Os bondes se foram... restaram vestígios e as boas lembranças
Usuários e ex-trabalhadores deste meio de transporte popular entre as décadas de 1920 e 1960, lamentam a ausência de preocupação com a memória; nenhum bonde foi preservado
[e-s001]São Luís - No dia 8 de julho deste ano, O Estado se deparou com itens de uma história rica e desvalorizada em São Luís. Ao registrar o andamento das obras de reforma do Largo do Carmo, no Centro Histórico, a equipe do periódico registrou a retirada, por engenheiros dos serviços, de trilhos, até ali cobertos pelo asfalto. As estruturas de ferro obviamente gastas possibilitaram a travessia de um dos veículos mais populares na cidade, em especial, entre as décadas de 1920 e 1960, os bondes. Principalmente os bondes movidos à eletricidade, representam parcialmente um capítulo do processo de modernização a que a capital maranhense foi submetida.
Além da ausência de uma política efetiva, que consolidasse o serviço no período como de excelência, fatores particulares levaram ao “sumiço” dos bondes do cenário urbano ludovicense. Nem mesmo as carcaças dos antigos veículos podem ser contempladas e a única alternativa é recorrer às memórias de quem viveu a época áurea do serviço na cidade.
Para entender a importância dos bondes em determinado contexto histórico, é preciso voltar no tempo. Além de registrar a inclusão do serviço na cidade, é fundamental ouvir ex-funcionários e parentes de pessoas que dedicaram suas vidas a manutenção e oferta do transporte no eixo central da Grande Ilha.
De acordo com a obra intrigante e completa da professora Maria de Lourdes Lauande Lacroix, intitulada “São Luís do Maranhão: Corpo e Alma” – com base em pesquisas de autores como César Augusto Marques e tantos outros - no início do século XX, três linhas férreas partiam do antigo “Largo do Palácio” até o Cutim (Anil). À época, os veículos eram movidos a tração animal. Antes do período dos bondes elétricos, de acordo com o professor Luís Phelipe Andrès, em 1868, foi criado o primeiro sistema de transporte coletivo das regiões Norte e Nordeste do país. Eram os chamados “bondes de tração animal”.
Com o aumento progressivo nos valores das tarifas e a falta de preocupação em conservar os meios (normalmente sujos e sem qualquer preocupação com o conforto dos passageiros), a gestão do serviço de bondes passou para a Intendência, estrutura governamental preparada durante a transição para a República. A ideia do poder público era substituir o transporte animal pelo eletrificado, com a instalação de oito linhas.
O projeto, iniciado em 1909, ainda de acordo com “São Luís do Maranhão: Corpo e Alma”, somente saiu do papel para a prática em 1923. Até aquele ano, o Município geria os serviços públicos urbanos da cidade e a Companhia Ferro-Carril foi encampada provisoriamente pelo Estado para gerir os serviços de bonde e luz.
No mesmo ano, o poder público contrata a Ulen & Company, empresa que gerenciaria o serviço. A viagem considerada inaugural do bonde elétrico teria ocorrido no dia 30 de novembro de 1924, com itinerário entre o Centro e o Anil.
No ano seguinte, os bondes começam a registrar linhas mais constantes. Mas a qualidade ainda precária do serviço e os preços das tarifas considerados “abusivos” fizeram com que, em julho de 1925, fosse registrada a “paralisação dos bondes” na cidade.
A qualidade dos serviços era evidenciada nos periódicos da época. Exemplar de “O Combate”, de 18 de março de 1929 registra o texto intitulado “Os Bondes da Ulen”. Nele, o exemplar à época lembrou que “prometeram atender aos bondes que partem da avenida Pedro II, ao meio-dia”, no entanto, nada fizeram para melhorar o veículo.
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As linhas antigas
Após algumas adaptações, quatro linhas de bonde foram construídas e que perduraram na cidade até meados da década de 1960: Gonçalves Dias, São Pantaleão, Estrada de Ferro e Anil.
O percurso da linha Gonçalves Dias era um dos mais conhecidos e tinha início na Avenida Maranhense, seguia pelas ruas da Palma e Nazaré, cortava a Rua Grande e ao chegar na Rua do Passeio descia até a Praça Gonçalves Dias. Lá, no fim da linha, o motorneiro (condutor dos bondes) virava a lança e o condutor colocava os bancos em posição frontal para seguir viagem.
