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COLUNA

Gabriela Lages Veloso
Escritora, poeta, crítica literária e mestranda em Letras pela Universidade Federal do Maranhão (UFMA).
Gabriela Lages Veloso

Insight

Em uma segunda-feira qualquer, um dia nublado e cinza, me encontro em um grande engarrafamento. Entro na primeira rua que encontro.

Gabriela Lages Veloso

Atualizada em 03/11/2023 às 15h11

Em uma segunda-feira qualquer, um dia nublado e cinza, me encontro em um grande engarrafamento. Entro na primeira rua que encontro. Um atalho. Aparentemente um lugar comum, com pessoas comuns. Entretanto, nunca me esquecerei daquele lugar, da sensação de despertar para a realidade que me cerca.

Era uma rua estreita, muito estreita, com uma infinidade de pequenas lojas por todos os lados. Além de uma feira, uma borracharia, casas e uma igreja, que se destacava no ambiente, por suas dimensões e aparência impecável. Quantas pessoas... tantas pessoas vão e vêm freneticamente, todas com pressa, com um aspecto de cansaço e com várias sacolas, tantas sacolas quanto lojas, em um lugar que sem dúvida enfrenta graves problemas.

Tantas mães em plena adolescência, carregando seus filhos, outras crianças, no meio da rua estreita. Tento seguir com o meu carro, desviando de outros carros, carroças, bicicletas, motos e pessoas. Lá vem um ônibus. Percebo que todos que antes ocupavam a estreita rua se dispersam, sobem nas calçadas, entram nas ruas transversais. Como é a minha primeira vez nesse lugar, imito a ação. O ônibus segue seu curso e mais uma vez a rua estreita é tomada.

Algumas pessoas estão sentadas em suas portas, menosprezando os problemas das outras, afinal elas sofrem muito mais. Vejo uma jovem bem magra, extremamente suja, sentada na calçada da rua estreita, em meio ao lixo e o esgoto que escorre a céu aberto, conferindo as moedas que ganhou dos motoristas que por ali passavam. Ela já desistiu de pedir ajuda para os pedestres cheios de sacolas, pois sempre que chegam ao ponto da calçada em que ela se encontra, lançam um olhar de indiferença e desprezo, e atravessam a rua estreita, afinal eles não podem sustentar o vício (fome) que ela tem, pois eles têm muitas contas a pagar.

Ilustração: Bruna Lages Veloso
Ilustração: Bruna Lages Veloso

Dobro a esquina para sair da rua estreita, e me deparo com um muro pichado com o nome de uma facção criminosa. Vejo mais moradores sentados em suas portas. Lembro de uma notícia em que moradores como aqueles, em um bairro como aquele, foram expulsos de suas casas por traficantes que dominavam o lugar. Percebo que os rostos dos moradores deste estreito bairro têm uma mistura de medo e conformismo. Essa “é a eterna contradição humana”.

Crônica originalmente publicada na Coletânea de Contos e Crônicas - Vencedores do Prêmio Literário AMEI 2020 (Viegas Editora, 2021).

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