Importação

Anvisa aprova com ressalvas uso emergencial da vacina Sputnik V

Discussão sobre a admissibilidade do imunizante para uso no território nacional durou mais de 5 horas e apontou inconsistências em documentos enviados por laboratório; mesmo assim houve aprovação

Atualizada em 11/10/2022 às 12h16
(Sputnik V )

BRASÍLIA - A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou com ressalvas, em reunião que durou mais de 5 horas, o uso emergencial da vacina russa Sputnik V. O colegiado de gestores da agência também aprovou a importação da vacina indiana Covaxin.

Com a autorização o país poderá adquirir já num primeiro momento, 76,3 milhões de doses da Sputnik V. São 10 milhões para o Ministério da Saúde; 37 milhões para o Consórcio Nordeste; 28 milhões para o Consórcio Brasil; 800 mil doses para a cidade de Niterói (RJ) e 500 mil doses para a cidade de Maricá (RJ).

Do total de doses adquiridos pelo Consórcio Nordeste, 4,5 milhões serão compradas pelo Maranhão, que já tem um pré-contrato assinado com o instituto russo.

Já em relação à Covaxin, já há interesse do Governo Federal em adquirir cerca de 20 milhões de doses do imunizante num primeiro momento.

O diretor da Alex Machado Campos, relator dos pedidos de autorização para importação das vacinas Sputnik V e Covaxin contra a covid-19, foi o primeiro a se manifestar. Ele votou favoravelmente aos pleitos, mas impôs uma série de condicionantes para a compra e uso dos imunizantes no país.

"Cada passo nosso tem sido medido pelo desafio permanente se os benefícios das decisões são maiores que os riscos da solução que estamos analisando", disse Alex Campos no início da leitura do seu parecer. O diretor seguiu as recomendações apresentadas pelas áreas técnicas do órgão regulador com relação aos dois imunizantes e impôs uma série de condicionantes dadas as "lacunas de informações" sobre as vacinas ainda existentes.

Durante seu voto, Campos destacou os aspectos que já tinham sido alvo de questionamento pela Anvisa na análise de pedidos anteriores de importação dos dois imunizantes e destacou que eles foram cumpridos pelas empresas fabricantes. No caso da Covaxin, ele destacou que o aspecto central das Boas Práticas de Fabricação foi "completamente vencido". Com relação à Sputnik V, o diretor ressaltou que foi enviado o relatório técnico da vacina apresentado pela autoridade russa e destacou que o próprio Fórum de Governadores entregou à Anvisa um conjunto de propostas de condicionantes que podem ser admitidas no caso da Sputnik V.

"Ampliar a imunização é a maneira mais eficiente (de enfrentamento da pandemia). O momento é de crise sanitária sem precedentes", afirmou. "Sabemos que ainda existem lacunas de informações sobre as vacinas. Mas precisamos enxergar o dramático quadro sanitário que estamos vivendo", completou.

Entre as condicionantes para as duas vacinas, expressas no voto do relator, há a recomendação para uso tanto da Sputnik V quanto Covaxin em adultos de 18 a 60 anos. No caso da Covaxin, há ainda a ressalva para que ela seja administrada apenas em adultos saudáveis. Além disso, há uma lista de outras condicionantes, como condução de estudo de efetividade; bulas em português inclusive com as restrições adotadas no voto; que os lotes importados sejam aprovados por laboratórios certificados; que a importação seja precedida de termo de compromisso a ser celebrado com a Anvisa; implantação de programa de monitoramento de eventos adversos; entre outros.

Os dois pedidos em análise hoje pela Anvisa são de importação de doses da Covaxin pelo Ministério da Saúde e de doses da Sputnik V pelos Estados (Bahia, Maranhão, Sergipe, Ceará, Pernambuco e Piauí). O voto do relator foi pela aprovação da importação de um quantitativo reduzido para que possa ser monitorada a qualidade e eficácia dos imunizantes.

Em março deste ano, a Anvisa rejeitou a solicitação do Ministério da Saúde para autorização excepcional e temporária para importação e distribuição da vacina Covaxin (BBV152).

