História

A fundação de São Luís e o debate historiográfico

Joseh Carlos Araujo

Atualizada em 11/10/2022 às 12h18
(texto joseph)

Estamos revivendo o período de maior expressão histórica maranhense, a Fundação de São Luís, capital maranhense. Destaque para dois deles: há 8 anos, o apogeu comemorando do seu 4º centenário, em 8 de setembro de 2012; e 3 anos após, em 15 de outubro 2015, com a expulsão dos (possíveis) fundadores. Em ambos os períodos, este autor também se pronunciou lançando, respectivamente, as Crônicas de São Luís 1612: A Fundação da Cidade sob o Olhar Tupinambá e a seguir as Crônicas de São Luís 1615: A Expulsão dos Franceses do Maranhão sob o Olhar Indígena. É especial o seu foco temático, muito diversificado na riquíssima historiografia brasileira.

O tempo, porém, encarregou-se de mudar a tradicional versão portuguesa da fundação; incorporada à cultura reinol portuguesa e espanhola e eternizada pelo povo no novo mundo. Sempre foi assim, observada como ponto pacífico entre cronistas e historiadores, atravessando séculos. A ideia de uma São Luís de origem francesa surgiu no primeiro decênio do século XX (cerca de 300 anos após o evento em questão), a partir de artigos seguidos do livro Fundação do Maranhão, escritos pelo historiador maranhense Ribeiro do Amaral, entre os anos 1911 e 1912. De lá para cá, a polêmica do entendimento franco-ibérico da fundação da antiga Ilha de Upaon Açu ocupa bom espaço na mídia.

O professor de História, secretário cultural do Sinproesemma e ex-presidente do Instituto Histórico e Geográfico do Maranhão (IHGM) Euges Lima escreveu um artigo de peso sobre o tema, no jornal Extra Opinião, de 8 de setembro de 2016, com o título: A Invenção da Fundação Francesa de São Luís. No artigo cita o professor Barbosa de Godóis, que em sua História do Maranhão para uso dos alunos da Escola Normal (de 1904), aborda assim o tema da fundação de São Luís: “De posse do Governo do Maranhão, Jerônimo de Albuquerque, cumprindo as ordens que recebera da Corte de Madri, tratou com solicitude da fundação da cidade, que pôs sob a proteção da Nossa Senhora da Vitória, dando-lhe todavia o nome de São Luís, que os franceses haviam posto ao seu forte.” Para o autor, diz o ex-presidente do IHGM, quem é considerado o fundador da cidade não é Daniel de La Touche, senhor de La Ravardière, mas sim o mestiço pernambucano Jerônimo de Albuquerque Maranhão, filho de índia mais pai português.

Prosseguindo, para o historiador Euges Lima, em 1962 surgiu o segundo momento importante de afirmação da origem gaulesa, quando se comemorou naquele ano o 350º aniversário da “fundação francesa” da cidade, com toda pompa e circunstância, durante 8 dias - o que vem congregando ao longo de décadas figuras de escol da intelectualidade maranhense e também lá fora.

Outro professor, da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), médico, pesquisador, sócio honorário do IHGM, Olavo Correia Lima, em 1993 comenta:

A história maranhense é uma das mais descuradas do Brasil. Vem repetindo erros dantanho, sem a devida aferição da pesquisa histórica e até pela crítica científica. É natural que esteja recheada de mitos (grifo do autor), a começar pelo da fundação de São Luís, que representa, por sua vez, um dos primeiros passos históricos do Maranhão. Tais mitos ou sonhos públicos são enunciados às inteligências desprevenidas como absolutamente autênticos, seja por jornalistas incautos, e mais gravemente, ao alunado, em obras didáticas destinadas a desabrochar nossos jovens para a vida e da pátria, no que se impõe desabusada revisão, embora com risco de antipatia e o dissabor de ferir tabus consagrados.
A seguir, afirma enfaticamente:

Foi o brasileiro Jerônimo de Albuquerque Maranhão, nosso restaurador, o verdadeiro fundador de São Luís. Fez ele seu primeiro traçado urbanístico; fabricou o primeiro tijolo; levantou a primeira parede; construiu a primeira casa (não tugúrio). Portanto, o primeiro a dar nascimento ao urbanismo ludovicense”.

“Percebe-se aí que a ideia de uma cidade fundada por franceses, portanto, com origens supostamente singulares, de um passado histórico vinculado à nobreza francesa dos seiscentos, encontra-se completamente consolidada”, conclui o ex-presidente do IHGM.

Nas últimas palavras da obra Crônicas de São Luís 2015..., este autor registra um seminário ocorrido na Universidade Federal do Maranhão, nos dias 14 e 15 de novembro de 2014, ano da expulsão francesa do Maranhão, com o objetivo de resgatar a importância de Jerônimo de Albuquerque Maranhão, que seria ele o fundador da cidade. Entre os debatedores, incluía-se o filósofo carioca, correspondente dos IHG do MA e do R.G. do Norte e honorário do Instituto do Sacro Império Romano Paulo Fernando de Albuquerque Maranhão, nona neto de Jerônimo de Albuquerque e a professora maranhense e historiadora Maria de Lourdes Lacroix. Ferrenha opositora da tese de que São Luís teria nascido em 8 de setembro de 1612 e sim em 9 de janeiro de 1616, e esclarece: “Com a despedida de Alexandre de Moura, que veio ao Maranhão para expulsar os franceses em definitivo, ficou Jerônimo de Albuquerque autorizado pelo Rei Felipe II da Espanha (III de Portugal), a fundar a cidade”. Realça a professora que isto fica mais evidente quando se observa que o reconhecimento de São Luís como Patrimônio Cultural da Humanidade é pela manutenção, até hoje, do traçado arquitetônico dos portugueses.

Concluindo, para explicar o conjunto de ideias que estavam subjacentes ao mito da fundação francesa da cidade, volta o professor Euges Lima, dizendo que a historiadora Lacroix usa o conceito de Ideologia da Singularidade, ou seja, a necessidade que as elites intelectuais maranhenses tinham de serem vistas como diferentes, únicas, singulares.

*Professor (aposentado) mestre, titular da Universidade Estadual do Maranhão (UEMA), escritor, pesquisador, sócio efetivo do IHGM e sócio correspondente da Academia Icatuense de Letras, Ciências e Artes (AILCA).

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