Racismo em pauta

Retratos sociais e interferências ao acesso de garantias de direito

<b>Imirante.com</b> conversou com a advogada e mestranda em Cultura e Sociedade (PGCULT-UFMA), Imaíra Pinheiro.

Adriano Soares / Imirante.com

Atualizada em 27/03/2022 às 11h07
Inseridas nessa luta contra o racismo, há ainda a causa das mulheres negras que ainda lidam com muitas barreiras e estigmas sociais.
Inseridas nessa luta contra o racismo, há ainda a causa das mulheres negras que ainda lidam com muitas barreiras e estigmas sociais. (Foto: arte / Lari Arantes)

SÃO LUÍS – Nas últimas semanas, os debates voltados a questão do racismo ganharam força e movimentaram o mundo todo, após George Floyd, um homem negro, de 46 anos, ter sido morto por um policial americano, durante uma abordagem, em Minnesota, nos Estados Unidos.

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Após esse fato, protestos contra o racismo e a violência policial eclodiram em todo o mundo. Entretanto, os debates sobre o racismo e a luta social contra esse crime sempre nortearam debates em todas as esferas da sociedade.

Inseridas nessa luta contra o racismo, há ainda a causa das mulheres negras que ainda lidam com muitas barreiras e estigmas sociais. Para falar mais sobre esse assunto, o Imirante.com conversou com a advogada e mestranda em Cultura e Sociedade (PGCULT-UFMA) pela Universidade Federal do Maranhão, Imaíra Pinheiro.

De acordo com a advogada, os dilemas sociais travestidos em números, alguns deles representados em documentos oficiais, como por exemplo, o estudo reverberado na Síntese de indicadores sociais: uma análise das condições de vida da população brasileira: 2019, produzido pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), alicerçam a afirmativa de que as mulheres negras ainda se encontram na base da pirâmide social no Brasil. “Sobre a minha análise, acredito que esses dados alertam para um problema presente na sociedade brasileira: as dificuldades para o exercício de garantias constitucionais”, afirma Imaíra Pinheiro.

Questionada sobre se as políticas públicas existentes que colocam as mulheres negras trabalhadoras em condição de igualdade são suficientes e se elas precisam ser mais eficazes, a advogada e mestranda diz que para que seja possível responder a esse questionamento, primeiro, é preciso localizar o sentido da palavra “trabalhadoras” e o tipo de relação de trabalho exercida. Isto, pois, segundo Imaíra Pinheiro, nem todas as pessoas que exercem alguma atividade e recebem remuneração por isso participam do núcleo de sujeitos que têm acesso ao trabalho formal; tão pouco, todas as pessoas que prestam serviços formais são regidas pelas normas das relações de emprego. “Daí, já temos diferenças identificadas, e destas me interessa a que se destina à distinção entre àquelas pessoas que são trabalhadoras formais e as que não têm acesso ao trabalho formal, algo que já representa que aquelas não se encontram em estado de igualdade”, explica.

Ainda de acordo com a advogada, em momentos de crise, como o atual, essas desigualdades evidenciam que as políticas públicas voltadas à promoção de igualdades de direitos, principalmente no âmbito do direito laboral, ainda se encontram insuficientes e, quando presentes, ineficazes. Fator que se tornou mais crítico com a aplicação da Reforma Trabalhista no Brasil, em 2017, das políticas neoliberais estatais, e as crises econômicas, que diretamente atacam os trabalhadores e, de modo mais potente, as mulheres negras, visto que elas se encontram em maior situação de vulnerabilidade social. “Por isso, as políticas públicas precisam de mais incentivo que as direcione a uma aplicabilidade com compromisso de alcançar resultados mais expressivos”, ressalta Imaíra Pinheiro.

Racismo x feminicídio

Seguindo uma trágica estatística nacional, os casos de feminicídio no Maranhão têm aumentado consideravelmente. Grande parte das vítimas são mulheres negras. Indagada sobre se o acesso à Justiça por parte das mulheres negras é algo que precisa ser melhorado, a advogada Imaíra Pinheiro explica que se um determinado público não possui acesso a um direito fundamental, que também é uma garantia prevista legalmente, tal como o acesso à Justiça - assegurado pelo artigo 5º, inciso XXXV da Constituição Federal do Brasil -, logo já possível partir da indicação que isso, urgentemente, seja modificado independente de quem se encontre com o esse pressuposto em situação de violação. “As mulheres negras estão inseridas em contextos que as colocam em maior estado de vulnerabilidade, o que se reflete, inclusive, na sua inacessibilidade ao sistema de Justiça”, diz Imaíra Pinheiro.

Cenário local

Questionada sobre a adesão social do debate sobre racismo na sociedade, especificamente no Maranhão, a pesquisadora diz que avalia a presença do debate como fator necessário e indispensável para que seja possível refletir e modificar os discursos e práticas diante não só da sociedade, mas, também, de uma forma idividual. “Eu, enquanto uma mulher negra, pesquisadora, maranhense, percebo o quão ainda é problemático como o racismo intervém nas relações sociais e construções subjetivas, e repercute em vários âmbitos, seja na linguagem, na nossa forma de agir, nas nossas concepções estéticas, no nosso autorreconhecimento, na acessibilidade a políticas públicas, nas condições sociais, na abertura de oportunidades... Isso se conecta com a forma negativa que a representação da população negra vem sendo construída e não tem como não elencar os resquícios que as práticas escravagistas do processo de colonização influenciaram para que isso ocorresse”, declara.

Ainda segundo a advogada Imaíra Pinheiro, no Maranhão, que possui uma das maiores populações de pessoas negras do Brasil, o debate deve ser uma prática constante, e precisa ser celebrado o fato que, por meio de muitas lutas, a discussão já vinha sendo feita por defensores de direitos humanos, seja pelos movimentos sociais, por pesquisadores, por ativistas, por representantes políticos e afins. Entretanto, ainda de acordo com Imaíra, “ter uma comoção social que auxilie a repercussão desse debate, influenciada pelas mídias e redes de comunicação social é mais uma força, mais um instrumento para trazer as questões para mais perto e, assim, possamos inserir, problematizar e modificar práticas que ferem nossos direitos, e, mais do que isso, trazer à tona que os problemas ocasionados pelo racismo não são problemas somente das pessoas negras. São problemas de toda a sociedade e que precisam do auxílio desta para serem combatidos”, garante.

Sobre a entrevistada

Imaíra Pinheiro é advogada, mestranda em Cultura e Sociedade (PGCULT-UFMA); pesquisadora (Capes); membro do Grupo de Pesquisa em Gênero, Memória e Identidade - Geni (CNPq); membro do Grupo de Pesquisa Epistemologia da Antropologia, Etnologia e Política (CNPq); membro do Conselho Estadual da Jovem Advocacia OAB/MA

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