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COLUNA

Allan Kardec
É professor universitário, engenheiro elétrico com doutorado em Information Engineering pela Universidade de Nagoya e pós-doutorado pelo RIKEN (The Institute of Physics and Chemistry).
Coluna do Kardec

Da Vinci e o emaranhamento quântico

Falamos brevemente das consequências do Nobel em Física deste ano.

Allan Kardec

Atualizada em 02/05/2023 às 23h38
 
 

Da Vinci é uma das figuras mais icônicas da história da Arte e da Ciência. Aliás, do tempo em que não se tentava separar as duas! Einstein era apaixonado por música e dava seus pitacos em política. Newton se aventurou pela alquimia e era um religioso apaixonado. E o inventor do mundo Ocidental, Aristóteles, assim como seu mestre, Platão e o guru deste, Sócrates, todos falaram com a profundidade possível de todos os temas de seus tempos...

Michelângelo viveu na mesma época de Da Vinci. Ou eu deveria escrever a frase ao contrário? O detalhe, o cuidado, o perfeccionismo mas, fundamentalmente a crença e a fé juntas a uma convicção imensa o levou a, depois de terminar a estátua de Moisés, a verbalizar “fala, Moisés”. Talvez seja aquele dedo icônico de Deus na Capela Sistina a resposta para tanta ousadia: encontrar a divindade em um pequeno toque!

O fato é que esta semana tivemos a entrega dos Prêmio Nobel. Para muitos que conheço e convivo, pesquisa e Ciência é nossa cachaça – e nos realizamos vendo um grande pesquisador alçado ao cume, ao Olimpo, aos ditos céus - embora, de fato, o que tenha acontecido foram colegas atirando o grande Svaant Pääbo em uma piscina. Ele ganhou o Nobel de Medicina pelo trabalho de desvendar o DNA do Homo Neanderthalensis.

Mas os três, em particular, que ganharam o Nobel de Física já acompanho há alguns bons anos. Talvez uma década ou mais. São referência na área de Mecânica Quântica e certamente foram agraciados depois que empresas como IBM, Google e chineses extraordinários mostraram a realidade do computador quântico.

Ok. Vou me arriscar a você abandonar este artigo aqui mesmo. Mas a beleza do que o francês Alain Aspect, o norte-americano John Clauser e o austríaco Anton Zeilinger fizeram foi extraordinária! Sinceramente, pura magia! Por diversas razões: a primeira obviamente científica, mas a segunda é a jornada humana que luta contra a dúvida e o preconceito.

Conforme o anúncio da Academia Sueca, o prêmio foi atribuído por “experimentos com fótons emaranhados, estabelecendo a violação das desigualdades de Bell, os quais são os pioneiros da ciência da informação quântica.” Basicamente o que eles fizeram foi confirmar que existem algo muito parecido com almas gêmeas. Duas coisas tão estreitamente ligadas que, apesar de uma estar em Marte e outra em Plutão, agem da mesma forma, ao mesmo tempo: se uma está perna levantada a outra também. Se uma gira, a outra também. É um nado sincronizado da Física! 

É o chamado “emaranhamento quântico”. Aqui no Nordeste chamaríamos de grude, talvez, alguém que imita tanto a outra que acaba se tornando uma sombra ou um clone... o que os pesquisadores fizeram foi então se aproveitar dessa propriedade para criar os computadores quânticos. Claro, bom dizer que eles estão no estágio de 14BIS dos aviões. Ainda há muita estrada – ou céu para voar.

Alain Aspect enfrentou uma escalada monumental quando resolveu abordar o assunto. Já Clauser nunca obteve uma posição permanente em universidades norte-americanas (lá não tem concurso público). Era uma área considerada má ciência à época. Mas aqueles eram os idos de 1960.

Deixa eu falar mais um pouco. Não são só aplicações práticas como computadores ou comunicação quânticas. O emaranhamento tem implicações filosóficas profundas. Por exemplo, ficamos tontos quando ouvimos de Einstein que quando estamos voando a velocidades próximas da luz, o tempo se alonga e os objetos diminuem de tamanho... 

Já dois objetos em emaranhamento quântico aparentam ser um! Einstein nunca comprou essa ideia, mas um físico irlandês John Bell, a quem Alain Aspect visitou quando ainda era um pós doc, propôs uma equação que, se o valor desse acima de uma determinada quantidade, provava-se que havia emaranhamento – fenômeno que Einstein chamou de “ação fantasmagórica à distância”...

A luta por afirmação foi grande dos três cientistas agraciados pelo prêmio Nobel, embora eles tenham tido de enfrentar a descrença monumental da classe. Cabe-me relatar brevemente também que, quando diretor da ANP, ainda no Governo Lula, fui convidado junto com brasileiros Ivo Pitanguy e Christina Oiticica para falar de nosso país na Academia Sueca. Um dos seus membros acusou o Brasil de desmatar a Amazônia para a pecuária. Ele só não esperava que eu tivesse levado dados sobre o extraordinário programa de etanol brasileiro, além de demonstrar que cabalmente que aquela era uma Fake News, como se diz hoje. Mas eram os idos de 2010...

Na última terça tivemos, na Secretaria de Desenvolvimento Econômico, uma apresentação do SENAI Cimatec, com participação da FIEMA e de setores da academia. O Cimatec é referência em educação industrial, pesquisa e inovação e um dos mais avançados centros de tecnologia do país. Localização? Bahia!

Dê um Google nela e veja a envergadura e o tamanho. Pelo que o reitor Leone Peter nos apresentou, a captação de recursos para projetos ficou em torno de R$500 milhões, que vão de um submarino para explorar o Pré Sal, terapia gênica, produção de vacinas e projetos em inteligência artificial (IA) ou comunicação quântica. A ideia do Secretário José Reinaldo é tê-los como modelo que integre a indústria e academia para áreas como tecnologia verde ou exploração da Margem Equatorial. 

Falo isso porque já afirmei aqui alguma vez, mas gostaria de reiterar: o Brasil fez avião quando ainda nem fabricava bicicleta. Fez etanol de segunda geração – único no mundo hoje – quando o mundo o desafiava na bandeira ambiental e encontrou o pré sal quando ninguém imaginava que haveria petróleo em águas a 4 ou 7 Km da superfície do mar – as chamadas águas profundas.

Da Vinci foi disruptivo, ousado. Seja na pintura ou na ousadia das invenções de máquinas que só hoje vemos funcionar. Fico imaginando se ele tivesse tido ferramentas computacionais ou inteligência artificial para fazer a Mona Lisa falar, ou melhor, nos intrigar com seu silêncio. A propósito, usei um algoritmo de IA que, automaticamente, reconstruiu o Salvatore Mundi, obra que um príncipe saudita comprou por US$ 450 milhões de dólares para a filial do Louvre em Abu Dhabi. Hoje é avaliada em R$ 2,6 bilhões. O resultado está lá no início da crônica.

*Allan Kardec Duailibe Barros Filho, PhD pela Universidade de Nagoya, Japão, professor titular da UFMA, ex-diretor da ANP, membro da AMC, presidente da Gasmar.


 

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