História de São Luís

Fabril é o nascedouro do futebol na capital

A partir das competições no Estádio Santa Isabel, a Fabril ofereceu à população, as primeiras agremiações da capital ligadas ao esporte mais famoso do mundo

Thiago Bastos / O Estado

Atualizada em 11/10/2022 às 12h18

[e-s001]São Luís - Em seu artigo intitulado “A Velha Fábrica ainda pede socorro”, o escritor Ivan Sarney se refere às velhas fábricas de São Luís, que integravam o parque fabril da cidade. Ele relembra no texto, com tom saudoso, as unidades desta estrutura. São elas: Rio Anil, Camboa, Fabril, Santa Isabel, Cânhamo e São Luís.

Tratando em específico da estrutura da Santa Isabel, além de fomentador da economia local e um “salva-guarda” para uma São Luís que sangrava financeiramente, assim como outros territórios no país diante da transição entre a economia agroexportadora - defasada e sem mercado consumidor aparente - e a industrial (com linhas de produção mais elaboradas), a construção também ajuda a explicar a formação do mapa urbano da região central da capital.

Além de Nhozinho Santos - que dentre inovações também trouxe o futebol para a capital, os Aboud foram fundamentais para a consolidação do específico parque têxtil. Andando pelas cercanias do Canto da Fabril, O Estado ainda encontrou histórias de remanescentes daquele período histórico.

A importância dos Aboud sob o ponto de vista da própria família
O valor dado aos Aboud para a consolidação da Fábrica Santa Isabel, instalada no Centro, é de praxe. No entanto, é imprescindível entender cada passo dado por eles até residirem ao lado da estrutura têxtil. Uma das filhas de César Aboud, Ana Maria Malty Aboud, nos traz um relato histórico e único para os registros jornalísticos da cidade. Seu César casou-se com dona Ruth Aboud (de origem sulista e com ligação étnica com as tradições alemãs) com quem constituiu família e consolidou-se como um dos nomes fortes da sociedade ludovicense e do Maranhão como um todo.

Na década de 1930, César (com o auxílio fundamental de Eduardo e Alexandre Aboud e outros nomes) marca terreno no segmento empresarial. “Meu pai foi um inovador, sem dúvida. Foi além do seu tempo, trouxe novidades e revigorou o parque têxtil da cidade”, afirmou. Ela conta que a família passou a se estabelecer nas instalações do famoso chalé. “Tenho lembranças daquele tempo, quando brincávamos no local e, enquanto isso, meu pai conduzia com outros auxílios fundamentais a Fábrica. Era um chalé bem ornamentado, com grandes detalhes que valorizavam a construção”, frisou.

Anos mais tarde, após assumir o controle da fábrica, os Aboud - em especial César - foi orientado para seguir outros projetos. “Por um período, nossa família residiu no Rio [de Janeiro]. Após dificuldades, meu pai voltou a gerenciar a fábrica, até o seu desligamento total”, disse Maria Aboud.

A herdeira cita o fato de que, com dívidas, César Aboud e outros colaboradores não conseguiram reerguer a estrutura têxtil que, considerada dispendiosa, passou a gerar mais ônus do que lucro. Com isso, em meados da década de 1970, a família Aboud se desligou da administração do parque têxtil. Mas a importância dos Aboud vai além do segmento industrial.

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A participação esportiva dos Aboud e o berço do futebol na Fabril
No início do século XIX, ainda por intermédio de Nhozinho Santos, a Fabril - que buscava consolidação no mercado de produção têxtil, recebeu o primeiro espaço do então esporte desconhecido futebol na cidade. Construído em 1906 pelos então donos da Fábrica Santa Isabel, o estádio de mesmo nome - e que em alguns registros históricos aparece com o nome de Santa Izabel (com Z) recebeu duelos das equipes mais antigas do estado. Sua localização era apenas há alguns metros do chalé.

O espaço inicialmente recebeu a alcunha de “Campo do FAC”, em alusão à sigla do Fabril Athletic Club, considerado o primeiro clube de futebol do Maranhão, idealizado por Nhozinho Santos. Além do FAC, outras importantes marcas futebolísticas, como Flamengo, Bahia, Santa Cruz e Paysandu desafiaram os times locais em duelos interessantes.

