O foguete e o texto
José Sarney discorre sobre as semelhanças entre Alcântara, política e sociedade
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Quando eu era Governador, o Brigadeiro Délio Jardim de Matos deu-me uma notícia que aumentou a minha taquicardia e encheu de esperanças todo o Maranhão. A FAB estava escolhendo o local para erguer uma nova base capaz de lançar foguetes, para não termos somente uma — Barreira do Inferno, no Rio Grande do Norte —, pequena e limitada. Atendia também ao provérbio popular: “Quem tem uma não tem nenhuma”. Entre os lugares em estudo estavam o Município de Amapá, no então Território do Amapá. Entre os outros sítios aparecia Alcântara, com grandes possibilidades. Coloquei então o meu esforço de lobista em ação e fiz tudo para que o Maranhão fosse escolhido.
Verificados os dados técnicos, assim aconteceu. Íamos ter uma base com tecnologia capaz de competir com o mundo, por sua localização muito próxima da linha do Equador, no lançamento de foguetes e satélites. Disputaríamos todas as possibilidades da indústria espacial, inclusive a de participar da construção da rede mundial de comunicações. Nada de motivos bélicos.
Consolidada a escolha, dei todo o apoio para sua construção. Quando Presidente da República acompanhei ali o lançamento do pequeno foguete meteorológico que deu início às operações da Base de Alcântara. O Maranhão encheu-se de esperança de novas possibilidades de progresso. Em São José dos Campos iniciou-se o projeto ambicioso de um sistema autônomo, com base de lançamentos, vetores — foguetes — e satélites construídos no laboratório que tive a satisfação de construir nesse polo científico. Assinei também com a China um acordo de parceria na área.
Muitos anos depois acompanhei a tragédia da explosão do nosso foguete num acidente de lançamento, com a perda dos artefatos e dos melhores recursos humanos na área.
Agora, com uma nova janela de oportunidades aberta pela Base, a alugamos para que ali fosse lançado um foguete suborbital da Coréia do Sul. Estava marcada a empreitada para o dia 17 de dezembro, no solstício de verão, o mesmo dia em que a PEC do teto de gastos ia ser votada, resolvendo o problema do orçamento de dois governos inconciliáveis, o de Lula e o de Bolsonaro.
Levantei-me às cinco horas da manhã e às seis horas eu, minha mulher e os empregados estávamos na varanda de nosso apartamento, binóculos prontos, para ver o foguete subir. Soube depois que a orla mar estava também cheia de curiosos como nós.
Às seis horas o coração batia forte e os olhos em Alcântara esperavam a contagem regressiva. Nada. Todos diziam “Vamos esperar”. “Será às seis e meia.” Nada. E o foguete não subiu. Eu quis compensar minha frustração esperando a votação da PEC com os 600 reais para o Bolsa Família, marcada para as nove horas. Esperei. Nada.
A Base de Alcântara avisou que o foguete não subiu por um defeito numa válvula. O Sr. Deputado Lyra avisou que a PEC não foi votada por um defeito de conversa em que faltou um diálogo de garganta, mas no dia seguinte seria votada. Fiz a ligação: o foguete vai subir.
Dia 18 repete-se o mesmo cerimonial. Levanto-me, espero que a válvula esteja up to date. Seis horas e nada. A Base avisa que houve um problema de ignição.
Estamos realmente numa fase de ignição. Os nervos à flor da pele, deputada mata marido, deputada corre pelas ruas de arma na mão e vai para o país das armas, enquanto nós ficamos com o foguete parado, e os nossos pobres do Bolsa Família colocam água no feijão.
Nem o Natal arrefece os ânimos. Amaral Eletrônico, um assessor de comunicação e inventor nas horas vagas me vem à memória. Ele fundou um “instituto de física” e descobriu que a bomba atômica não foi desenvolvida em Los Alamos, mas no Brasil por um fogueteiro pernambucano, fabricante de foguetes de rabo de bambu, que soltou um que arrombou um bairro inteiro do Recife. Os americanos mandaram sequestrar o homem e daí resultaram as tragédias de Hiroshima e Nagasaki.
É assim que o mundo está funcionando: uma válvula e a chave de ignição do foguete da Coréia não sobe; os pobres do Bolsa Família tiveram que esperar até a última hora para que as válvulas das línguas que movimentam o Congresso entrassem em acordo.
Bom mesmo era o Severino Fogueteiro, morador do bairro de Santo Inácio, em Pinheiro, que tinha este slogan de seus foguetes de bambu e papel velho: “Foguete? Só sobe no Inácio Fogueteiro.” Só chamando o Severino para resolver diálogo e foguete coreano.
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