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COLUNA
Vítor Sardinha
Vítor Sardinha é escritor e tabelião no Maranhão, pós-graduado em Direito e vice-presidente do Moto Club. Assina coluna dedicada à reflexão sobre o tempo presente.
Vítor Sardinha

O futebol também precisa respirar

Porque a alegria do futebol encontra caminho até nos lugares e momentos mais improváveis.

Vítor Sardinha

Há dias em que o futebol parece menos um jogo e mais um espelho.

Um espelho antigo, manchado pelo tempo, onde vemos refletidos não apenas gols e derrotas, mas disputas silenciosas, decisões tomadas longe do gramado e vozes que raramente aparecem nas arquibancadas.

O futebol nasceu simples.

Uma bola improvisada, pés descalços, tardes longas.

Antes de ser negócio, foi abrigo. Antes de ser poder, foi encontro.

Mas o tempo - sempre ele - transforma tudo.

Hoje, quando leio notícias que falam de advertências, de documentos oficiais, de riscos que atravessam fronteiras e chegam até nós, aqui no Maranhão, penso menos em punições e mais em fragilidade. Porque o futebol, assim como as pessoas, também precisa de autonomia para crescer. Precisa respirar sem sentir que cada passo pode ser interrompido por forças que não dialogam.

Não se trata de defender erros.

Nem de negar responsabilidades.

Trata-se de compreender que o futebol não vive isolado: ele pulsa no meio da política, da justiça, da vaidade e, sobretudo, da paixão popular. Quando esses mundos colidem sem escuta, quem sofre não são os dirigentes nem os gabinetes - é o torcedor anônimo, aquele que atravessa a cidade para ver seu time jogar num domingo quente, acreditando que, por noventa minutos, tudo pode fazer sentido.

O Maranhão conhece bem essa esperança.

Conhece o peso de lutar contra invisibilidades históricas.

Conhece o valor simbólico de cada campeonato, de cada federação, de cada camisa vestida com orgulho.

Por isso, quando o futebol corre o risco de ser silenciado, ainda que em nome da ordem, é preciso cuidado. A ordem sem diálogo vira distância. E distância, no futebol, vira abandono.

Talvez o momento peça menos imposição e mais escuta.

Menos força e mais construção.

Porque o esporte não é apenas regido por estatutos - ele é sustentado por memórias, pertencimento e sonhos que não cabem em atas formais.

O torcedor sempre soube viver entre forças maiores do que ele. Justiça, política, poder.  Em um esporte que nasceu para ser simples. Uma bola que corre, pessoas que acreditam. Quando essas forças se aproximam demais, o jogo encolhe, como quem pressente a chuva antes do trovão quando é a hora da bola ser recolhida.

Aqui, a paixão dentro de campo não é espetáculo distante. É rotina. É promessa de domingo. É o menino que aprende a sonhar olhando um campo irregular. Por isso, qualquer risco que ameace o jogo não atinge apenas instituições - atinge memórias que ainda nem foram vividas.

O futebol não quer escolher lados.

Ele só quer continuar existindo.

Afinal, quando o jogo perde o direito de se governar com responsabilidade, todos perdemos um pouco daquilo que nos ensinou a acreditar desde criança: que mesmo quando a rua é irregular, e a bola é apenas um punhado de meias, a magia acontece. Porque a alegria do futebol encontra caminho até nos lugares e momentos mais improváveis.


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