Bem, tenho uma notícia não muito boa para os mercadores da catástrofe. Seja qual for o resultado da eleição no próximo 30 de outubro, o país não irá acabar. Não teremos igrejas fechadas por uns e não teremos esquadrões da morte de homossexuais por outros. Não teremos a instituição do fascismo por esse e não haverá o estabelecimento do comunismo por aquele. Perdoem a destruição das expectativas, mas o fato é que nem Lula e nem Bolsonaro irão fazer algo de ruim, ou de bom, sozinhos após eleitos. Por que essa certeza?
Ao longo da história não há relatos, nem fatos, que comprovem a tese de que a ruína de alguma civilização ocorreu por meio único e exclusivo da vontade de um único e exclusivo alguém. Nenhuma tragédia econômica ou genocídio foi culpa de apenas um alguém. Sozinho, não. Sozinho, nunca.
A figura do salvador da pátria e do anticristo são as alegorias mais mentirosas da história das eleições. Uma obviedade que, dado o momento de confusão, precisa ser dita: dentro do convívio social, e mais especificamente ainda na política, sozinho ninguém destrói e nem constrói nada.
O nazismo não era reduzido à figura de Hitler, o fascismo não era Mussolini, o comunismo não era Stálin, o Khmer Vermelho cambojano não era Pol Pot, o chavismo não era Chávez. Absolutamente nenhum “ismo” que massacrou populações e arruinou nações inteiras existiu com apenas um membro. Todos foram movimentos de multidões. Todos contaram com a aprovação e/ou silêncio de milhões.
Por que as pessoas então agem como se não soubessem o óbvio? A política é uma das atividades com o maior leque de possibilidades. Pode ser desempenhada com a virtude absoluta da mesma forma que pode ser preenchida pelo vício supremo. E não é necessário explicar que o vício sempre apresenta um caminho mais sedutor que a virtude. Então, arrebatar o eleitor pelo medo é muito mais fácil.
Infelizmente o Brasil foi arrebatado pelo medo nas campanhas. Tanto um lado, quanto o outro, apostam suas fichas no temor do que está por vir caso o oponente vença. A eleição de 2022 é consolidação de um processo iniciado em 2014. Naquele ano, o publicitário João Santana usou cada segundo do tempo de propaganda para impor o medo sobre como seria o Brasil caso Marina Silva ou Aécio neves vencessem. O “antivoto” venceu aquelas eleições naquele ano e inaugurou o período da antipolítica no país.
Desde ali, muito mais do que em todos os outros tempos, não se trata mais do candidato mostrar como vai superar os desafios e resolver os problemas. Ele precisa apenas aterrorizar o eleitor em relação ao seu adversário. E alcançado esse objetivo, o da demonização do outro, é voto consolidado para sempre. Ninguém pensa em mudar de voto quando do outro lado está um ladrão comunista ou um genocida fascista. Game over!
O fato é que, dentro de algumas décadas, se estivermos lamentando a decadência de nosso país, saberemos que ela não se deu pela varinha mágica que Lula ou Bolsonaro ganharão no domingo. Terá acontecido porque um grupo de pessoas iniciou um processo que foi permitido pelo povo.
O Brasil não acaba domingo porque política não é um fim, é um processo ininterrupto e infinito. Nenhuma eleição é a solução para seus problemas e nem a consolidação de seus pesadelos. Porque após ela, teremos outra, outra, outras... E em todas haverá a oportunidade de debater as dificuldades pertinentes a cada momento. Bem como identificar soluções, avaliar propostas e tomar a decisão do momento.
Cair nessa ladainha de que o país acaba com a eleição de alguém é abrir mão da racionalidade e da liberdade. O eleitor que aceita essa tese, será para sempre um escravo do medo do outro. Medo que irá ofuscar toda e qualquer possibilidade de refletir sobre o momento em que vive. Medo que o transformará em um apertador de botão a cada dois anos.
O brasileiro anda tão apaixonado pela rivalidade política que está preferindo estar acompanhado na ignorância do que sozinho na consciência.
Sinto informar, o Brasil não acaba domingo. Pode acabar depois, se o povo permitir com seu apoio, ou com sua omissão. Domingo, não.
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