Reflexão na pandemia

Religiões estimulam práticas para cristãos e espíritas se fortalecerem

Membros do catolicismo, espiritismo e fiéis das comunidades evangélicas enfatizam a necessidade de valores espirituais e fé para crescimento de ideais de caráter nas lições da pandemia

Thiago Bastos / O Estado MA

Atualizada em 11/10/2022 às 12h19

[e-s001]São Luís - O ser humano, ao longo da história, enfrentou problemas de ordem econômica, social e, principalmente, sanitária. A crise vivida neste momento devido à propagação do coronavírus em todo o mundo é mais uma prova de que, de tempos em tempos, o planeta é assolado por questões que atingem a todos de forma uniforme, independentemente da cor, condição social ou personalidade.

E em cada período mais tenso da história global, o homem se depara com mais uma oportunidade de ensinamento. Rever conceitos, métodos de vida e, principalmente, mudar a perspectiva em relação aos bens materiais é comum quando o cidadão percebe uma ameaça ao seu bem-estar.

Antes do apelo psicológico e físico para suportar tal situação alarmante, a religião ainda é fundamental. Se para os descrentes, ou os intitulados ateus, não há a presença de um deus como ser supremo de todos nós, para os cristãos, é momento de fortalecimento dos valores de fé e da importância, em especial, da figura de Jesus Cristo.

Católicos, protestantes e espíritas creem, cada um sob diferentes perspectivas, na presença de Jesus na terra. No entanto, se para os dois primeiros, é fundamental a criação de uma ordem para o culto e o agradecimento ao filho de Deus, para os espíritas, o mais importante da história de Jesus é o ensinamento deixado por ele, ou seja, de valorização dos sentimentos de fraternidade e amor ao próximo.

O Estado também ouviu dirigentes e representantes do catolicismo, espiritismo e do segmento evangélico, para saber de cada um deles as perspectivas do mundo no pós-pandemia. A opinião unânime é que, da doença, o homem aprenderá a respeitar mais o outro. Para todas estas religiões ou visões de vida, o planeta terá diferenças em relação à sua configuração antes do aparecimento dos primeiros casos da Covid-19.

Crença no mundo melhor
Considerada ainda a religião mais representativa do universo, o catolicismo ampliou fortemente suas bases doutrinarias ao longo dos séculos. Sempre se adaptando aos tempos e ao surgimento de novas religiões – e de movimentos de contestação a teses levantadas pela igreja católica, como representou a Reforma Protestante – o catolicismo tem como meta agregar novos fiéis e seguidores, ao mesmo tempo em que as celebrações presenciais estão suspensas, em especial no Maranhão.

Um dos ramos do cristianismo, o catolicismo preserva a importância às figuras de Deus e Jesus Cristo. Além disso, reverencia santos e símbolos que, na visão dos próprios católicos, são fundamentais para se chegar ao ser supremo.

No cenário moderno, o catolicismo enfrentava o desafio de não perder seguidores, diante em especial do crescimento das igrejas evangélicas. Com a pandemia – e com a tragedia – lideranças e autoridades da religião discutem as melhores formas de conforto a quem perdeu um ente querido na doença.

A forma encontrada pelo catolicismo para isso foi a busca pela fundamentação nas passagens bíblicas. Se antes a palavra era vista como essencial para o andamento das atividades católicas, com a pandemia e isolamento das pessoas, muitas vezes as palavras descritas no livro sagrado são a única forma de conforto.

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Prioridades
Mudanças são sugeridas na prática católica após a pandemia do coronavírus. Dentre as que devem ser mais evidenciadas, estão no estímulo às práticas missionárias. Ajudar ao próximo e, em consequência, a si próprio (pela crença de que está se fazendo um mundo melhor) fomentará ideias como simplicidade e solidariedade.

Serão ainda mais comuns, no pós-pandemia, ações sociais voltadas às comunidades mais pobres e de assistência aos mais vulneráveis. Com base nos pensamentos de Jesus Cristo de que ele se faz presente no outro, mesmo naquele mais simples, pessoas que se culpam por não ajudar como deveriam vão se sentir mais incentivadas a participar de projetos de auxílio social.

Esse olhar ao que mais precisa será ainda a marca da igreja católica no pós-pandemia. Com os efeitos da crise econômica que assola determinadas sociedades, a diferença entre os mais privilegiados financeiramente e os que tem menos acesso a recursos se acentuará e exigirá um amparo ainda maior de quem tem o interesse de ajudar.

Outro ponto importante de mudança na relação entre o catolicismo e o mundo será a sua relação com a ciência. Se por séculos, fé e racionalidade entraram em conflito, por várias vezes, a ideia é que os dois campos (religião e ciência) passem a atuar de forma mais harmoniosa.

Conflitos de ideias e visões distintas, por exemplo, sobre o tratamento a ser dado à Covid-19 deverão cessar. A igreja, apesar de estimular as práticas de fé, deverá se abrir aos tratamentos de prevenção e de cura futura desta e de outras enfermidades.

Por fim, os líderes religiosos, em especial, do catolicismo deverão estar mais cientes da forma com que abordam a palavra de Deus e Jesus Cristo. Será fundamental, para a manutenção do interesse dos frequentadores dos templos, a modificação dos ritos das missas e de transporte da mensagem de Cristo para os fiéis. Ainda que com restrições sanitárias, a elaboração de ritos mais criativos será uma marca dos “novos tempos”.

E a volta?
Os responsáveis pelas igrejas de São Luís iniciaram a preparação destas construções para o recebimento gradativo dos católicos na volta das missas. Por enquanto, as celebrações são transmitidas via internet e a eucaristia é realizada em ato itinerante, ou seja, com o padre indo até aos fiéis.