Com a passagem do polo de Nhozinho para os Aboud, o local passa a ser conhecido como o “Campo do Moto”. Era o início da história do “Papão do Norte”, um dos clubes mais conhecidos e de maior torcida atual no Estado e que recentemente completou 83 anos de fundação. De acordo com pesquisa de Hugo Saraiva, educador físico e sedento interessado pela história dos clubes maranhenses, o Moto Club de São Luís foi fundado na Rua da Paz, na antiga residência de César Aboud (usada antes da mudança do membro da família para o chalé famoso na Rua Senador João Pedro, na Fabril).

O clube surge como “Ciclo-Moto” e suas primeiras aparições estão ligadas diretamente à Fabril que, no período de fundação da agremiação, estava mais forte. Em 1939, mais precisamente no dia 13 de setembro, o time estreou no futebol contra o Ateneu usando as cores verde e branca. Apenas mais tarde, por influência do então presidente do clube, César Aboud, o Moto passou a utilizar as cores vermelha e preta.

O Moto passa a participar das competições locais, a partir dos primeiros contatos diretos com clubes de outros estados. Com um estádio próprio consegue o seu primeiro título estadual em 1944. Em 1948, novo título com uma formação conhecida pelo torcedor mais antigo: Mercy, Gegeca, Dengoso, Santiago, Walber e Mourãozinho, além de Galego, Ananias, Batistão, Tidão e Zé Pequeno. Nos dias atuais, o Moto carrega o rótulo de um dos clubes detentores dos maiores títulos maranhenses.

Decadência e curiosidade
Ainda segundo o pesquisador Hugo Saraiva, o Santa Isabel (Estádio) passou a perder a importância - com a construção do Estádio Nhozinho Santos, que contava com melhor estrutura para a prática do futebol. O estádio, assim como todo o polo fabril da região, entrou em decadência e foi repassado para o INSS, por dívidas previdenciárias. Em seu lugar, foi instalado o prédio do Ministério da Fazenda, visto no Canto da Fabril nos dias atuais.

No início da década de 1950, anos antes da queda na importância do Santa Isabel, era perceptível a migração das atividades do Moto Club e de outras agremiações para o Nhozinho Santos. Reportagem do mesmo ano aponta que, “após perder uma invencibilidade de 23 jogos”, o Moto convidou novamente o Maranhão Atlético Clube (agremiação do coração de importantes desportistas, como o saudoso editor de Esportes de O Estado, Alfredo Menezes) para uma partida que acontecera no palco municipal.

Além de vinculado ao Moto Club, César Aboud também era um amante de outros esportes. Tanto que registro raro encontrado por O Estado e datado de 22 de abril de 1950 aponta que - na época afastado do futebol por preocupação com outros ramos, como a indústria e a política - César Aboud estava “reunindo esforços” para trazer o pugilista famoso norte-americano Joe Louis para São Luís. A apresentação seria em um round montado no Estádio Santa Isabel.

Era um sonho e uma meta de César Aboud trazer o foco mundial do boxe para a capital. Joe Louis fez aparições, na época, em Belo Horizonte (MG), Salvador (BA) e Recife (PE). O sobrinho de César Aboud, José Alberto Aboud, relatou a O Estado que um conto popular aponta um massacre sofrido pelo tio. “Dizem que meu tio César [Aboud] tentou lutar com Joe e levou um soco que obrigou os amigos a encaminhá-lo para o hospital”, disse. No entanto, a história nunca se confirmou...

As lembranças de quem trabalhou na antiga Santa Isabel
Pelo tempo decorrido, O Estado encontrou dificuldades para localizar pessoas que, de alguma forma, colaboraram com a atividade têxtil na Fabril. No entanto, com a colaboração de leitores assíduos, o periódico localizou Luiz Carlos de Castro Alves. Ao lado do pai, Waldemar Alves (ex-lateral esquerdo do Moto) e do irmão, Alzimar de Castro Alves, Luiz Carlos lembra dos tempos de passagem na rotina na fábrica famosa. “Eu era o responsável pela metragem da pesagem do algodão na fábrica. Era um trabalho importante, pois qualquer cálculo errado poderia gerar erro e prejuízo no empreendimento”, disse.

