Brincadeira perigosa

Linha com cerol: risco para motociclistas na temporada de pipas

Mistura de vidro e cola representa perigo também para ciclistas; no Maranhão, já houve acidentes com mortes; brincadeira está no auge no estado atualmente

Nelson Melo

Atualizada em 11/10/2022 às 12h19
Garotos empinam pipa na Ilhinha, à margem da Avenida Ferreira Gullar, enquanto motociclista passa
Garotos empinam pipa na Ilhinha, à margem da Avenida Ferreira Gullar, enquanto motociclista passa (papagaio ilhinha)

SÃO LUÍS - O distanciamento social, medida que tem o objetivo de evitar a propagação da Covid-19, pode ser facilmente confundido como período de férias para crianças e adolescentes, sobretudo. Como passam mais tempo em casa, os garotos aproveitam o momento para se divertirem nas ruas. Uma das atividades é o uso das pipas, também conhecidas como “papagaios”, brincadeira que está sendo comum na capital maranhense. No entanto, quando utilizam o cerol nas linhas, o risco de ferir alguém, especialmente os motociclistas e ciclistas, é grande. Também pode causar danos à fiação elétrica.

A presença de meninos empinando os “papagaios” em São Luís parece ter aumentado durante essa pandemia do novo coronavírus, conforme relatos de moradores de bairros da cidade, especialmente na periferia. Na Ilhinha, na região do São Francisco, já houve até, no mês passado, torneio de pipas em uma praça. No entorno do Complexo Canhoteiro, nas proximidades do Ginásio Georgiana Pflueger, conhecido, popularmente, como Ginásio Castelinho, por exemplo, vários meninos se reúnem no fim da tarde para soltar as pipas. O ambiente fica tão repleto de crianças e jovens que equivaleria a uma espera por bombons no Dia de São Cosme e São Damião.

Entre carros de autoescola, os garotos passam correndo, sem olhar para os lados, apenas observando o céu. Nessa euforia, podem ser atropelados. Caso utilizem cerol ou a “linha chilena”, podem causar uma tragédia ao manobrarem a pipa de um lado ao outro de ruas e avenidas. Se alguém for atingido pelo material cortante, pode sofrer uma lesão superficial ou, em situações graves, uma mutilação. Na possibilidade mais extrema, a vítima pode morrer, como aconteceu em 2015 no Maranhão.

O fato ocorreu em agosto, na cidade de Santa Inês. O designer gráfico Natanael Barros dos Santos, de 27 anos, estava pilotando sua motocicleta na BR-316, quando seu pescoço foi cortado pela linha com cerol. Ele ainda foi encaminhado ao hospital mais próximo, mas não resistiu.

Outros acidentes

Recentemente, em Imperatriz, no sudoeste do Maranhão (Região Tocantina), um motociclista ficou ferido depois que sofreu um corte no pescoço. A lesão foi provocada por uma linha de pipa com cerol. O fato foi registrado na Avenida Pedro Neiva de Santana, considerada uma das principais da cidade. Testemunhas disseram à Polícia Militar que o condutor trafegava em velocidade moderada, no momento em que adolescentes estavam soltando os “papagaios” nas imediações.

A linha da pipa cruzou o caminho do motociclista, que foi atingido no pescoço. Ele foi socorrido por pedestres e colocado às pressas na garupa de outra motocicleta para receber atendimento médico, uma vez que não tinha condições de pilotar o seu veículo. O rapaz foi submetido a uma cirurgia e não corre risco de morte. Também na Região Tocantina, mas no município de João Lisboa, um policial militar do Grupo de Operações Especiais (GOE) teve o pescoço cortado pelo cerol, em fevereiro de 2015.

O policial estava com a esposa na motocicleta, quando a linha enroscou em seu pescoço. Ambos caíram do veículo. O militar levou sete pontos no hospital.

Perigos do cerol

Embora seja uma diversão a soltura de pipas – que surgiu há 3.000 anos, na China (Estremo Oriente), tendo se consolidado no Ocidente somente a partir do século XIV -, o perigo não pode ser ignorado. O recomendado é que as crianças e adolescentes utilizem “papagaios” sem rabiolas, como as arraias, uma vez que esta parte, na maioria das ocasiões, enrosca nos fios, provocando até curto-circuito, que ocorre quando uma corrente elétrica com força acima do normal passa por um circuito elétrico com intensidade elevada, sofrendo uma queda e criando uma descarga.

