Quem viveu o auge

Personagens que fizeram parte da história dos bondes

A estrutura desses veículos envolveu pessoas que dedicaram suas vidas em prol da manutenção do serviço por décadas na cidade, ou por usuários que ainda têm vivas as lembranças dos inesquecíveis passeios

Thiago Bastos / O Estado

Atualizada em 11/10/2022 às 12h19

[e-s001]São Luís - Em décadas anteriores, São Luís registrou a passagem dos bondes de tração elétrica, por linhas no Centro e por caminhos marcados na parte interna da Universidade Estadual do Maranhão (Uema). A estrutura dos bondes envolveu pessoas que dedicaram suas vidas à manutenção do serviço, por anos na cidade, ou por usuários que ainda têm vivas as lembranças dos inesquecíveis passeios por bondes em São Luís.

Por diversos fatores (encarecimento do serviço, pressões empresariais e desenvolvimento de outros meios de transportes), o bonde elétrico passou a ser um transporte desvalorizado. O aumento da oferta de ônibus na cidade e a regularização pelo poder público do serviço, aliado à falta de interesse das empresas postulantes a investimentos, tornaram os bondes apenas representações de um meio de transporte que não existe mais.

Em São Luís, a princípio, não há nenhum vestígio da existência de restos de bondes. Gestores municipais nas décadas de 1980 tentaram revitalizar o transporte, sem sucesso. Em 2013, nova tentativa do poder público de retomada dos serviços. Porém, sem êxito. Um projeto intitulado “Bonde Turístico da Praia Grande”, convênio entre o Município e o Ministério do Turismo, não avançou.

Oficialmente, a Prefeitura de São Luís informou, à época, que cumpriu com os prazos para a realização do convênio com o Governo Federal, para o financiamento do transporte. Porém, o posicionamento foi contestado pela gestão do turismo federal. A direção da Superintendência do Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) informa que, por ora, não há previsão de volta dos bondes na cidade.

Sem eles, restam somente ouvir as histórias de quem viveu esta época em seu auge na cidade.

[e-s001]O amor de décadas e a relação com os bondes
Em décadas passadas na capital maranhense, era comum ver pessoas se deslocando pela cidade nos mais variados veículos. Inclusive, as bicicletas eram muito utilizadas. Era o caso de dona Admée Duailibe que, na década de 1950 em especial, seguia para o local de embarque no bonde usando o meio de duas rodas.

Em uma dessas idas, Admée teve um acidente e caiu da bicicleta. “Eu fazia o itinerário entre o Tirirical, onde morava, até o bairro do Anil, onde seguia para o Centro no Bonde do Anil. Um dia, acabei caindo e machuquei o joelho”, disse.

Com a lesão, Admée foi atendida por Antônio Salim, um simpático médico, ainda jovem, que trabalhava à época na Ulen, empresa que gerenciava o serviço de bondes elétricos. “Ele apaixonou-se por mim, dizia que meu joelho era lindo”, disse aos risos. Dona Admée também trabalhava na Ulen, como secretária. “Foi o meu primeiro emprego, na empresa que gerenciava os bondes. Era uma beleza andar de bondes, como um casal de namorados”, lembrou.

Foi a partir do amor “amarrado” pela gestão dos bondes que dona Admée conviveu com o homem que permaneceria do seu lado por mais de quatro décadas. “Somente ficam as lembranças de uma cidade antiga, que não existe mais, e era mais tranquila. Do meu amor e da minha juventude, lembranças boas que levarei comigo”, afirmou.

A carreira feita na Ulen foi interrompida com a saída do serviço na cidade. Se o bonde saiu, o amor entre Admée e Antônio permaneceu e é contada até hoje.

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Passeios e a ida para o colégio de bonde
A advogada Célia Cutrim, amiga de Admée Duailibe, também foi frequentadora dos bondes na capital maranhense. A principal lembrança, da agora senhora elegante e cuja memória ainda impressiona pela descrição dos fatos, é o deslocamento pelo Centro, via bonde, até as proximidades da Rua do Egito, onde seguia até a escola particular na qual fazia a sua formação educacional.

Ao mesmo tempo, a advogada também se recorda dos momentos de lazer passados nos bondes. “Eram vários estudantes nos bondes. E ainda servia para a gente nos fins de semana. Era muito gostoso andar nestes veículos, especialmente aos domingos, nos fins de tarde. Desembarcar na Gonçalves Dias, curtir um pôr do sol e depois voltar em um, não tinha preço”, afirmou.

A advogada se recorda do preço “em conta” dos bondes. “Mesmo com alguns períodos de elevação nos preços, em geral, o valor para se andar no bonde era bem baixo. Não era às vezes tão confortável assim, mas ainda assim era um passeio bom, poderia curtir o vento no rosto e acompanhar a beleza de uma São Luís ainda calma, com poucos carros e menos habitantes”, disse.

As lembranças de dona Célia são curtidas por quem passou e por quem não viveu estes tempos. Para quem trabalhou nos bondes, as memórias são ainda mais fortes.

