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COLUNA
Prof Michael Amorim
Michael Amorim é professor de filosofia, conferencista, podcaster pai e marido.
Prof Michael Amorim

Apostolica Sedes Vacans - a morte do Papa Francisco.

Francisco teve um pontificado marcado pela polarização interna na Igreja, por declarações dúbias e determinações questionáveis do ponto de vista doutrinário. No entanto, seria injusto ignorar os momentos de grandeza espiritual de seu governo.

Prof Michael Amorim

O mundo está de luto. Morreu aos 88 anos o Papa Francisco, 266º sucessor de São Pedro. A Sé está vacante, e a Igreja — como uma mãe que perdeu seu pastor visível — encontra-se momentaneamente órfã. Como no primeiro Sábado de Aleluia após o sepultamento de Jesus. Independentemente de juízos pessoais a respeito do Papa, trata-se de um momento de silêncio, oração e respeito. É hora de olhar para o alto, e de renovar a esperança na assistência do Espírito Santo à Esposa de Cristo. Com a certeza de que a Barca de Pedro permanecerá inabalável. Neste espírito, retomamos as reflexões que seguem.

Muito se falou, durante o pontificado de Francisco, sobre a crise na Igreja Católica e, não raras vezes, as críticas recaíram diretamente sobre o Papa. É impossível negar que, durante seu reinado eclesiástico, a polarização entre tradicionalistas — ou meros simpatizantes da Missa Tridentina — e católicos mais liberais — ou expressamente modernistas — tornou-se mais evidente do que nunca. Muitos, por amor à Tradição, adotaram uma postura menos amigável e mais combativa em relação ao modo como Francisco conduziu a Igreja; outros, muitas vezes por inclinações políticas e ideológicas, mostraram-se críticos da chamada “Missa do Concílio de Trento” e favoráveis às mudanças promovidas pelo Papa. Mas, antes de qualquer julgamento, é preciso esclarecer pontos fundamentais que muitos ignoram — ou distorcem por conveniência.

Para começar, não existe “Missa do Concílio de Trento”. O Concílio não criou nenhuma liturgia. A ideia de se criar um novo missal é, de fato, algo moderno, fruto da mentalidade do pós-Concílio Vaticano II. Foi o Papa Paulo VI quem promulgou um novo missal — e aqui não se trata de juízo de valor, mas de um dado histórico. Nenhum papa antes dele fez isso. O próprio padre Paulo Ricardo, que não é considerado um tradicionalista, afirma isso em seu curso A Batalha dos Missais (o qual recomendo com veemência). 

O que chamamos de Missa Tridentina, ou "Missa de Sempre", recebe esse nome devido à bula Quo primum tempore, emitida por São Pio V, que estabelecia a forma de celebração da missa como definitiva, sem possibilidade de alteração. Logo, ao contrário do que afirmam alguns, o apego à liturgia tradicional não é simples saudosismo — embora seja verdade que muitos tradicionalistas adotem essa postura. Outro fator que muito contribui para polêmicas e mal-entendidos é o papel da mídia. Notícias envolvendo o Papa Francisco eram frequentes e quase sempre enviesadas, seja para associá-lo à ala progressista da Igreja, seja para taxá-lo como retrógrado e apegado à tradição, como quando Sua Santidade se manifestava em defesa dos nascituros e contra os métodos contraceptivos.

É nesse cenário de confusões e mal-entendidos que floresce a desinformação, muitas vezes alimentada por emoções exacerbadas de ambos os lados. Muitos ignoram, inclusive, que as opiniões circunstanciais, pastorais ou pessoais do Papa não devem ser tomadas como dogmas infalíveis. Francisco pode ter suas posições particulares acerca de política, economia, ecologismo, culinária e futebol, sem que isso signifique a construção de uma nova doutrina ou qualquer modificação no depósito da fé da Igreja. Convém lembrar que o Papa só é infalível quando fala ex cathedra, isto é, quando se pronuncia como sucessor de Pedro sobre fé e moral, em comunhão com os bispos do mundo inteiro reunidos em concílio ecumênico. Isso ocorreu apenas duas vezes nos últimos duzentos anos. A opinião de um papa sobre política, futebol, culinária ou qualquer outro tema secular é apenas isso: uma opinião. O fiel católico não está obrigado a concordar com tudo o que o Papa diz nesses assuntos.

Nesse contexto, é recomendável abandonar o teatrinho do “católico decepcionado com a Igreja”, que no fundo apenas esconde um anticatolicismo mal disfarçado. Mesmo em momentos de grave crise, como o que vivemos, a promessa de Cristo de que as portas do inferno não prevalecerão contra Sua Igreja deve ser levada a sério. Como lembrou o Papa Bento XVI: “Quem reza nunca perde a esperança, mesmo quando se encontra em situações difíceis e até humanamente desesperadas...” 

Mas há outra raiz da crise que vivemos: o desprezo pelos estudos. É essa a marca maior de um povo em decadência. Infelizmente, esse desprezo já alcançou a própria Igreja, “coluna e sustentáculo da verdade”, como dizem as Escrituras. Muitos católicos acreditam que a vida espiritual independe do conhecimento doutrinário, ignorando o valor do catecismo, da teologia e da razão. Essa falsa espiritualidade — muito semelhante ao Fideísmo protestante — reduz a fé ao subjetivismo emocional. Esquecem o que ensinou São Pio X em sua encíclica Acerbo Nimis, sobre a importância do ensino do catecismo. Assim, contribuem para a destruição da própria fé que dizem defender. Acusam o Clero de abandonar uma doutrina que eles mesmo desconhecem.