Já o Bonde São Pantaleão saía do Largo do Carmo, seguia pela Rua São João, pelas Cajazeiras e pela Rua da Paz, onde regressava até novamente o abrigo do Largo do Carmo onde encerrava a viagem. O Bonde da Estrada de Ferro partia pela Beira-Mar, se encontrava em determinado momento com o Bonde São Pantaleão e seguia pela Rua Grande, Rua do Passeio e Rua da Paz.
Por fim, o Bonde do Anil saia de um pequeno abrigo do Largo do Carmo, dobrava a Rua Grande, e seguia por Areal, João Paulo, Monte Castelo, até chegar ao Anil. Normalmente, em cada parada, os veículos carregavam grande volume de passageiros. “Desapareceu, sem dúvida, o transporte mais acessível à população da época na cidade, pelo preço, ainda que em alguns momentos elevassem os valores, e pelo fato de ser movido por uma energia limpa”, disse a professora Maria de Lourdes Lacroix.
A saída dos bondes
Na década de 1950, com a instabilidade política no país que se refletia no Maranhão, os serviços dos bondes foram afetados. Empresários, mediante pressão do governo à época, colocaram ônibus em circulação na cidade, em detrimento dos bondes. Apesar das tentativas, no fim da década de 1950, os bondes ganharam uma nova “sobrevida”.
Em 1959, é criado o Departamento de Transportes Urbanos de São Luís (DTUSL) que, a partir de sua criação, quitou dívidas anteriores dos bondes com as empresas fornecedoras do serviço e revitalização do serviço.
A medida, por obviedade, gerou animosidade dos empresários do período. Quedas constantes e consideradas propositais de energia elétrica na cidade e elevação no preço das tarifas tornaram os ônibus os meios preferidos no gosto popular. Ainda segundo a professora Maria de Lourdes Lacroix, os bondes, gerenciados por autarquia, foram condenados à extinção.
A justificativa oficial foi que o veículo já estaria em desuso. O ano de 1966 foi o último que, pela cidade, era possível ouvir as campainhas charmosas acionadas pelo pé direito do motorneiro, avisando da passagem do veículo em determinado trecho.
[e-s001]Bondes somem e reaparecem no cenário universitário
Na segunda metade da década de 1970, por iniciativa a princípio da própria reitoria da instituição, a Universidade Estadual do Maranhão (Uema) decidiu montar, no próprio campus universitário para o acesso dos acadêmicos e outros frequentadores, o bonde da Uema. O veículo percorria um trecho de distância aproximada de 1,6 quilômetro em um percurso que seguia ao lado do atual prédio do curso de Agronomia até as proximidades da entrada do campus.
O bonde registrava alta concentração de usuários e funcionou até o fim da primeira metade da década de 1980. Segundo ex-funcionários, a estrutura do bonde era oriunda do antigo transporte usado pela empresa Ulen e pelo poder público.
O Estado não conseguiu localizar os vestígios do antigo bonde. No local, somente o trilho danificado pelo índice elevado de corrosão é encontrado em meio ao matagal e ainda fixado no ponto original. Tanto no âmbito universitário quanto no contexto geral da cidade, restaram somente as lembranças de quem trabalhou ou utilizou os bondes em algum momento da vida.
SAIBA MAIS
Antigas linhas dos bondes elétricos e principais trechos
Linha Gonçalves Dias
Início na Avenida Maranhense, seguia pelas ruas da Palma e Nazaré, cortava a Rua Grande e ao chegar na Rua do Passeio descia até a Praça Gonçalves Dias. Ao virar a lança, o veículo retornava no sentido contrário pelo mesmo trecho
Linha do Bonde São Pantaleão
Saía do Largo do Carmo, seguia pela Rua São João, pelas Cajazeiras e pela Rua da Paz, onde regressava até o abrigo do Largo do Carmo onde encerrava a viagem.
Linha do Bonde da Estrada de Ferro
Partia pela Beira-Mar, se encontrava em determinado momento com o Bonde São Pantaleão e seguia pela Rua Grande, Rua do Passeio e Rua da Paz.
Linha do Bonde do Anil
Saia de um pequeno abrigo do Largo do Carmo, dobrava a Rua Grande, e seguia por Areal, João Paulo, Monte Castelo, até chegar ao Anil.
Fonte: Obra “São Luís do Maranhão: Corpo e Alma”
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