SÃO LUÍS – “Se ele tem idade para matar, roubar e traficar drogas, ele tem para responder por seus crimes!”. Esse é o argumento de boa parte da população brasileira e de agentes públicos para defender a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 171/1993, conhecida como Lei da Maioridade Penal, que visa reduzir de 18 para 16 anos a responsabilidade penal do cidadão brasileiro.
A PEC divide opiniões e tem causado um verdadeiro embate ideológico entre cidadãos, sociedade civil organizada, instituições públicas e privadas e a classe política. Toda essa repercussão mostra um descontentamento da população brasileira com a violência exacerbada e com a entrada, cada vez maior, de crianças e adolescentes no mundo do crime. (Veja, na galeria de imagens no final da matéria, dados de 2014 e 2015 sobre a situação dos adolescentes infratores no Maranhão).
Ao ser apreendido e julgado, o adolescente infrator passa a cumprir pena em uma unidade de ressocialização, voltada a atender apenas pessoas menores de 18 anos. No Maranhão, Os Centros de Referência Especializado de Assistência Social (Creas) são responsáveis por prestar serviços especializados e continuados aos adolescentes em conflito com a lei, que estejam em cumprimento de medida socioeducativa em meio aberto, prestação de serviço à comunidade e liberdade assistida. E a Fundação da Criança e do Adolescente (Funac) é responsável por executar a política de atendimento a adolescente em cumprimento de medida socioeducativa restritiva e privativa de liberdade.
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Segundo a professora de Serviço Social da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), pesquisadora na área da infância e juventude e vice-presidente do Conselho Estadual da Criança e do Adolescente do Maranhão, Selma Marques, a Funac e os Creas seguem a dinâmica e orientação da política que prevê que os adolescentes infratores devem sofrer processo de responsabilização, punição e socioeducação, que são fundamentais para que haja uma mudança de comportamento social.
“O atendimento socioeducativo é o meio apropriado para promover a reinserção social do menor, lá ele vai ver ser atendido, ter uma responsabilização por seus atos. Ele vai sofrer o afastamento do convívio social e vai para uma casa internação. Nesse local, ele vai passar por programas socioeducativos, nos quais ele deve ter uma condição de refletir sobre o ato que cometeu. Sendo assim, não deve sair de lá como um sujeito comprometido com o mundo do crime, mas um novo cidadão”, defende Selma Marques.
Mas a pesquisadora ressalta que o papel dessas instituições se torna obsoleto, na medida em que faltam políticas públicas para atender esses adolescentes fora das casas de internação.
“Para que o papel da Funac e dos Creas seja efetivo, é preciso que as demais políticas públicas como saúde, educação, laser, cultura, trabalho, emprego e renda, moradia e assistência estejam presentes. Que todas essas políticas estejam articuladas para prover as necessidades que aquele adolescente e sua família necessitam para ter uma ruptura com o ato infracional. Esse é o modelo ideal que está determinado no Estatuto da Criança e do Adolescente”, explica a professora.
Eles começaram a usar e, quando eu vi, já estavam roubando e até matando... Um morreu dentro do presídio e os outros dois aqui fora.Lamenta dona Maria, sobre a fim trágico dos filhos.
Sem renda fixa, escolas de qualidade para os filhos e nem incentivo à cultura, lazer e esporte, dona Maria*, 48 anos, perdeu três filhos para o crime. Apesar de todos os conselhos que deu aos garotos, os jovens se tornaram infratores e perderam a vida pouco depois de alcançarem a maioridade.
“É uma dor muito grande senhora. Esses meninos desde cedo sofreram com o pai que largou a gente. Aí ainda tinha uns malandros na rua oferecendo essas porcarias, acabou que eles começaram a usar e, quando eu vi, já estavam roubando e até matando. Eles foram pra ‘Febem’** um monte de vezes, mas não deu jeito, acabaram crescendo, aí foram pra Pedrinhas. Um morreu dentro do presídio e os outros dois aqui fora”, lamenta a dona de casa.
Funac: além da punição!
Segundo dados da Funac, até o dia 23 de julho deste ano, 171 adolescentes estavam cumprindo medidas socioeducativas dentro das unidades de ressocialização do Estado. Privados de liberdade integral ou parcial, esses adolescentes passam por um processo de ressocialização, que alinha educação, cultura, esporte, lazer, acompanhamento psicológicos, entre outras ações, que visam levar o adolescente a fazer uma ruptura com o mundo do crime.
“A gente pode afirmar que esse sistema de ressocialização funciona, porque o nosso índice de reincidência é baixo. Apenas 5,6% de reincidência, o que equivale a 52 casos de atos infracionais”, explica o assessor jurídico da Funac, Francisco Lemos.
Muitos apreendidos e poucos privados de liberdade
Ao contrário do que algumas pessoas acham, nem todos os adolescentes apreendidos em ato infracional vão para a Funac, pois existem outras medidas socioeducativas. O ECA determina ações punitivas e educativas em meio aberto e fechado, este último compete à Funac.
