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Orçamento 2022 ignora fila de espera do INSS; custo pode ir a R$ 11 bi

Proposta do governo não prevê recursos para cerca de 1,8 milhão de processos que ainda aguardam resposta a pedidos de benefícios como aposentadoria; acordo fechado com o STF estipula prazos para acelerar processo de análise

Atualizada em 11/10/2022 às 12h15
Cerca de 1,8 milhão de pedidos aguardando uma resposta da Previdência Social em todo o país
Cerca de 1,8 milhão de pedidos aguardando uma resposta da Previdência Social em todo o país (Aposentadoria do INSS)

BRASÍLIA - O governo federal desconsiderou uma eventual redução da fila do INSS em suas projeções de despesas no Orçamento de 2022. Hoje, há cerca de 1,8 milhão de pedidos aguardando uma resposta do órgão. A proposta enviada ao Congresso tem zero espaço dentro do teto de gastos (regra que limita o avanço das despesas à variação da inflação) e uma imensa “lista de espera” de demandas por mais recursos, que inclui a correção adicional de benefícios devido à alta da inflação, com custo estimado em R$ 19 bilhões, a ampliação do Bolsa Família e emendas para abastecer redutos de parlamentares em ano eleitoral.

Simulações obtidas pelo Estadão/Broadcast apontam que a despesa adicional poderia chegar a R$ 11 bilhões no ano que vem, considerando o valor médio dos benefícios deferidos, uma concessão média de 50% e uma redução gradual da fila.

O governo tem um acordo com Supremo Tribunal Federal (STF), Ministério Público Federal e órgãos de controle para regularizar os prazos de análise dos pedidos de benefício. Por causa disso, técnicos avaliam que seria “prudente” considerar o desrepresamento da fila no Orçamento de 2022, o que não foi feito. Os ministérios envolvidos não fornecem nenhuma projeção oficial de despesa com a regularização dos pedidos.

Enquanto isso, brasileiros seguem na espera. Um deles é o do gerente de loja Joel Moraes Pessoa, de 57 anos, morador de Valparaíso de Goiás. Ele ingressou com o pedido de aposentadoria por tempo de contribuição em 2 de julho e até agora não teve resposta. Atingido pela suspensão de contrato durante a pandemia de covid-19, precisou trabalhar mais tempo que o inicialmente planejado para fechar os 35 anos de contribuição exigidos em lei e cumprir também os seis meses de “pedágio” devido à reforma da Previdência.

“Não consigo entender por que essa demora toda. A gente tem o direito de se aposentar. Tenho amigos que estão esperando há seis meses”, afirma. Pessoa espera o resultado da análise para sair do emprego, em Brasília, e mudar definitivamente para uma chácara que comprou no interior do Piauí, onde vive a família da esposa. “Sonho em produzir o que vamos comer, mas a realização desse sonho está atrasada”, diz.

O requerimento de Sebastião Rolim, de 63 anos, de Ubatuba (SP), vem de mais tempo. Deficiente visual e de baixa renda, ele pediu acesso ao Benefício de Prestação Continuada (BPC) em 22 de maio deste ano. Passou pela avaliação social em agosto e por perícia médica no fim de setembro, mas até agora não teve resposta. O benefício, que seria de um salário mínimo (R$ 1,1 mil), faz falta. Sem renda alguma, ele recebe ajuda de amigos, vizinhos e familiares para comer e pagar contas. “Hoje mesmo uma vizinha me deu dois quilos de feijão e um pacote de carne seca”, conta.

Sebastião teve uma hemorragia no olho esquerdo e precisava fazer uma cirurgia dentro de dois meses. Mesmo que vendesse o carro, o dinheiro não seria suficiente para bancar o procedimento particular. Na rede pública, só conseguiu ser operado dali quatro meses. Acabou perdendo a visão. Com o olho direito, ele só enxerga 40%. Mesmo deficiente visual, tentou fazer bicos como pedreiro, mas acabava exposto a riscos. Certa vez, caminhando sozinho na rua, caiu em um bueiro e levou duas semanas para se recuperar dos machucados. Agora, com um problema na próstata, foi proibido por médicos de carregar peso, o que inviabilizou qualquer fonte eventual de renda.

INSS com capacidade reduzida

Em conversas reservadas, técnicos negam que haja uma orientação deliberada para segurar as concessões de benefícios do INSS e, assim, conter artificialmente as despesas do governo. Para sustentar esse argumento, elencam restrições operacionais do órgão, que teve sua capacidade de análise reduzida com o fim da vigência de uma medida provisória que autorizava pagar um bônus aos servidores por análise extra de pedidos atrasados. Apenas esse bônus garantiria uma análise adicional de 150 mil requerimentos ao mês. A pandemia também elevou a demanda por benefícios assistenciais e auxílios-doença, jogando contra a tentativa de regularização. O próprio acordo judicial também torna mais custoso ter uma fila de requerimentos, pois o governo passou a pagar juros sobre os valores.