Na época, a direção da Anvisa informou que os dados apresentados não cumpriam os requisitos de lei para atestar a qualidade e eficácia da vacina indiana. O Ministério da Saúde tem contrato para compra do imunizante, produzido pela Bharat Biotech, da Índia.

Já o imunizante russo Sputnik V teve a importação negada em abril pela Anvisa por falta de dados básicos para análise do produto e em falhas identificadas pela área técnica da agência que poderiam comprometer eficácia, segurança e qualidade do imunizante.

Histórico da Sputnik V

A pressão sobre a Anvisa para uma autorização para importação excepcional da Sputnik se apoiou na lei 14.124/2021. A norma prevê que Estados e municípios podem importar e utilizar vacinas em caráter excepcional contanto que o imunizante tenha recebido aprovação dos órgãos regulatórios de um dos seguintes países/regiões: EUA, União Europeia, Japão, China, Reino Unido, Rússia, Índia, Coreia, Canadá, Austrália e Argentina.

Pela norma, a Anvisa tem 30 dias para se posicionar sobre a importação. Caso não o faça, a autorização é automática.

A partir de um pedido do governo do Maranhão para importação de doses, o ministro Ricardo Lewandowski, do STF, confirmou esse prazo de 30 dias, que venceria no final de abril. A Anvisa chegou a entrar com recurso dia 20 de abril, pedindo a suspensão do prazo sob a alegação de que faltam dados que atestem a segurança e eficácia do imunizante, mas Lewandovski negou o pedido.

Na avaliação do ministro, não cabia prorrogação, uma vez que a lei em questão foi desenhada justamente para acelerar os procedimentos de aprovação das vacinas no contexto da "gravíssima" pandemia.

A pressão sobre a Anvisa pela aprovação do imunizante foi intensa também por parte do Congresso. Em fevereiro, o líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), afirmou ao jornal O Estado de S. Paulo que iria "enquadrar" a Anvisa, numa declaração que foi entendida por integrantes da agência como pressão política no órgão técnico.

No mesmo dia, o Congresso chegou a aprovar projeto de lei para que a agência autorizasse, em cinco dias, o uso emergencial de vacinas já aprovadas em outros países, como Rússia e Argentina. O trecho que estabelecia o prazo foi vetado pelo presidente da República, Jair Bolsonaro.

O lobby no Congresso teve como um dos líderes o ex-deputado federal Rogério Rosso, ex-líder do Centrão na Câmara que se tornou em 2019 diretor de negócios da farmacêutica União Química, parceira do governo russo na produção do imunizante no Brasil.

Apesar da pressão, a Sputnik vem despertando desconfiança e insegurança em outras agências regulatórias. Na segunda-feira, a chanceler da Alemanha, Angela Merkel, declarou que a Agência Europeia de Medicamentos (EMA) ainda não recebeu dados suficientes dos estudos da vacina que permitam uma aprovação do produto no continente.

Histórico da Covaxin

O governo federal comprou 20 milhões de doses da Covaxin, por cerca de US$ 14 cada unidade. No total, o negócio é de R$ 1,6 bilhão, mas o pagamento só será feito após a Anvisa liberar o uso do produto, segundo a Saúde. Trata-se de valor superior ao de cada dose da vacina de Oxford/AstraZeneca, fabricada na Índia (US$ 5,25 por unidade), e os US$ 10 pagos pela Coronavac.

A exectativa do ministério era de que 8 milhões de unidades desembarcassem no País ainda em março. No mês seguinte, o mesmo volume.

Em maio, outras 4 milhões de doses. Na época, a Anvisa afirmou que os lotes já feitos desta vacina poderiam estar comprometidos, pois "não teriam a garantia de reprodutibilidade com os lotes clínicos e da segurança do produto".

Em fevereiro, o deputado Ricardo Barros também apresentou emenda à Medida Provisória 1.026/2021 para que a Anvisa liberasse imunizantes aprovados na Índia, ação que facilitava a entrada da Covaxin.

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