Negligência

Rios de São Luís: qualidade de vida na Ilha, poluição e desmitificação

Como os cursos d'água poderiam melhorar a qualidade de vida da nossa gente?

Neto Cordeiro/Imirante.com

- Atualizada em 31/03/2022 às 12h13

SÃO LUÍS – Mais da metade da população brasileira (57%) vive em 5,7% das cidades do país. Um total de 118,9 milhões de habitantes moram em 317 municípios brasileiros. Os dados foram divulgados em agosto do ano passado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O Brasil tem um contingente maior de pessoas vivendo em cidade de médio para grande porte em relação à população das cidades pequenas.

Diante dos números, entram alguns questionamentos: como está a qualidade de vida em nossas cidades? Qual o preço que pagamos pelo crescimento urbano acelerado e muitas vezes desordenado? Olhando ao redor, o que perdemos e o ganhamos com tudo isso?

Nesta sexta-feira (22), Dia Mundial da Água, o Imirante.com traz este especial sobre os rios de São Luís. O que eles têm a ver com a qualidade de vida da nossa gente? Entrevistamos o cientista ambiental Márcio Vaz que explica, primeiramente, as características gerais de nossos rios, exemplificando com alguns deles.

As águas naturais são recursos indispensáveis para as comunidades aquáticas (fauna e flora) e aos humanos, a vida depende desse precioso líquido. A Ilha de São Luís, tinha vários riachos perenes que eram utilizados para irrigação de hortaliças, recreação e lazer. Conforme explica o especialista em Oceanografia Química e doutor em Geoquímica Ambiental Odilon Melo, por volta do fim da década de 1970 e início de 1980, houve a expansão populacional e construção desenfreada, sem planejamento adequado, sem construção de estação de tratamento de esgoto.

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Odilon aponta algumas consequências da morte dos rios nas cidades. “Falta de água para consumo humano e irrigação na área rural da ilha para produção de hortaliças e frutas; falta de áreas de lazer e de recreação para a população; afeta a saúde pública de modo geral; afeta o clima com aumento de calor etc”, elenca.

O cientista ambiental Márcio Vaz concorda que o que afeta um rio é o próprio processo de urbanização. “Quando você urbaniza, você impermeabiliza o solo, então a água da chuva infiltra menos e escoa mais. Na estação seca não se tem praticamente água porque, como ela não infiltrou, não haverá água subterrânea aflorando para alimentar os cursos d’água”, explica.

Um rio perene de 1950, por exemplo, poderá se transformar em um curso d’água intermitente ou até efêmero em 2020. Hoje, temos um número menor na ilha de cursos d’água perenes devido à urbanização formal e informal.

Uma consequência para a cidade é o difícil controle da drenagem. “Quando se tinha áreas de brejo que acumulavam água e a seguravam antes que ela chegasse às regiões mais baixas, agora com qualquer chuva, a água escoa rapidamente porque não se tem mais vegetação, nem solo para infiltrar, então hoje chuvas de pequeno porte são suficientes para provocar alagamentos”, afirma.

A resposta é sim. De acordo com Márcio Vaz é possível recuperar a mata ciliar, a área brejosa – aqueles ambientes onde a água acumulava antes –, eliminando intervenções como barramento, represamentos, fazendo a limpeza do fundo dos rios. “Essa seria uma intervenção direta. Uma intervenção indireta será o saneamento básico, fazer com que a água que chegue aos rios e cursos d’água não seja poluída”, destaca.

A despoluição poderia ter um impacto positivo se o rio for transformado em área de lazer na opinião do cientista ambiental. “Não tem sentido fazer uma ciclovia, fazer uma área de contemplação, uma pequena lagoa, um pequeno açude, se tiver o esgoto puro; o saneamento básico comprometido inviabiliza o potencial de lazer dessas áreas”, ressalta.

Odilon mostra a importância do tratamento de esgoto para o aproveitamento de rios em situação degradável como Anil e Calhau. "No baixo curso destes rios ainda tem peixes e outros frutos do mar. Podem ser recuperados e aproveitados, mas isto só vai ocorrer com tratamento completo dos esgotos domésticos, cooperação e conscientização da população, coleta de lixo mais eficiente para diminuir a contribuição na drenagem urbana, explica.

A Companhia de Saneamento Ambiental do Maranhão (Caema) informou ao Imirante.com que trata todo o volume de esgoto que chega às suas Estações de Tratamento em operação, cujo resultado já corresponde a um aumento de 23% de esgoto tratado, desde de 2015.

"Por meio do Programa Mais Saneamento, a Caema vem implantando redes coletoras e interceptores de esgoto na capital – com 100 km já implantados - cuja obra segue em execução. A Companhia entregou a ETE Vinhais, uma das maiores das estações de tratamento de esgoto do Nordeste, e que atualmente já trata 40% do esgoto de São Luís. As obras da ETE Anil, que deverá ser entregue em breve, seguem em fase avançada. Além disso, o Mais Saneamento também trabalha na retirada de pontos de esgoto de rios, como acontece com o Calhau e Pimenta", diz a nota enviada pela assessoria de Comunicação.

Para Odilon Melo, "o percentual dos esgotos tratados em São Luís pela Companhia de Saneamento [Caema] ainda é baixo e tem tratamento apenas parcial".

"Ainda cheguei a frequentar sítios com rios de água cristalina, então nós tínhamos riachos, brejos, lagos que eram utilizados pela população. Isso não quer dizer que era um recurso de água significativo", relembra Márcio Vaz.

Esse mito do passado em relação à abundância precisa ser contextualizado, segundo ele. "Era abundante a disponibilidade de áreas de lazer e rios de água limpa para uma população pequena, mas nunca foi abundante para uma população de centenas de milhares", relata.

Márcio ressalta ainda que São Luís não tem uma população ribeirinha dentro da visão clássica, em que as pessoas vivem numa vila e pescam. "Os nossos grandes cursos d’água são todas braços de mar. Nós temos populações ribeirinhas de água salgada, pescadores de pesca artesanal. Então populações ribeirinhas originais vivendo da pesca e navegação é um cenário que nunca existiu em São Luís", conclui.

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