Desenvolvimento no Século XX

Canto da Fabril: parque têxtil de grande produção e o chalé que virou ruinas

Neste cenário, investimentos passam a ser transferidos para indústrias, em uma estratégia de socorro para configuração econômica da época

Thiago Bastos / O Estado

Atualizada em 11/10/2022 às 12h18

[e-s001]São Luís - No fim do século XIX, com a abolição da escravatura e crise na agroexportação, o Maranhão vivia uma situação de quase colapso financeiro. Neste cenário, os investimentos passaram a ser transferidos para as indústrias, em uma estratégia de socorro para a configuração econômica da época.

De acordo com o trabalho acadêmico intitulado “A Fábrica Martins e a Sociedade Maranhense”, do historiador Nivaldo Germano, o setor secundário nasceu a partir de uma solução encontrada para a crise e baseada em um modelo que, em comparação a outros cenários brasileiros, se desenvolvia de forma secundária, já que outras cidades nacionais estavam à frente na aquisição de maquinários e qualificação de mão-de-obra, por exemplo.

Foi após os anos de 1890 em diante que, de forma mais contundente, passaram a surgir fábricas do ramo têxtil na capital maranhense e em outras regiões do Maranhão. Um dos polos marcantes de instalação de um parque industrial à época deu-se no Canto da Fabril, cortado pelas ruas Oswaldo Cruz, Senador João Pedro e Avenida Getúlio Vargas e acesso para o Centro e adjacências.

A expressão “Canto da Fabril” se refere ao período em que moradias construídas pela antiga Companhia Fabril Maranhense foram disponibilizadas para antigos funcionários da Fábrica Santa Isabel, cujas instalações são vistas atualmente na Rua Senador João Pedro e recebem o depósito de uma rede de supermercados em funcionamento com unidades na capital.

Além destes imóveis, o “Canto da Fabril” registra a construção emblemática do Chalé da Fabril, idealizado por um então jovem sedento de ideias renovadas - Nhozinho Santos - que sugeriu a montagem de um imóvel para que os responsáveis pela unidade industrial mantivessem proximidade física com as instalações fabris.

Em meados do início do século XIX, deu-se o erguimento do Chalé, cujos contornos clássicos e voltados às tradições europeias chamavam a atenção. A construção anos mais tarde foi ocupava pela família Aboud e seus conhecidos. Até os dias atuais, é possível ver os restos do imóvel que, mesmo diante do acabamento sem requinte de 2020, suscita no imaginário de quem não viveu aqueles tempos gloriosos industriais uma curiosidade e uma certeza de que, quem residia ali, não passava qualquer necessidade.

O crescimento estável da estrutura fabril é passível de análise e referenda a presença do polo na região central da cidade. Outros pontos da Ilha também receberam unidades fabris.

A consolidação do parque industrial na Fabril
No fim do século XIX, ainda de acordo com o importante trabalho acadêmica intitulado “A Fábrica Martins e a Sociedade Maranhense”, do historiador Nivaldo Germano, a partir de 1892 - com base no relatório do então governador Manoel Ignácio Belfort Vieira, houve a promessa de que em “futuro breve”, uma atividade econômica seria fundamental para o desenvolvimento da cidade.

O pensamento foi corroborado na oportunidade pelo vice-governador, Alfredo da Cunha Martins. Ele declarou que, “em um ano, novas industrias estavam prestes a ser instaladas”. O intuito seria aumentar o campo de opções de trabalho, após um abalo das finanças locais - que ainda absorviam as novas ideias de produção oriundas da Europa, que massificava a técnica industrial.

Um dos primeiros empreendimentos locais foi a Companhia de Fiação e Tecidos Maranhense, construída na Camboa, com área de quase 10 mil metros quadrados e que fora inaugurada no dia 1º de janeiro de 1890. Com uma força motriz (ou seja, capacidade de gerar produção) de 300 cavalos (uma novidade à época), produzia 1.400 quilos de fios de novelos por ano.

