Sem Carnaval

Rei Momo não perde a coroa, mas fica sem reinado até o próximo ano

Chave da cidade, símbolo da abertura oficial da folia, continua guardada à espera da festa no ano que vem

Atualizada em 11/10/2022 às 12h17
Corte momesca na abertura do Carnaval de 2020
Corte momesca na abertura do Carnaval de 2020 (Rei Momo)

RIO - Num ano atípico, sem os desfiles oficiais das escolas de samba e dos blocos, por conta da pandemia do novo coronavírus, o Rei Momo não perde a coroa, mas fica sem reinado. Djeferson Mendes da Silva, de 33 anos, o último monarca, eleito para a folia de 2020, contou que essa semana procurou a Riotur e foi informado que ele continua com a coroa e a faixa até poder passá-las para o sucessor, quando houver uma nova eleição.

Como a possibilidade de não ter carnaval nunca havia sido cogitada antes, no regulamento do concurso que escolhe a corte momesca não existe nenhum artigo prevendo o que acontece nesses casos. A entrega da chave da cidade ao monarca da folia, abrindo oficialmente a festa e que costumava acontecer sempre na sexta-feira que antecede o início do carnaval, é outra tradição que será quebrada esse ano. Mas, Djeferson garante que não perde a majestade:

"Cara, é difícil isso. Sou um rei sem a folia, sem carnaval, sem o espetáculo. Mas o rei nunca perde a majestade e a ordem do rei sempre é sambar. Então continuo me sentindo um rei em casa, curtindo o carnaval como posso, porque ele está dentro de nós — disse o monarca que, pelo regulamento atual, não pode disputar novamente a coroa.

Segundo Djeferson, ao ganhar a eleição a corte momesca assina um contrato com a prefeitura garantindo exclusividade por três meses, para cumprir as agendas oficiais da Riotur, mas o mandato é de um ano, podendo ser chamado nesse período para outros compromissos oficiais, entre eles viagens representando o carnaval do Rio. Como as medidas de restrições foram adotadas logo depois do desfile passado, suas atividades praticamente se resumiram ao período da folia e ao que a antecedeu. Mas, Djeferson não lamenta:

"Para que a gente venha a ter um carnaval forte de novo, todos nós temos de ter consciência do que estamos fazendo. Primeiro agradeço por estar vivo. O vírus veio e levou tanta gente, tantos amigos, tanta gente de escolas de samba. Mas o que importa é a vida. Para mim não ter o carnaval é muito triste, mas estou muito feliz porque em 2022 vamos dar a volta por cima e poder pisar na Sapucaí de novo", acredita.

A Rainha de Carnaval Camila Silva, de 34 anos, aproveitou o período sem desfiles e foi para São Paulo, cuidar da mãe. Embora consciente da necessidade de as pessoas se cuidarem para vencer o coronavírus, ela diz que se sente triste, já que a folia faz parte de sua vida praticamente desde a infância. Camila disse ter sido procurada pelo coordenador da corte momesca informando que ela permanecia na função.

"Nunca imaginei isso na minha vida, de não ter carnaval. Já me imaginei fora dos desfiles (por outras razões). Está sendo muito difícil e triste", lamentou.

Marco Lima, o Marquinhos Riotur, coordernador e produtor da corte momesca, confirmou que rei, rainha e princesas de carnaval seguem com coroa e faixas, enquanto não puderem passá-las para os sucessores. Mas fez questão de esclarecer que eles representam a corte de 2020 e não de 2021, porque não teve nova escolha. " Enquanto não tivermos escolhido outra corte, eles não perdem o título", explicou.

A Riotur confirmou que a corte segue sendo a mesma. Ainda segundo o órgão, o concurso que elege rei, rainha e princesas do carnaval acontece sempre antes das finais de samba-enredo e o reinado vai oficialmente até o desfile das campeãs. A corte é remunerada apenas com o prêmio do concurso, que nos casos do rei e da rainha é de R$ 30 mil. Primeira e segunda princesa levam R$ 22.500.

Chave da cidade guardada

Enquanto isso, a chave da cidade que há um ano não deixa a casa de Cristina Candonga, de 63 anos, segue muito bem guardada no endereço dela em Vila Isabel, onde deverá permanecer por, pelo menos, mais um ano. A aposentada é filha do baiano José Geraldo de Jesus, que se tornou o guardião das chaves nos anos 1970. Ele morreu em 1997 e a responsabilidade foi passada para sua filha mais velha, que deve passar os dias oficiais de carnaval em Maricá.

"Essa tradição começou há muitos anos. Meu pai trabalhava na Riotur e todo ano quando iam procurar a chave não sabiam onde ela estava. Então, ele falou: “agora a chave vai ficar comigo, vou ser o guardião dela”. Aí ele pediu para confeccionar exatamente essa que está comigo e assim foi feito", contou.

A chave é feita de madeira e enfeitada com lantejoulas. Durante a cerimônia simbólica que abre oficialmente a folia ela é passada para o prefeito, que a repassa ao Rei Momo e este dá por iniciada a festa. Terminado o evento, o artefato é devolvido à família de Candonga e volta a ser pendurada na sala da casa da filha do antigo guardião, onde está encapada para não pegar poeira. Cristina garante que ainda é a mesma feita por seu pai.

Embora a cerimônia simbólica nunca tenha sido interrompida, nos últimos quatro anos em que Marcelo Crivella esteve no comando da prefeitura, em nenhum momento ele recebeu a chave passando sempre essa missão para seus colaboradores próximos, como o ex-presidente da Riotur Marcelo Alves e a ex-secretária de Cultura Nilcemar Nogueira. Depois de dar bolo na cerimônia, em 2017, primeiro ano de seu mandato, em 2018 Crivella, que é pastor licenciado da Igreja Universal, chegou a participar do ato, até posou para fotos abraçado ao Rei Momo, mas evitou tocar no símbolo da abertura da folia.

A esperança da filha de Candonga, que evita falar desse período anterior, era de que a solenidade voltaria a ter o brilho do passado, com o retorno ao governo municipal de Eduardo Paes, notório amante do samba e do carnaval. Mas, a pandemia e o atraso no cronograma de vacinação levou o prefeito a suspender os desfiles que já havia sido adiados para julho.

"Além de ser do carnaval (Eduardo Paes) é nosso amigo, gente boa e sempre nos apoiou.Estamos totalmente felizes com a atitude dele (de suspender o carnaval) e estamos com ele", garantiu Cristina que, embora com o coração partido, considera que o momento é de cuidar da saúde e esperar a vacina, para aproveitar melhor a folia depois .

Anjos da guarda dos sambistas

Além de manter a tradição de guardar a chave da cidade, Crisina junto com os irmãos Maurício e Sérgio, ajudados por filhos, netos e agregados, também atuam há anos como espécie de anjos da guarda dos integrantes das baterias e de sambistas que evoluem no Sambódromo. São eles que, voluntariamente, distribuem água para componentes que, no limite das forças, chegam quase desidratados ao recuo da bateria, entre os setores 9 e 11.

As garrafas ficam armazenadas numa Caravan laranja, único carro de passeio que tem permissão para entrar e ficar estacionado na Sapucaí, nos dias de desfiles. Além da água mineral, o veículo também guarda litros do famoso “cravinho”, uma bebida feita à base de ervas cuja fórmula secreta passa de geração para geração e tem a função de servir como um revigorante para as noites insones na Sapucaí.

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