Dia da Consciência Negra

"Estatuto da Igualdade Racial é a cereja do bolo ", afirma secretário

Secretário fala sobre o Dia da Consciência Negra, comemorado hoje, 20, e comenta sobre o cenário da população negra e parda do Maranhão

Bárbara Lauria / Equipe O Estado

Atualizada em 11/10/2022 às 12h18
Gerson Pinheiro diz que é preciso respeitar as diferenças e aprofundar na busca de conhecimentos
Gerson Pinheiro diz que é preciso respeitar as diferenças e aprofundar na busca de conhecimentos (Gerson Pinheiro)

Hoje, 20 de novembro, é comemorado o Dia da Consciência Negra. Uma data que ganhou força nos últimos anos e que retrata a luta da população negra por direitos. Segundo o IBGE, a população negra do Maranhão, que são pardos e pretos, soma 72,6% da população do estado. Isso significa em mais de 5 milhões de pessoas, ou seja, 3/4 da população maranhense é de negros. O Estado traz uma entrevista com o secretário de Igualdade Racial, Gerson Pinheiro, que fala sobre o Dia da Consciência Negra e comenta sobre o cenário da população negra e parda do Maranhão.

Eu diria que a busca da igualdade é o reconhecimento da diferença e o respeito a elasGerson Pinheiro, secretario da igualdade racial


Estamos na Semana da Consciência Negra, qual a programação da Secretária para comemorar esta data?

Nós temos uma programação que foi iniciada no dia 17 e vai até o dia 20. Essa programação é composta de lives, cursos e rituais, pois esse ano, com a pandemia, a gente não pode fazer os grandes encontros que a gente faz todos os anos. No dia 20, começa pela manhã com a entrega, pelo Governo do Estado, do memorial ao Terreiro do Egito, instalado no bairro do Cajueiro, que é muito importante para as comunidades de matriz africana do Maranhão. Ali é a origem de uma área da religiosidade de matriz africana. Depois nós teremos a entrega, também pelo governador, do Museu do Negro recuperado. Nós teremos também, pela Secretaria de Educação, a entrega dos parâmetros curriculares da educação quilombola do Maranhão que nós temos feito até hoje a educação quilombola. E nós teremos, o que eu digo que é a cereja do bolo, o envio pelo governador, para a Assembleia Legislativa, do projeto de lei que cria o Estatuto da Igualdade Racial do Maranhão.

No início do ano, em fevereiro, líderes de religiões de matriz africana se encontraram com a Defensoria Pública para a assinatura de uma minuta para proteger as religiões da matriz africana, pois nos últimos anos ocorreram vários ataques a esses grupos religiosos aqui no Maranhão. O senhor pode falar sobre os projetos da Secretaria de Igualdade Racial para proteger essa população?

Na Secretária de Igualdade Racial nós temos um programa que trata justamente da proteção aos Povos e Comunidades de Matriz Africana, e dentro desse programa nós temos um acompanhamento dos terreiros de matriz africana, na verdade das mães. Tem o programa “Mães da Ilha”, feita pela nossa secretaria e Secretaria da Mulher que contempla as casas de matriz africana dirigidas por mulheres. Esse programa leva atendimento às mulheres e a todas as famílias que participam ali. Nós tivemos também encontros, cursos formativos sobre os direitos a religião, busca a igualdade, o respeito às diferenças dentro da religiosidade brasileira e o direito do cidadão de professar sua religião. Então, essas questões todas nós tratamos em encontros e seminários. Nossos técnicos vão às casas de matriz africana. Nós iniciamos um mapeamento dessas casas. Agora no período da Covid -19, nós tivemos uma tarefa especial voltada para elas junto a Força Estadual de Saúde. Essa tarefa foi realizada tanto na Ilha quanto no continente. Nós também temos essa questão do Terreiro do Egito, que na verdade joga luzes de que existe uma religiosidade que passa a ser protegida. E na questão da proteção, o Governo do Estado criou a Delegacia de Combate aos Crimes de racismo aos Delitos de Intolerância Religiosa e conflitos agrários.

Conflitos Agrários, porque nós temos 842 comunidades quilombolas no Maranhão, o estado com maior quantidade de quilombos reconhecidos pelo governo federal quilombola, que é a Fundação Cultural Palmares. E foi também um trabalho que a secretaria vem fazendo desde 2015. Em 2015 nós tínhamos 513 comunidades e nesses poucos anos atingimos a essa quantidade. Um outro programa nosso trata justamente dos quilombos, que é o programa Maranhão quilombola, coordenado pela Secretaria de Igualdade Racial que congrega vários órgãos de Estado e, a partir desse programa, nós estamos fazendo a regularização fundiária, como eu falei no início.

Nós vamos entregar também no dia 20 de novembro o título de propriedade à comunidade de Santo Antônio dos Pretos, que fica na cidade serrana, já a partir desse programa de regularização fundiária que já falei anteriormente. Foi também a partir desse programa que nós conseguimos o título de Quilombo do território da Grande Liberdade, que pega os bairros da Liberdade, Fé em Deus, Camboa, parte da Alemanha e parcela do Monte Castelo. Essa região hoje é reconhecida como um Quilombo urbano pelo governo federal a partir do trabalho que foi feito aqui dentro da comunidade.

Quando olhamos o Atlas da Violência e outros mapeamentos sobre violência, nós percebemos que a comunidade negra é a que mais sofre violência no Brasil, principalmente a mulher negra. O senhor pode falar um pouco sobre esse cenário no Maranhão?

