(Divulgação)
COLUNA
Gabriela Lages Veloso
Escritora, poeta, crítica literária e mestranda em Letras pela Universidade Federal do Maranhão (UFMA).
Gabriela Lages Veloso

Sagarana

Sagarana (1946) segue a vertente regionalista, própria de toda a obra de Guimarães Rosa, e concentra-se no sertão de Minas Gerais, cenário rosiano por excelência.

Gabriela Lages Veloso

João Guimarães Rosa é considerado o maior escritor brasileiro do século XX e um dos maiores de todos os tempos. Contista, novelista, romancista, diplomata e médico, foi também o terceiro ocupante da Cadeira 2 da Academia Brasileira de Letras. Em 1946, foi publicado Sagarana, o livro de estreia de Guimarães Rosa. É importante ressaltar que a primeira versão desse livro tinha o título genérico de Contos e foi apresentado a um concurso literário no Rio de Janeiro, em 1938, garantindo o 2º lugar no certame.

Ilustração: Bruna Lages Veloso
Ilustração: Bruna Lages Veloso

Dessa forma, passaram-se oito anos, entre o prêmio e a publicação de Sagarana. Durante esse tempo, o autor corrigiu o seu original, retirou algumas narrativas, fez ajustes em outras, e o resultado foi esse livro excelente, que fez Guimarães Rosa descobrir a sua voz, o seu estilo, e que depois se desdobrou no restante de sua obra. Mas o que significa Sagarana? Ao somar o termo germânico saga (que trata-se do conjunto ou série de estórias orais, derivado do verbo “dizer”) ao sufixo tupi -rana (cujo significado é “à maneira de”), surge Sagarana, palavra rosiana criada para expressar a ideia de uma história que se assemelha à uma saga – mas não é.

Sagarana segue a vertente regionalista, própria de toda a obra de Guimarães Rosa, e concentra-se no sertão de Minas Gerais, cenário rosiano por excelência. Por essa razão, as personagens típicas são sertanejos que experienciam tanto fatos do cotidiano, quanto situações inusitadas, em tempos de paz ou de guerra. No entanto, conforme o aclamado crítico literário Antonio Candido, “Sagarana não é um livro regional como os outros, porque não existe região alguma igual à sua, criada livremente pelo autor com elementos caçados analiticamente e, depois, sintetizados na ecologia belíssima de suas histórias” (2019, p. 334).

Outro fato que desperta a curiosidade dos leitores trata-se da linguagem: tendo como base a oralidade sertaneja, utiliza regionalismos e arcaísmos ali preservados, mas também faz a adaptação de estrangeirismos e a criação de neologismos. Destaca-se ainda a desenvoltura do autor em contar “causos” (narrativas populares e fantásticas, que unem costumes do povo e podem ser cômicas ou assustadoras). Sagarana reúne 9 contos, de Guimarães Rosa, que propõem o embate entre o bem e o mal, o sagrado e o profano, Deus e o Diabo. Na apresentação da edição organizada pela Global Editora, em 2019, a ensaísta Walnice Nogueira Galvão afirma:

Sagarana traz nove contos, de extensão variada. Cheios de prodígios e versando sobre variegados assuntos, podem abordar um bestiário, que, aliás, registra uma preferência do autor. Podem trazer uma intriga de politicagens dos coronéis do interior. Podem concentrar-se nas relações de amizade ou de discórdia entre parentes e amigos. Podem chamar à cena as proezas de valentões ou, então, episódios de feitiçaria” (Galvão, 2019, p. 14).

Assim, em Sagarana, somos convidados a ouvir a estória d’O burrinho pedrês, que narra a dura lida do povo sertanejo que ganha o seu sustento com a produção bovina; a seguir, somos apresentados aos Traços biográficos de Lalino Salãthiel ou A volta do marido pródigo e conhecemos um típico anti-herói, malandro, que sempre consegue tudo o que deseja graças a sua lábia. Em Sarapalha acompanhamos o sofrimento de dois amigos, que tiveram suas vidas arruinadas pela malária e por traições. O Duelo épico, e à distância, entre Turíbio Todo e Cassiano Gomes, demonstra como a estratégia e a sagacidade são mais importantes do que a força.

Em Minha gente, compreendemos a importância do saber popular, que costuma ser subestimado por não se encontrar em manuais e ser adquirido com a experiência cotidiana. Por outro lado, São Marcos é uma lição sobre os males da intolerância religiosa. Ainda com um tom místico, seguimos para a próxima narrativa que apresenta um homem que só conseguiu enfrentar os seus maiores medos, porque estava com o Corpo fechado. Na página seguinte, ouvimos uma Conversa  de bois acalorada sobre os males do pensamento para os bovinos: “Por que é que tivemos de aprender a pensar? [...] Começamos a olhar o medo… o medo grande… e a pressa… O medo é uma pressa que vem de todos os lados, uma pressa sem caminho… [...] As coisas ruins são do homem: tristeza, fome, calor – tudo pensado, é pior” (Rosa, 2019, p. 270).

Por fim, chega A hora e a vez de Augusto Matraga, que era muito cruel até o momento em que fica entre a vida e a morte e tenta se redimir. Esse é, sem dúvida, um dos contos que melhor representa a dualidade da alma humana, que fica eternamente dividida entre o profano e o sagrado, a guerra e a paz, a vingança e a redenção. Em uma terra onde santos de casa não fazem milagres, e somente os estrangeiros são tidos como um modelo superior e inalienável, se faz urgente a valorização da Literatura Brasileira, sobretudo a regionalista, que resgata e registra as nossas culturas, falares e identidades. Portanto, livros como Sagarana, de Guimarães Rosa, são sinônimos de autoafirmação e resistência.

REFERÊNCIA:

ROSA, João Guimarães. Sagarana [1946]. 1. ed. São Paulo: Global, 2019. 

Sagarana está disponível para venda no site da Global Editora: https://lojaglobaleditora.com.br/produtos/sagarana/ 

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