
Francisco, das ruas e do mundo
Algumas pessoas me pediram que dissesse algo sobre o Papa Francisco e sobre sua ausência. Muito já foi dito, escrito, refletido. Ainda assim, há silêncios que pedem palavras.
Algumas pessoas me pediram que dissesse algo sobre o Papa Francisco e sobre sua ausência. Muito já foi dito, escrito, refletido. Ainda assim, há silêncios que pedem palavras, e há legados que exigem memória viva. Por isso, não escrevo aqui como teólogo, analista do pontificado ou cronista de gestos históricos — não tenho credenciais para isso. Escrevo como alguém tocado por uma presença que, mesmo ausente, continua a se fazer sentir. Talvez, de alguma maneira, traduzindo sentimentos e considerações de muitos e milhares, espalhados pelos recantos da Terra. E me detenho em três aspectos que considero essenciais para compreendermos o que ele foi, o que ele deixou e o que ele continua sendo.
O primeiro aspecto é o da proximidade. Francisco foi, desde o instante inaugural de seu pontificado, alguém que compreendeu a grandeza de se fazer pequeno. Ao aparecer na sacada da Basílica de São Pedro, não abençoou de imediato. Antes disso, pediu que o povo rezasse por ele. Essa inversão de gestos não foi mero detalhe simbólico — foi a senha de um modo de ser. Ele não se colocava acima, mas ao lado. Era o Bispo de Roma que queria caminhar com o povo. Um Papa que se deixou tocar pelas multidões, que nunca se intimidou diante das periferias, que não teve medo de perder a compostura institucional se isso significasse ganhar a confiança de uma criança, o sorriso de um idoso, o abraço de um refugiado.
Francisco nunca fez discursos de reformas radicais. Não era um revolucionário no sentido clássico do termo. Ele foi, antes, alguém coerente com suas convicções mais íntimas. Falava — e vivia — a partir do Evangelho como serviço. Defendia uma Igreja pobre e para os pobres, uma Igreja samaritana, acolhedora, missionária, despojada de vaidades e voltada ao essencial: o cuidado. “Hospital de campanha” foi a imagem que ele usou. Uma Igreja que vai ao encontro das feridas do mundo, que não teme sujar os pés de lama. Uma Igreja que escuta mais do que sentencia. Que chora com os que choram e se alegra com os que esperam.
O segundo aspecto que me comove profundamente é a coerência final de sua vida. Ao desejar ser sepultado fora dos muros do Vaticano, Francisco reafirma, mesmo na morte, sua vocação à saída. Ele não quis o túmulo dos Papas, nem a solenidade de uma cúpula de mármore. Quis o chão de Roma, o chão do mundo. É como se, mesmo morto, insistisse em não se enclausurar. O Papa da saída não apenas deixou o palácio — ele recusou ser símbolo de uma Igreja fechada em si mesma. Seu corpo, fora dos muros, ecoa o mesmo chamado que sua voz repetiu tantas vezes: “saiam!”. Saiam dos templos, das certezas, das doutrinas rígidas, dos muros morais. Saiam e encontrem as pessoas onde elas estão, como elas estão.
Por fim, Francisco foi — e é — um Papa que falou ao coração. Num mundo saturado de discursos, doutrinas e polarizações, ele soube usar a linguagem da ternura. Não precisou de tratados de teologia para tocar almas. Sua força vinha da simplicidade. Não porque fosse ingênuo, mas porque era profundo. E a profundidade, às vezes, se revela naquilo que é essencial e desarmado. Ele falava de amor, de paz, de fraternidade. Falava aos católicos, mas também aos ateus, aos muçulmanos, aos indígenas, às mulheres invisibilizadas, aos jovens inquietos, aos pobres esquecidos. Sua voz atravessou as colunatas de Bernini, rompeu os salões da cúria, transpôs muros de intolerância. Ele fez o mundo ouvir o sussurro de um pastor que ama suas ovelhas — todas elas, até as dispersas.
Sua ausência agora nos pesa, mas não nos paralisa. Porque sua presença não era feita de grandiloquência. Era feita de gestos, de olhares, de pequenos testemunhos de amor encarnado. Francisco nos ensinou que a paz é possível, que a fraternidade é possível, que Deus não está distante nem é monopólio de ninguém. Ensinou-nos que a Igreja deve refletir o rosto misericordioso de Cristo e que a fé, quando não nos faz mais humanos, perdeu sua essência.
Francisco morreu. Mas o Papa das ruas continua caminhando. Nos becos, nos presídios, nos hospitais, nas favelas, nas periferias da existência. Ele caminha em nós. E seu legado — de amor, de escuta, de humildade e de esperança — ainda pulsa forte em cada gesto simples que ousa amar sem distinção.
Francisco é um Evangelho atualizado, vivo, vibrante, que grita permanentemente aos nossos ouvidos que Deus é próximo de nós — e que, se quisermos encontrá-lo para um abraço, precisamos ir aos pobres, de pão e de alma.
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