Algumas das pessoas ouvidas, porém, usaram a palavra “conveniência” para definir a situação da fila sob um governo que acumula promessas e tem pouco espaço no Orçamento para cumpri-las. Elas também admitem, sob condição de anonimato, que há certa “politização” das projeções de gastos com a Previdência, com tentativas de diferentes atores de “forçar a barra para baixo” e, assim, liberar espaço a outros gastos. Sob essa ótica, resolver a fila não seria interessante, pois eleva as despesas.

“Às vezes a eficiência ‘atrapalha’. É o caso dos precatórios (dívidas judiciais que saltaram a R$ 89 bilhões em 2022). A Justiça se tornou mais ágil e apareceram mais precatórios para pagar. Se o INSS se torna mais ágil, aparece mais despesa para pagar e incomoda todo mundo”, afirma o economista Marcos Mendes, pesquisador do Insper e ex-chefe da Assessoria Especial do Ministério da Fazenda. Mendes tem notado certa “subestimação” nas despesas com Previdência para 2022 – o que ajudou o governo a apresentar um Orçamento respeitando o teto de gastos, a regra que limita o crescimento das despesas à inflação.

“A Previdência é o maior item de despesa. Qualquer 10% para lá, 10% para cá, você consegue ou incluir outras despesas, ou apresentar um Orçamento respeitando o teto”, diz Mendes. Para o economista, o desenho da PEC dos precatórios, que permite ao governo negociar parte dessas dívidas com pagamentos fora do teto, pode levar a um uso mais direcionado da fila para reduzir despesas. “Vai postergando, postergando, e as pessoas que recorrem à Justiça recebem via precatório, que agora pode ficar fora do teto. Podem usar o acúmulo da fila como forma de diminuir o desembolso de caixa da Previdência”, alerta.

A reportagem solicitou ao Ministério do Trabalho e Previdência, em 27 de setembro, as projeções oficiais de redução da fila, mas não recebeu nenhum dado. Quatro dias depois, a pasta enviou uma nota em que reconhece que a redução da fila não está incluída nas projeções de despesas da Previdência.

“O INSS tem adotado uma série de medidas de gestão visando o desrepresamento de requerimentos de benefícios. A Secretaria de Previdência tem buscado acompanhar e apoiar essas medidas. No que se refere às projeções de despesas do Regime Geral da Previdência Social, o modelo considera o histórico recente das concessões. Eventuais ajustes decorrentes da evolução do desrepresamento são captados nas revisões bimestrais”, diz o comunicado. INSS e Ministério da Economia não responderam até a publicação.

Cálculos

A reportagem teve acesso a um relatório detalhado dos requerimentos à espera de análise no INSS, solicitado pelo Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP) por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI). O estoque de pedidos ao fim de julho de 2021 era de 1,844 milhão, sendo a maior parte (574,6 mil) de BPC à pessoa com deficiência, cuja concessão depende de avaliação social e perícia médica. Os requerimentos de benefícios previdenciários, por sua vez, somam 1,15 milhão. O quadro da fila pouco mudou desde então.

A reportagem cruzou os dados com o valor médio de cada tipo de benefício concedido em julho de 2021, informação que é pública. Esses valores foram atualizados para 2022 por uma inflação de 8,4%, mesma variação considerada pelo governo em suas projeções recentes. A partir daí, o estoque de pedidos de cada benefício foi multiplicado por essa média atualizada.

Foram considerados ainda dois fatores de ajuste: concessão de 50% dos requerimentos (um índice aproximado do que o INSS costuma verificar na prática) e um desrepresamento gradual, com “zeragem” da fila apenas em maio de 2022. Nesse cenário, a fatura extra para o ano que vem seria de R$ 7,255 bilhões com benefícios do Regime Geral da Previdência Social, que inclui aposentadorias, pensões e auxílios, e outros R$ 4,131 bilhões com benefícios assistenciais, como o BPC.

Os valores consideram apenas o que seria o fluxo mensal de despesas referentes a esses requerimentos e não levam em conta eventuais pagamentos “atrasados”, devidos pelo INSS quando o segurado tinha direito ao benefício, mas ficou sem receber por causa da demora na análise. O valor é calculado a partir da data do pedido. Desde 10 de julho, o INSS também paga juros caso a demora seja superior aos prazos estipulados no acordo.

Como está a fila no INSS?

- Pessoas na fila de requerimentos (agosto/2021): 1.828.557
- Aguardando ação do INSS: 1.407.561
- Aguardando ação do segurado: 420.996
- Despesa previdenciária prevista para 2022: R$ 765,57 bilhões*

* Com base no Projeto de Lei Orçamentária Anual, elaborado quando projeção de reajuste do salário mínimo era de 6,2%. Hoje, governo prevê alta de 8,7%. Fontes: Boletim Estatístico da Previdência Social (BEPS) e Ministério da Economia

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