“Alguns adolescentes não vem pra Funac porque vão cumprir outras medidas em meio aberto, executadas pelos municípios, por meio das Semcas, que presta serviço à comunidade e a medida de liberdade assistida. Por isso, casos de menor gravidade, os praticados sem violência ou grave ameaça, não chegam à Funac. Até mesmo porque as medidas privativas e restritivas de liberdade são excepcionais. Elas só serão aplicadas quando o ato infracional for de violência ou grave ameaça como homicídio, roubo, latrocínio, estupro. Esses sim, quando julgados, possivelmente serão trazidos para o cumprimento de medida socioeducativa.
Fugas e tentativas
Francisco Lemos destaca que as fugas e tentativas de fuga, bem como os motins são atos comuns dentro de uma instituição de privação de liberdade, pois, quem está preso quer ser livre.
“A medida socioeducativa, embora tenha com caráter principal de ressocializar, a gente não pode negar que ela tem um caráter retributivo e responsabilizador. O adolescente que está nessas unidades não está de livre vontade. E, muitas vezes, ele não quer fazer a ruptura com a criminalidade, o que torna o trabalho de ressocialização ainda mais difícil”, explica Lemos.
Maioridade penal
O Estado que consegue assegurar todos os direitos fundamentais dos seus cidadãos, com certeza consegue diminuir a criminalidade.Francisco Lemos, assessor jurídico da Funac.
Assim como a pesquisadora Selma Marques, Lemos também acredita que diminuir a idade penal dos jovens brasileiros não vai resolver o problema.
“O Brasil deve seguir o mesmo caminho que as principais nações do mundo. Elas já conseguiram reduzir os crimes cometidos por adolescentes investindo em políticas públicas, em especial em educação, cultura, esporte lazer e profissionalização. O Estado que consegue assegurar todos os direitos fundamentais dos seus cidadãos, com certeza consegue diminuir a criminalidade”.
Ele ressalta que quando dizem ser contrários à redução da maioridade penal, não significa que os adolescentes não devem ter algum tipo de responsabilização por seus delitos. Eles devem sim ser responsabilizados, mas o ECA é o mecanismos para essa responsabilização
Ouça a entrevista completa que o assessor jurídico da Funac, Francisco Lemos, deu ao Imirante.com, falando sobre a Fundação da Criança e do Adolescente, os desafios da instituição em ressocializar e a discussão sobre a maioridade penal.
Nada de ociosidade
Você sabe o que os adolescentes que estão nas unidades da Funac fazem todos os dias? Segundo a coordenadora de Programas Socioeducativos da Fundação, Nelma Pereira, eles passam por uma série de atividades, desde frequentar a sala de aula até participar de reflexões psicológicas e espirituais.
“As unidades têm salas de aula para atender aos adolescentes, que participam de oficinas educativas e de lazer, profissionalização, entre outras atividades, nas quais são envolvidos cotidianamente. Eles passam por atendimento individual ou grupal com psicólogos, assistente social e pedagogo. Além disso, tempos atividades espirituais, respeitando o credo de cada um”, explica Nelma Pereira.
Ouça a entrevista que Nelma Pereira deu ao Imirante.com falando sobre as medidas socioeducativas da Fundação, além de falar sobre o deficit de manutenção e de equipamentos nas unidades da Funac.
Um futuro diferente?
O Imirante.com entrou no Centro da Juventude Eldorado, no bairro do Turu, onde encontrou um ambiente com diversas atividades educativas. No local, nossa equipe falou com dois adolescentes, um de 16 e outro de 17 anos. Ambos estão há 5 meses na unidade de internação e afirmam que pensam em seguir um caminho diferente quando saírem de lá.
“Eu faço capoeira, jogo futebol, toco violão. Eu gosto muito. Quando eu sair daqui quero terminar meus estudos e trabalhar”, disse o garoto de 16 anos.
O outro adolescente tem a mesma perspectiva de vida.
“Aqui eu estudo, toco violão, jogo capoeira, tem o dia de banhar na piscina e eu gosto do que eu faço. Acho que vai me ajudar lá fora. Eu penso que quando eu sair daqui vou valorizar mais a minha família, terminar meus estudos e trabalhar”, afirmou o adolescente de 17 anos.
* Nome fictício
** Fundação do Bem Estar do Menor (Febem), que teve o nome alterado para Fundação da Criança e do Adolescente (Funac)
Veja, na galeria de imagens, dados de 2014 e 2015 fornecidos ao Imirante.com pela Funac, os quais mostram o número de adolescentes internados, o perfil dos mesmos, abrangência das ações socioeducativas, entre outras informações sobre o trabalho desenvolvido pela Fundação da Criança e do Adolescente no Maranhão.
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