O Maranhão é um dos estados com mais negros do país. Segundo o IBGE, a população negra do Maranhão, que são pardos e pretos, soma 72,6% da população do estado. Isso significa em mais de 5 milhões de pessoas, ou seja, 3/4 da população maranhense é de negros, e essa é a camada como nós falamos anteriormente, de menor poder aquisitivo por conta da estrutura do Estado que não permitiu que ela desenvolvesse, que fosse incluída na economia do Estado, logo ela está mais sujeita a essa pressão social. Então, a violência é muito grande, além de uma violência que vem também institucionalizada, que é aquela que já tá arraigada na cultura do povo brasileiro. É a mulher negra que vira objeto do patrão, era do escravocrata e passa a ser depois do patrão, de quem tem poder acima dela, do chefe. A necessidade que tem essa mulher negra de ir ao mercado de trabalho, e um mercado de trabalho precarizado para poder sustentar a família, termina sendo repassado para as filhas. Se a filha não pode ser acompanhada pela mãe, não pode ser criada da forma que são as filhas das pessoas que têm melhores condições financeiras; então ela tende a sofrer as consequências da criação e, eu diria, repetir aquele modelo. Então acaba na discriminação muito grande sobre a população negra em especial as mulheres.

Na sua opinião, o senhor acha que tem algum ponto que seja crucial para poder começar a mudar este cenário? Talvez a educação de jovens em escolas sobre a cultura negra e a história da matriz africana, ou investimento na cultura popular. Têm algo que o senhor pense ser mais importante para começarmos essa mudança?

Nós que estamos em São Luís, essa belíssima cidade, foi construída pela força, pelo sangue e pelo suor da população negra. Então a partir da visibilidade você reconhecer que existe, que é um cidadão detentor de direitos, e que o Estado precisa ampliar o fornecimento dos instrumentais para você poder gozar desses direitos.Gerson Pinheiro, secretario da igualdade racial

O ponto principal é a visibilidade. Existe uma população negra no Maranhão, uma população negra que tem seus direitos. Então primeiro é preciso isso, é preciso a gente saber que essa população ajudou a construir o estado que temos hoje. Nós que estamos em São Luís, essa belíssima cidade, foi construída pela força, pelo sangue e pelo suor da população negra. Então a partir da visibilidade você reconhecer que existe, que é um cidadão detentor de direitos, e que o Estado precisa ampliar o fornecimento dos instrumentais para você poder gozar desses direitos. E aí como você colocou já na pergunta, a questão da educação.

A lei 10.639, que determina que seja tratada nas escolas a questão da cultura e da história da áfrica e dos afrodescendentes brasileiros, vem sendo aplicada, mas ela pode ser melhor aplicada. E é essa ação que nós estamos tomando agora com a entrega dos parâmetros curriculares. Eles vão dizer como é que essa educação deve ser feita.

Falei também sobre o respeito à religiosidade dessa população, que é uma forma de você resgatar esses direitos. Nós temos um outro campo também que se trabalha com a questão do tratamento da saúde dessa população. Hoje o Maranhão tem uma legislação para Saúde Integral da População Negra. Uma cartilha que foi lançada como legislação, e que vem sendo trabalhada nessas comunidades, pois também é diferenciada pelo conjunto de doenças da população negra em relação a outras etnias. São doenças como hipertensão arterial, diabetes e anemia falciforme que são mais prevalentes na população negra.

Então é isso, é reconhecer essas diferenças. Eu diria que a busca da igualdade é o reconhecimento da diferença e o respeito a elas. Então acho que se você faz isso, você visibiliza, você respeita as diferenças e aplica políticas afirmativas que resgatem esses direitos, porque como diz Karl Marx, o negro é só um negro, ele não é um escravo, é preciso que as condições o transformem em um escravo, e trazendo para hoje, se a população negra tiver o tratamento correto, ela vai poder se desenvolver na sociedade como qualquer outro cidadão de outra etnia.

O senhor acha que após esses episódios recentes, como o do menino Miguel e o movimento Black Lives Metters, trouxe uma visibilidade para os problemas raciais?

Sim, trouxe visibilidade, e eu creio que visibilidade global. Mas no caso do Maranhão, no caso do Brasil, tivemos várias personalidades, cientistas negros, que tinham pouco espaço na mídia e passaram agora a participar de programa das grandes redes de televisão, dos grandes jornais. A gente viu que a própria mídia colocou essas personalidades e que ela serve de exemplo. É importante também tenhamos secretários negros nos governos, que vão à televisão, a um jornal ou revista, para que sirva de referência, porque, por exemplo, no meu caso, é um negro que se criou na comunidade, no interior do estado do Maranhão. Sempre estudei em escola pública e soube que com toda dificuldade, ainda assim não é impossível. É difícil. Há muitas barreiras, mas é possível.

Secretário, que mensagem o senhor gostaria de deixar para a população no dia da Consciência Negra?

A população deve ter o dia 20 de novembro como um dia de combate ao racismo, o Dia da Consciência Negra, e procurar se aprofundar sobre a motivação dessa data, que é justamente o dia que marca o assassinato de Zumbi dos Palmares, assassinato feito por bandeirantes, e a exposição dos restos mortais dele em praça pública para impedir que a população negra se mobilizasse e que construísse quilombos, que resistissem. Então é utilizado todo esse conjunto de exemplos, não para fazer um dia simplesmente festivo, mas um dia de reflexão, um dia que a gente aprofunde na busca desses conhecimentos. Então é respeitar essas diferenças e aproveitar os conhecimentos de cada um dessas etnias. Esse deve ser o caminho para a gente construir o que nós queremos, que é um Maranhão melhor, um Brasil melhor.

Quilombos urbanos

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