Referências culturais e arquitetônicas

Os relógios montados com influência católica

A partir da intervenção de projetos encabeçados por paróquias, com colaboração do poder público, foram instalados outros relógios marcantes na capital maranhense

Thiago Bastos / O Estado

Atualizada em 11/10/2022 às 12h19

[e-s001]São Luís - A instalação dos relógios na capital maranhense, desde o século XVIII, tem grande influência das correntes religiosas e, principalmente, de descendentes europeus. Uma tradição que nasce nas potências do mundo neste período, como a Inglaterra, por exemplo, e que ganha outros países a partir da consolidação do processo de colonização americana.

Desde a igreja da Sé, passando pela São Pantaleão até chegar na Igreja de São João, os registros da presença dos relógios marcam uma São Luís que, no fundo, sente saudades destes tempos em que não havia aparelhos mais modernos indicadores do tempo.

O toque holandês no relógio da São Pantaleão
O acessório para um dos templos religiosos mais tradicionais – a Igreja de São Pantaleão (na rua de mesmo nome, no Centro) - tem sua chegada no território ludovicense datada de janeiro de 1952. De acordo com o jornal “O Combate”, o relógio seria de fabricação holandesa, da marca Eysbonts e com medição de 1,2 metro de diâmetro, além de dois mostradores com dispositivos e motor para dar corda de forma automática. Estima-se que o peso do acessório era de aproximados 775 quilos, o que suscita a questionamentos sobre a maneira em que os equipamentos foram transportados para a parte de cima do templo religioso.

Segundo o texto do jornal, a instalação do relógio – além de dar prosseguimento à uma tradição de instalação de equipamentos de referência do tempo em construções religiosas – também iria beneficiar os moradores “daquela redondeza”, tendo em vista que os bairros Madre Deus, Goiabal, Lira, Belira, Codozinho e Macaúba poderiam ver a hora, já que “seria enxergado de longe”.

A aquisição do novo relógio deixou os responsáveis pela Igreja de São Pantaleão empolgados. Que o diga o padre Thiago Zwarthoed, à época pároco do templo, ainda de acordo com reportagem de O Combate.

A utilidade do relógio
Antes da instalação, em 1949, o padre Zwarthoed teve a ideia de indagar ao senador Vitorino Freire a possibilidade de ter um relógio na torre da igreja de São Pantaleão. Segundo a pesquisa da Arquidiocese de São Luís, o senador – já em 1950 – enviou um telegrama à paróquia responsável informando que havia adquirido um donativo para a aquisição do relógio. Com base nisso, foi feita a pesquisa da melhor empresa fabricante para ser feita a encomenda.

A entrega
Segundo o pesquisador Paulo Victor Silva, que faz parte da Arquidiocese de São Luís (com colaboração na transcrição das informações da historiadora, Karen Costa), no dia da entrega do relógio, uma grande multidão esperava à frente da igreja. Sob salva de palmas o vigário, de uma das janelas da construção, tomou a palavra e disse que a ideia de instalação de um relógio na igreja era antiga.

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De acordo com a pesquisa da Arquidiocese, foi por meio do então senador Vitorino Freire que o relógio foi adquirido. Também receberam agradecimentos, na ocasião da entrega, o engenheiro Almir Marques, o mestre de obras da Prefeitura da capital, à época, João Marques, além de Joaquim Aguiar, que completou a montagem do relógio.

O vigário – cujo nome fugiu da pesquisa de O Estado - lembrou ao povo que foi o senador Vitorino Freire que ofereceu generosamente o relógio e agradeceu em público o grande benfeitor e aos demais.

[e-s001]O funcionamento em si
Segundo a paróquia, para a regulação do pêndulo (cuja mecânica é necessária para a mecânica do relógio), força-se o peso cilíndrico do acessório para a esquerda ou para a direita. De 10 em 10 meses, era necessária a lubrificação da engrenagem do dispositivo.

O Estado teve acesso à antiga estrutura do relógio instalado na Igreja de São Pantaleão. O dispositivo não funciona há pelo menos 14 anos e, apesar das tentativas da paróquia, ainda não foi reformado. Os ponteiros e o mostruário dos números são considerados originais e as faces do relógio ainda podem ser vistas por quem passa em frente ao templo religioso.

O maquinário que deveria fazer funcionar o relógio está com desgaste. Algumas peças corroeram e outras precisam ser trocadas. A ausência de empresas fabricantes, neste caso, dificulta a recuperação do acessório, que era a referência do tempo em boa parte da região central da cidade.