Se agimos com boa intenção, mas pelos motivos errados, a crítica se torna apressada, superficial, e muitas vezes desonesta. 

Muitos dos críticos de Francisco, que reagiram de forma enérgica aos comentários do Papa sobre capitalismo e trabalho, desconhecem princípios fundamentais da Doutrina Social da Igreja (DSI), como o princípio da subsidiariedade. Nem sequer sabem que o Papa Pio XI — conhecido por sua firme oposição ao comunismo — também criticou duramente os excessos do capitalismo e o individualismo que desrespeita a dignidade humana. O próprio Catecismo é claro ao afirmar que “todo sistema segundo o qual as relações sociais seriam inteiramente determinadas pelos fatores econômicos é contrário à natureza da pessoa humana” (n. 2423). A Igreja ensina que tudo o que possuímos deve, de algum modo, servir ao bem comum — o que não significa que nossos bens pertencem ao Estado. A rejeição ao socialismo não implica em abraçar o capitalismo de forma cega, e vice-versa. O mundo não é binário. A Igreja não é partidária.

É legítimo conjecturar que houve más intenções em algumas falas do Papa Francisco? Talvez. Como diz um amigo meu: tua cabeça é teu guia. De minha parte, prefiro errar pela caridade que pela maledicência. Prefiro ver boas intenções em ações equivocadas, que cogitar conspirações e intenções ruins. O que não se pode é transformar especulações em certezas, enxergando chifres em cabeça de cavalo e repetindo calúnias que servem aos inimigos da Igreja. 

Francisco teve um pontificado marcado pela polarização interna na Igreja, por declarações dúbias e determinações questionáveis do ponto de vista doutrinário. No entanto, seria injusto ignorar os momentos de grandeza espiritual de seu governo. A oração do Papa Francisco na Praça de São Pedro deserta, durante a pandemia, seguida da bênção Urbi et Orbi, foi uma das cenas mais comoventes dos últimos tempos. Bem como a Consagração da Rússia ao Imaculado Coração de Maria, uma antiga esperança dos católicos conservadores.

Não estou “passando pano” para as decisões no mínimo controversas do Papa Francisco, mas também não me junto ao coro de seus detratores. O que me intriga é ver pessoas escondendo seu ódio pela Igreja sob o disfarce de uma crítica ao “progressismo papal”. Como se, caso o Papa fosse ultraconservador, essas mesmas pessoas abraçariam a fé católica com entusiasmo...

Falei essas coisas e quase me esqueço de falar que conheci, há uns anos, as obras do Monsenhor Lefébvre, um verdadeiro homem de Deus. Um santo de nossa época que foi instrumento de resistência durante uma crise que ainda perdura. Mas também encontrei — principalmente nas redes sociais — alguns seguidores seus que tomam para si o papel de núncio apostólico, de juiz e, às vezes, até mesmo de Sumo Pontífice. Julgam quem é herege, quem está salvo e quem está condenado. E fazem tudo isso sem a virtude essencial da vida cristã: a Caridade. Esquecem de amar como Jesus amou, como rezava São Francisco, e de perdoar como o Senhor perdoou. Ignoram o conselho de Padre Pio: “Reze e deixe o restante com Deus.” Há situações em que essa é, de fato, a única atitude possível — e a mais eficaz. 

Não é raro ver católicos desse meio desejando o inferno para qualquer desafeto. Isso é cristianismo? A missão da Igreja é a salvação de todas as almas. É o que pedimos, diariamente, ao rezar o Terço: “Ó meu bom Jesus, perdoai-nos. Levai as almas todas para o céu, principalmente as que mais precisarem.”

Devemos combater o erro com firmeza, sem dúvida. Mas jamais podemos abandonar a caridade. O verdadeiro coração cristão é humilde, pois só a humildade abre caminho para a Verdade. Deus resiste aos soberbos. Saber o nosso lugar na história da salvação é fundamental. Como disse São Tiago: “Tu, porém, quem és, que julgas o teu próximo?” (Tg 4,12). Graças a Deus, esses excessos não representam todos os tradicionalistas, que na maioria são católicos piedosos e fiéis. Conheço membros da FSSPX, por exemplo, que são as pessoas mais próximas de Deus com quem tive contato.

Por fim, deixo um apelo sincero: se você não reza diariamente pelo Clero, pelos bispos, pelos padres e por toda a Igreja, não abra a boca para palpitar. Reze primeiro. Reze com humildade, com confiança, com amor. Reze como quem deseja sinceramente a salvação das almas, como quem torce para que o Sumo Pontífice conduza bem a Igreja, e não como quem torce pela ruína dos outros só para confirmar suas críticas e opiniões.

Em um vídeo recente, o Padre Paulo Ricardo tocou em um ponto importante: o espírito de todo católico neste momento de luto, diz ele, deve ser de sufrágio pela alma do Papa. Deixemos o assunto do Conclave para as autoridades eclesiásticas competentes. Abrandemos nossas críticas. Rezemos por nosso pai falecido.

Que o Espírito Santo conduza a Igreja neste tempo de Sé Vacante. E que Maria Santíssima, Mãe da Igreja, interceda por nós, que estamos órfãos de pai.
Requiescat in pace, Papa Francisco. Que descanse em paz. Requiem aeternam dona eis, Domine, et lux perpetua luceat eis.

 

São Luís, dia de São Jorge. 

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