Um ano mais tarde, foi entregue a Companhia de Fiação e Tecidos de Cânhamo, instalada no extremo sul da Rua São Pantaleão, em uma área de pouco mais de 4 mil metros quadrados. Com capacidade de produção inferior à obra da Camboa, a estrutura contava com 220 operários.

[e-s001]A construção que norteia esta reportagem é erguida em 1892. A Fábrica Santa Isabel, mantida pela Companhia Fabril Maranhense, foi montada na área conhecida como Fabril e parte de suas instalações ainda pode ser vista. Na frente, até hoje está instalado um velho relógio, parado pela ação do tempo e que era uma representação do Big Ben, relógio famoso da Inglaterra.

Ocupando uma área de 7 mil metros quadrados, com motor de 450 cavalos de força, acionava 420 teares e contava com 149 máquinas. Sua capacidade de produção era de três milhões de metros de riscado e domésticos de algodão por ano. Cerca de 600 trabalhadores estavam vinculados ao local.

Anos mais tarde, também surgem outras construções, como a Companhia Progresso Maranhense, na Rua São João, além de companhias de fósforos, de cerâmica, de pilar e outras atividades. No entanto, é preciso se ater à construção iniciada a partir de um nome: Nhozinho Santos.

Quem foi o “pai” do Canto da Fabril?
No fim do século XIX, um jovem cheio de ideias e sedento por novidades passou a ditar determinadas normas na sociedade ludovicense. Foi neste período que Joaquim Moreira Alves dos Santos, o Nhozinho Santos, ganhou notoriedade e importância entre a população. Considerado o mentor da atividade têxtil no polo central da cidade, Nhozinho foi responsável pela montagem da Fábrica Santa Isabel.

À época, o objetivo de Nhozinho era trazer para a cidade as novidades industriais vistas por ele em algumas de suas passagens pela Europa. Considerado ousado e com espírito inovador, Nhozinho permaneceu na gerência da Santa Isabel por aproximadamente três décadas.

Além de investidor no âmbito têxtil, Nhozinho também fora responsável - por exemplo - pela inclusão dos primeiros automóveis na capital maranhense. Outras novidades também guardam a marca de um dos personagens marcantes de uma São Luís que ainda, neste período, desejava ganhar fôlego no âmbito financeiro e buscava alternativas para a produção de renda.

Após permanecer por alguns anos na gestão da fábrica, por problemas pessoais e impossibilidade de investimentos, Nhozinho Santos passou “o bastão” para outra família de suma importância para a consolidação do parque têxtil fabril.

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Os Aboud: família de grande importância para o gênero industrial da cidade
A partir de 1934, de acordo com informações da própria família e com base em pesquisa de O Estado, a Fábrica Santa Isabel não atravessava confortável situação financeira. No ano seguinte, a família Aboud - de origem libanesa, passou a gerenciar a Fábrica Santa Isabel, que reconfigurou suas rotinas e se transformou em referência no segmento de produção têxtil no país, chegando a exportar sua produção para outras partes do mundo.

Além de Eduardo e Alexandre Aboud - que participaram diretamente da administração da Santa Isabel - um nome também se destaca nesta consolidação têxtil. Um dos membros da família, César Aboud, era um dos que mais integrava a linha de frente administrativa da estrutura industrial.

De personalidade forte, com apego à família e inegável disposição, César Aboud não somente fez investimentos como consolidou a marca da Santa Isabel, com contratação de novos profissionais, inclusão de maquinários e elevação na capacidade de produção. Seus tecidos passaram a ser cortejados por mercados importantes e o Maranhão entrou no mapa industrial do Brasil e mundo.

Em pouco tempo, a fábrica já apresentava uma nova linha de produção, que ia do riscado, seu principal artigo, à produção de novos tipos de tecidos, como a lona, morim, brim, mescla e xadrez.

Como novos acionistas, os Aboud foram convidados a residir no famoso Chalé na Fabril, após residirem na Rua Grande. As lembranças, para a família, são marcantes. Rememorar os fatos vividos durante este período é, literalmente, voltar no tempo.

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