O relógio do século XVIII: os ponteiros da Igreja da Sé
Uma das construções mais antigas de São Luís, a Catedral Metropolitana de São Luís (Igreja da Sé) também tem sua história relacionada aos relógios da cidade. De acordo com a obra intitulada “Monumentos Históricos do Maranhão”, atualizada por Bárbara Izadora Bueno, quando da inauguração da então “nova” igreja, datada de 1690, a construção ainda não possuía torres.

Quase meio século mais tarde, ou seja, em 1737, com autorização da Câmara local, “houve a construção da torre direita juntamente com a instalação de um relógio”. O acessório, na oportunidade, foi ofertado pelos próprios jesuítas. No exemplar de “A Nação”, datado do século XVIII, o periódico aparente cita que “em 17 de setembro de 1737, a Câmara impôs a obrigação de um relógio”.

A configuração com um relógio apenas em uma das torres foi mantida da segunda metade do século XVIII até o início do século XX. Acervo de Gaudêncio Cunha datado de 1908 referenda que até então a Sé registrava apenas um relógio. Com base nos arquivos do IBGE, em 1922, mediante confirmação do pároco atual da Sé, Padre Roney Carvalho, a construção passa por uma reforma.

Devido à inspiração neoclássica, que está pautada na valorização da simetria, a torre à esquerda erguida passa a estar alinhada com a da direita. A simetria deve ser tamanha que um “enfeite”, ou um relógio apenas para constar na fachada, é feito na torre esquerda. “A nova torre, com o relógio de fachada, era apenas para cumprir com as medidas neoclássicas”, disse a O Estado o padre Roney Carvalho.

[e-s001]Na parte interna do relógio da torre direita, é possível ver uma engrenagem em melhor estado de conservação, em comparação à da São Pantaleão (ainda que esta última seja mais recente). Na engrenagem, acessada a partir de vários degraus internos, é presente uma miniatura do relógio unido a várias peças cujos eixos estão ligados aos ponteiros maiores.

O relógio parou de funcionar há alguns anos e, de acordo com a paróquia, há um projeto que ainda não saiu do papel de recuperação do acessório e abertura para visitação turística.

A influência italiana nos relógios no interior do Maranhão
Em reportagem intitulada “Na Barra do Corda, os religiosos capuchinhos trabalham pela glória maior de Jesus e pelo progresso crescente do Maranhão”, de Hildenê Gusmão, é citada a instalação de um relógio na igreja matriz da cidade.

De acordo com o texto para a “edificação da igreja matriz de minha querida terra trouxe, Frei Adriano, além de uns quintais de mármore e mosaicos de preciosos esmaltes de Veneza, um carrilhão de apreciável valor, 12 vitrais artísticos para janelas e um vistoso relógio de torre”.

O acessório, na reportagem, não recebe mais detalhes. No entanto, o marcador do tempo da construção religiosa se juntaria, por exemplo, a elementos sacros presentes, como as esculturas que remetem à Via Sacra.

Relógios em fachadas de lojas
Em 1956, registro do jornal “O Combate” mostra a inauguração da “Real Joias”, uma loja que se apresentava na ocasião como proprietária de um estoque de joias, relógios, pratarias e outros itens. As instalações, montadas na Rua Oswaldo Cruz, no Centro, eram descritas como “modernas” e a fachada do empreendimento é anunciada com um tradicional relógio em sua estrutura. Um sinal claro de que, neste período, a população ainda estava habituada a observar relógios e expostos ao público para se basear no tempo.

[e-s001]O relógio da ladeira na Estrela
Na ladeira que separa a Rua da Estrela da Rua de Nazaré, próxima à Praça Pedro II, há dependurado um belo, mas castigado marcador de horas. O secular relógio instalado no anexo do prédio do Tribunal de Justiça do Maranhão era referência histórica de São Luís.

A relíquia – por mais de 60 anos – de acordo com reportagem publicada no blog do radialista Joel Jacintho, foi referência da hora certa para os ludovicenses. O acessório teria sido importado da cidade de Croyton, na Região Metropolitana de Londres, capital inglesa, e fabricada em 1911 pela empresa Gillett & Johnston.

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Igreja de São João... cadê o relógio?

Registro fotográfico datado do início do século XX de Gaudêncio Cunha e encontrado na sublime obra “São Luís do Maranhão: corpo e alma” de Maria de Lourdes Lacroix mostra uma construção neoclássica na Rua da Paz – a Igreja de São João – ainda com a presença de um relógio em uma das torres. O Estado não conseguiu localizar onde estaria o acessório. Atualmente, apenas o vão onde ficava o relógio é visualizado.

Registros catalogados pelo IBGE apontam que o templo passou por novas intervenções ao longo dos anos, sendo reedificado em 1812. Em 1867, o largo do mesmo nome, localizado à frente da igreja foi calçado. A fachada atual neoclássica da Igreja de São João possui dois pares de pilastras com capitel em estilo coríntio estilizado.

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