Luiz Carlos passou a trabalhar no local após voltar do Exército. Um fato curioso é que o ex-funcionário da Santa Isabel trabalhou no local ainda antes dos 18 anos. “Comecei a trabalhar lá, depois fui para o Exército e passei a permanecer fixo no local”, disse.

O trabalho à época prestado por pessoas jovens era comum e o pai de Luiz Carlos, Waldemar Alves, foi um dos residentes da chamada Vila Fabril, conjunto de casas situada na Rua Senador João Pedro e fixadas em frente à antiga Santa Isabel. A família de Luiz morou na casa nº 145, que atualmente recebe uma fábrica de gesso. Residindo na Radional, Luiz Carlos relembra os bons tempos. “Ali não passava ônibus que vinha das Cajazeiras e que seguia para a Getúlio Vargas. Era uma via de paralelepípedo usada pelos moradores e outros transeuntes”, disse.

Por trabalhar tão próximo da fábrica (bastava atravessar a rua), Luiz Carlos - após o expediente - curtia a vida tranquila na Ilha na porta de casa enquanto via os Aboud em especial no chalé. “Às vezes, íamos lá para visitá-los. Mas era uma rotina de casa para a indústria. O meu pai trabalhou por anos e dividia a rotina com os treinos no Moto”, disse.

Antigo atleta do Ferroviário (MA), Luiz Carlos viu a decadência da fábrica. “Depois os funcionários foram buscando outros empregos e a fábrica fechou. Formei família, fui para outra carreira, mas aquele período foi muito importante para a minha formação como pessoa. Afinal, foi o meu primeiro trabalho”, disse.

Outro nome conhecido do âmbito esportivo e que também trabalhou por anos na Fábrica Santa Isabel foi o pesquisador de futebol, Manoel Martins, nome conhecido da crônica local. “Foi um tempo de início da carreira, mas importante para a minha formação como pessoa”, disse.

[e-s001]Ex-funcionárias e ainda moradoras da Fabril

Em frente às antigas instalações do chalé e a poucos metros da fábrica famosa, estão as residências de Paula Frassineti e Edglides Silva. Simpáticas senhoras de 78 e 83 anos de idade, respectivamente, ambas trabalharam na fábrica e, em seguida, constituíram família e moradia na região do Centro, onde mantém laços até hoje. Ambas estavam lotadas na diretoria e cuidavam da parte contábil. “Era difícil administrar as contas. Doutor César era exigente, gostava das coisas nos seus devidos lugares. Mas era um local bom de trabalhar, dava condições”, disse dona Paula. Com menos lembranças na memória devido ao passar da idade, dona Edglides decidiu - mesmo após o fim das atividades - manter raízes com o “Canto” famoso. Ela reside há mais de cinco décadas na mesma casa. “E eu não quero sair daqui. Todas às vezes que olho para o outro lado, me lembro como era por aqui. Agora, é uma passagem louca de carros, me incomoda de vez em quando. Na Fábrica, fui muito feliz”, finalizou.

SAIBA MAIS

Mais informações “Fábrica Santa Isabel”

Localizada no Apicum (atual Canto da Fabril)
Era no início do Caminho Grande (atual Avenida Getúlio Vargas)
Ocupava um terreno de cerca de 7 mil metros quadrados.
Foi inaugurada em janeiro de 1892
Tinha motor de 450 cavalos de força, que acionava 420 teares e 149 outras máquinas

Sua capacidade de produção era de 3 milhões de metros de riscado e domésticos de algodão por ano, executada por 600 trabalhadores

Fonte: “Fábrica Martins Irmão & Cia – Trajetória fabril na dinâmica urbana de São Luís”, de Antônia da Silva Mota e Ulisses Pernambucano (Organizadores)

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