[e-s001]O “Zeca Bondeiro”, o ex-motorneiro do bonde da Uema
Inaugurado durante o governo militar de Ernesto Geisel (1974-1979), a função do bonde da Universidade Estadual do Maranhão (Uema) era transportar alunos entre os departamentos de Agronomia e de Engenharia. Entre 1979 e 1984, um dos responsáveis por conduzir o bonde referência na memória dos ludovicenses era José de Ribamar Alves da Silva, conhecido entre os alunos como “Zeca Bondeiro”.

Antes de ingressar no emprego, “Zeca” passou por um curso específico para motorneiro. “Somente após comecei a trabalhar. Inicialmente, trabalhava somente por um turno e, depois, passei a trabalhar em horário integral”, disse o ex-motorneiro a O Estado.

Atualmente afastado de qualquer função profissional, “Zeca Bondeiro” explicou que o bonde registrava inicialmente capacidade máxima de transporte de até 25 pessoas. Porém, mais pessoas normalmente eram deslocadas. “Uma vez, coloquei 80 pessoas nele”, disse.

A velocidade média do bonde da Uema era de aproximadamente 20 km (quilômetros). Era, inclusive, a mesma metragem da registrada dos bondes que circulavam normalmente no Centro e em outros bairros da cidade. O cuidado com a condução era proporcional ao zelo que se deveria ter entre uma e outra parada do bonde. “A gente colocava graxa nas roldanas, responsáveis também pelo giro e pela firmeza na condução do veículo”, afirmou.

Para o “Bondeiro”, era de suma importância a função. “Era uma enorme responsabilidade conduzir o bonde. Depois, era importante fazer a manutenção do veículo. Uma pena que essa oferta à população não está mais disponível”.

O ex-profissional contou ainda que os custos de consumo de energia elétrica, a inserção das linhas próprias de ônibus no campus da Uema e o preço alto das peças do bonde (fabricadas em outros estados) para substituição nos bondes levou à exclusão do transporte no âmbito universitário.

Sobre alguma história curiosa, o “Bondeiro” disse que algumas foram registradas. “Uma vez, um importante gestor público que não vem agora falar o nome quis andar em um destes e foi complicado, pois alguns estudantes não gostaram pois acharam que ele queria se aparecer. Foi difícil neste dia, mas no mais, em outros dias era sempre a mesma rotina tranquila de viagens, entre um e outro ponto de parada”, afirmou.

“Zeca Bondeiro”, mesmo com restrições de locomoção causados por problemas na coluna, disse que se os bondes voltassem, ele se prontificaria a ajudar. “Quem sabe não poderia até conduzir um bonde novamente. Quem sabe?”, explanou.

Os trilhos ainda estão lá: os poucos vestígios ainda vistos
O Estado esteve nesta semana no campus Paulo VI, da Universidade Estadual do Maranhão (Uema). A alguns metros do prédio do curso de Agronomia, é possível ainda ver o trilho do antigo bonde cortando o asfalto e em meio ao mato. Relíquia esquecida por quem passa por ali e desconhecida pela maioria. “Nem sabia que aqui passava um bonde”, disse o vigilante José Carlos, da empresa terceirizada que presta serviços de segurança para a universidade e que trabalha bem próximo ao local onde podem ser vistos os trilhos.

De acordo com “Zeca Bondeiro”, a viagem era feita várias vezes por dia e sempre de forma saborosa. “Era muito bom que os bondes voltassem para a cidade. Seria uma retomada de um serviço importante”, afirmou.

[e-s001]O filho de ex-condutor de bonde e que andou, quando criança, em um
Atualmente exercendo a função de contador, Ismário de Ribamar Nunes, filho de ex-condutor de bonde, Isaac de Sousa Nunes, que trabalhou como profissional que fazia o controle de entrada e saída dos passageiros dos bondes, da região central. “Era uma função importante, pois como o motorneiro, ou seja, quem controla o bonde não tinha condições de fazer esse procedimento, era meu pai um dos profissionais responsáveis por esta missão”, afirmou com orgulho do legado paterno.

Ele conta ainda que, em horários de lazer, acompanhava o pai em “viagens” de bonde. “Andei muito com meu pai nesses bondes. Era ótimo, uma pena que estes serviços infelizmente acabaram”, afirmou.

Para o contador, o serviço deveria voltar. “Seria barato, penso. E ainda poderia ser um atrativo para a cidade. Eu, bem mais novo, me lembro de andar nos bondes. Então, outras pessoas poderiam viver, em suas histórias, algo semelhante”, frisou.

A importância e o que significou o bonde em sua vida

“Para mim, a chance de encontrar um amor. E também de viver uma época de ouro na cidade”Admée Duailibe, culinarista e ex-funcionária da Ulen
“Andei muito com meu pai nesses bondes. Era ótimo, uma pena que estes serviços infelizmente acabaram”Ismário de Ribamar Nunes, filho de ex-condutor de bonde
“Eram vários estudantes nos bondes. E ainda servia para a gente nos fins de semana. Era muito gostoso andar nestes veículos, especialmente aos domingos nos fins de tarde”Célia Cutrim, advogada
“Era uma enorme responsabilidade conduzir o bonde. Depois, era importante fazer a manutenção do veículo. Uma pena que essa oferta à população não está mais disponível”José de Ribamar Alves da Silva, o “Zeca Bondeiro”

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