Para que não ocorram acidentes, as crianças não podem subir em telhados ou lajes para empinar as pipas, que não devem ser feitas com papel-laminado, em virtude do maior risco de choque elétrico. Os garotos também devem evitar brincar em locais movimentados ou com grande fluxo de veículos, como as avenidas, pois uma distração pode ser fatal. E, claro, não devem usar, nas linhas, o cerol, que é um material perigoso feito a partir da mistura de vidro moído com outros produtos.

Outra recomendação é não soltar “papagaios” em dias de chuva. Isso deve ser evitado, sobretudo, quando estiverem ocorrendo relâmpagos, raios ou trovões. Inclusive, Benjamin Franklin (1706-1790), escritor e cientista, arriscou sua própria pele ao sair para empinar pipa durante uma tempestade. Ele acreditava que, de uma chave amarrada na extremidade da rabiola, pulariam faíscas para a sua mão, caso o objeto metálico fosse eletrizado pelas nuvens carregadas. O objetivo dele era provar que os raios são descargas elétricas, tanto que inventou o para-raios.

Recomendações do CBMMA

Sobre o assunto, o Corpo de Bombeiros Militar do Maranhão (CBMMA) advertiu, em nota, que o uso de linhas com fio de cobre ou cerol é arriscado e causar acidentes que levam a sérias hemorragias e até morte. Por este motivo, o órgão estadual ponderou que, além de jamais utilizar esses materiais na brincadeira, outros cuidados necessários precisam ser levados em consideração, como prestar atenção a motocicletas e bicicletas, pois a linha, mesmo sem cerol, é perigosa para os condutores.

Ademais, o Corpo de Bombeiros Militar elencou os seguintes cuidados: não soltar pipas perto de fios ou antenas para evitar choques elétricos; não soltar pipas em dias de chuva ou relâmpagos; não retirar os “papagaios” em fios de transmissão de eletricidade ou árvores, nem fazer pipas com papel-laminado, pois o risco de descarga elétrica e acidentes é ainda maior; procurar locais abertos, como parques, praças ou campos de futebol; não soltar pipas em lajes ou telhados, para evitar quedas; e olhar bem onde pisa, sobretudo quando andar para trás, para não cair.

“Caso a linha quebre, não corra atrás da pipa sem observar se o caminho é seguro, como atravessar ruas e passar por buracos, para evitar acidentes”, pontuou o Corpo de Bombeiros Militar do Maranhão.

Penalidades para uso

Utilizar cerol ou “linha chilena” pode causar danos tanto a quem realiza as manobras com as pipas como a quem passa nas imediações, a exemplo dos motociclistas. O uso desses materiais cortantes é proibido pela Lei 7189/86. Aliás, os pais podem, em casos extremos, com ocorrência de morte, serem indiciados por homicídio culposo, se a criança estiver brincando sem a presença do responsável monitorando seus passos. Em outra circunstância, podem ser indiciados por homicídio doloso, quando os pais estiverem acompanhando os garotos.

Também existe uma previsão no Artigo 132 do Código Penal Brasileiro (CPB), que diz o seguinte: expor a vida ou a saúde de outrem a perigo direto e iminente. Nesse caso, existe a possibilidade de detenção, de três meses a um ano, se o fato não constituir crime mais grave. Todavia, a pena é aumentada de um sexto a um terço se a exposição da vida ou da saúde de outrem a perigo decorre do transporte de pessoas para a prestação de serviços em estabelecimentos de qualquer natureza, em desacordo com as normas legais.

Por outro lado, no caso de machucar alguém com linha coberta com cerol, a pessoa pode ser enquadrada no Artigo 129 do CPB, cujo teor se refere a ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem, com previsão de detenção, de três meses a um ano. Quando a lesão corporal é de natureza grave, pode ocorrer reclusão, de um a cinco anos, se resultar em incapacidade para as ocupações habituais, por mais de trinta dias; perigo de vida; debilidade permanente de membro, sentido ou função; e aceleração de parto.

Ou em reclusão, de dois a oito anos, se resultar em incapacidade permanente para o trabalho; enfermidade incurável; perda ou inutilização do membro, sentido ou função; deformidade permanente; e aborto. Em caso de lesão corporal seguida de morte, a pena é prisão, de quatro a doze anos, se culminar em óbito e as circunstâncias evidenciarem que o agente não quis o resultado, nem assumiu o risco de produzi-lo.

Leia outras notícias em Imirante.com. Siga, também, o Imirante nas redes sociais Twitter, Instagram, TikTok e canal no Whatsapp. Curta nossa página no Facebook e Youtube. Envie informações à Redação do Portal por meio do Whatsapp pelo telefone (98) 99209-2383.