, porque acima das dores do dia a dia, das ausências sempre presentes, haja Deus, é carnaval.

Brinquemos felizes, por que a vida, a vida, é um grande carnaval.

 

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