A Paróquia Nossa Senhora da Penha, no bairro Anjo da Guarda em São Luís, está com a estrutura pronta para passar a receber fiéis a partir do dia 1º do próximo mês. Para o responsável pelo tempo, padre Jadson Borba, o catolicismo sairá mais fortalecido com a pandemia. “As pessoas, dentro de suas casas, com o isolamento e temerosas com o futuro global, estão ainda mais apegadas à sua fé. É do ser humano, ou seja, quando se vê com uma dificuldade, busca o apoio necessário em Deus, quando perde as esperanças de resolução por conta própria”, afirmou.

Para o padre, o sentimento de compaixão será comum entre os católicos no pós-pandemia. “Há uma diferença muito clara entre pena e compaixão. No sentimento de pena, você reconhece o sofrimento do outro, mas não sofre com isso. Na compaixão, o homem sente como se o problema o tivesse atingido. Será com a compaixão e o querer bem o outro que os católicos estarão após tudo isso passar”, disse Borba.

[e-s001]Olhar maior para a salvação
Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontam para um crescimento da população evangélica no país. Levantamento da entidade projeta, inclusive, uma possibilidade de que os evangélicos ultrapassem o quantitativo de católicos até 2022.

Certas ou não as estimativas, é preciso ressaltar a crença da religião de que Jesus Cristo é nosso salvador. Com base nisso, lideranças religiosas voltadas para as igrejas pentecostais (consideradas mais tradicionais e voltadas para a doutrina cristã) e presbiterianas atestam que os cidadãos – cientes de sua fragilidade diante das enfermidades do planeta – serão mais cautelosos em seus atos.

Líder da igreja Assembleia de Deus na cidade maranhense de Timon (MA) – distante 420 quilômetros de São Luís – há 21 anos, o pastor Euvaldo Sá entende que haverá reflexões dos cristãos diante da pandemia. “Certamente, as pessoas medirão com mais cuidado os seus atos”, disse.

Ele ressalta que, nos escritos bíblicos, não há qualquer referência direta ao enfrentamento de pandemias pela sociedade global. “Não está escrito que a Covid-19 é uma obra de Deus para dar uma lição à humanidade. O que não quer dizer que as pessoas não possam aprender com todo este sofrimento”, ressaltou.

Para o dirigente, aqueles que não aceitam Jesus como salvador podem fazê-lo o quanto antes. “Neste momento, de tanto sofrimento para todos, é preciso que as pessoas reflitam na importância da obra de Deus, que mandou seu único filho para nos salvar. É a partir da sua benevolência e profunda bondade que superamos esta crise”, afirmou.

Fundamento bíblico
Em Mateus, capítulo 24, versículos de seis a oito, o apóstolo explica que a sociedade “ouvirá falar de guerras e rumores de guerras” e que, segundo o autor, estas deverão ocorrer, mas que isso não significará o fim. Para a reflexão evangélica, este será apenas o “início do fim”.

A visão presbiteriana da pandemia
Dentro da perspectiva escatológica, ou seja, a visão referente ao fim da humanidade, a igreja presbiteriana ligada ao segmento evangélico não crê que toda a tragédia está ligada à Cristo.

Para o pastor Lúcio Carlos, da igreja presbiteriana do Centenário, o período da pandemia é o momento em que toda a humanidade deve estar vigilante, com o pensamento a partir da importância de Cristo, porém sem perder a visão de nosso tempo. “As nações precisam se curvar aos pés de Deus. As pessoas precisam entender que a noção de que os recursos e os bens são fundamentais precisam cair por terra”, afirmou.

Volta dos cultos
Igrejas da capital maranhense e do interior preparam a volta aos cultos gradualmente. Enquanto os trabalhos presenciais estão suspensos, várias congregações apostam na promoção dos cultos e dos ensinamentos bíblicos via internet. Na Assembleia de Deus, em Timon por exemplo, uma equipe do setor de comunicação da congregação foi criada para dar o suporte técnico às transmissões.

SAIBA MAIS

[e-s001]Pandemia aproxima as pessoas, na visão espírita

Ser espirita, na visão dos próprios, não é apenas seguir uma religião. O espiritismo é, além de uma religião, um modo de vida – agregada a valores científicos e de fé. Na visão dos espiritas, o corpo é um elemento meramente material e uma espécie de “capa”, sem o espírito ao lado.

Na visão espírita, a pandemia deve aproximar as pessoas, pela exacerbação dos sentimentos de solidariedade e preocupação das pessoas em fazer o bem e escrever uma história antes de um eventual fim dos tempos. A pandemia, ainda na visão espírita, mostra a fragilidade do homem e pode representar o casamento entre o ser humano com sua tranquilidade interior, a partir da crença do amor incondicional de Cristo conosco.

Para o psicólogo humanista, Artel Mafra, e membro da diretoria do Centro Espírita Francisco de Assis, a crise sanitária também demonstra a necessidade de se preocupar com o outro. “A preocupação maior é com a solidariedade. O homem não é nada sem o seu espírito conosco. Logo, é preciso valorizar estas atitudes de fazer o bem para o outro”, disse.

Ainda na visão do espiritismo, não existe a morte. Ou seja, ainda que haja perdas durante a pandemia, este processo é visto como uma passagem do espírito para outro plano superior. “Nós não morremos. Nós desencarnamos e nosso espírito pode se incluir em outro corpo, levando consigo todas as angústias e características da presença anterior”, frisou Mafra. Atualmente, são mais de 3,8 milhões de espiritas no país. Durante a pandemia, centros de referência da religião suspenderam as atividades que, até o momento, não tem data para o retorno presencial.

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