Infância

Isolamento social deixa crianças e adolescentes mais vulneráveis à violência

Apenas este ano já foram registrados 140 casos de abuso sexual infantil na Ilha; denúncias podem ser feitas anonimamente pelo Disk 100 ou Conselho Tutelar

Bárbara Lauria / O Estado

Atualizada em 11/10/2022 às 12h19
70% dos casos de violência sexual relacionados a crianças e adolescente foram cometidas na casa da vítima ou do agressor
70% dos casos de violência sexual relacionados a crianças e adolescente foram cometidas na casa da vítima ou do agressor (criança)

São Luís – Com o isolamento social e a suspensão das aulas em todo o estado, crianças e adolescentes estão passando mais tempo em casa com seus familiares. Contudo, o que deveria ser algo normal, muitas vezes significa risco para esses jovens. De acordo com uma pesquisa do Disk 100 realizada em 2019, mais de 70% dos casos de violência sexual relacionados a crianças e adolescente foram cometidas na casa da vítima ou do agressor.

“Longe da escola, principalmente as meninas, são responsabilizadas de forma integral pelos afazeres domésticos. Os dados do disque 100 apontam que aproximadamente 70% das violências acontecem dentro da casa vítima ou do agressor, a maioria dos autores são pessoas do círculo familiar. E com isolamento social, a casa pode não ser o lugar mais seguro para muitas crianças e adolescentes”, explicou Tarcila Moraes, secretária Executiva do Fórum Especial de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil, em entrevista para O Estado no dia 6 de junho.

Segundo o presidente do Conselho Municipal da Criança e do Adolescente (CMDCA), Marcos Japi, este ano, já foram registrados 140 casos de abuso sexual na Ilha de São Luís, dos quais 97 vítimas eram meninas e tinham a faixa etária de 1 ano e 9 meses a 12 anos.

De acordo com ele, a maioria desses casos foi denunciado que o abusador era próximo da vítima. “Neste período, agora, os conselhos tutelares já receberam denúncias em que as pessoas que estavam fazendo a denúncia falaram que o suspeito era padrasto, mãe, vizinho, etc.”, esclareceu.

A Secretária de Segurança Pública informou que apenas durante a pandemia (de março a maio) foram registrados 47 casos de violência infantil apenas da Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente (DPCA).

Além de abusos sexuais, as crianças e adolescentes estão mais sujeitas a outros tipos de violência nesse momento de maior contato com o abusado, como o trabalho infantil. “Considerando os impactos econômicos e sociais da pandemia, acreditamos que vamos enfrentar o agravamento do trabalho infantil, tendo em vista que um dos fatores que influenciam a exploração precoce é a questão econômica”, explicou Tarcila Moraes, em entrevista.

De acordo com a Secretaria do Desenvolvimento Social (Sedes), por meio de políticas públicas o Governo do Estado reduziu em 87,8% o número de famílias inseridas no Cadastro Único (CadÚnico) com marcação de trabalho infantil no Maranhão, desde 2015, segundo informações do Ministério da Cidadania. Crianças e adolescentes retiradas da condição de violação de direitos, são inseridas em serviços socioassistenciais com acompanhamento familiar, no âmbito da política de assistência social associada às demais iniciativas do Governo do Estado, em outras políticas públicas.

O CMDCA informou que ocorrerá hoje, 18 de junho, uma plenária extraordinária do conselho da criança com a participação do secretário de educação do município e conselho de educação para discutir sobre a questão das escolas como estão sendo preparadas para uma possível volta das aulas, o que pode ajudar a essas crianças que estão em risco passando mais tempo em casa.

SAIBA MAIS

TIPOS DE VIOLÊNCIA

A Violência contra a criança pode ocorrer de várias formas desde negligência dos pais a agressões físicas e abuso sexual. Segundo Marcos Japi, os crimes mais comuns contra a criança e o adolescente são:

Evasão escolar – Considerado como abandono escolar, ocorre quando a criança ou adolescente para de frequentar aulas por diversos motivos.

Negligência - Pode ser física, emocional ou educacional. Ela ocorre, por exemplo, quando há falta de cuidados, afeto, higiene, ambiente adequado para educação e, até mesmo, quando os responsáveis deixam as crianças sozinhas brincando para não incomodarem.

Maus tratos – Os maus tratos englobam todos os outros tipos de violência podendo ser abusos físicos ou emocionais.

Abuso sexual - A violência sexual contra a criança é considerada um crime de violência extrema, pois deixa sequelas de grandes magnitudes que podem acompanhar até a vida adulta e destruir todo um projeto de vida. Ela pode ocorrer de forma física, com ou sem violência, ou sem contato físico, por meio de exposição de partes do corpo, histórias que o abusador conta, ou até mesmo o abusador forçando o ato daquela criança ou adolescente com um terceiro. A violência sexual, devido a sua complexidade, divide-se em: Abuso sexual intrafamiliar e extrafamiliar e Exploração sexual e comercial de crianças e adolescentes.

Trabalho infantil - Trabalho infantil é qualquer forma de trabalho realizado por crianças e adolescentes abaixo da idade mínima permitida pela legislação de cada país. No Brasil, qualquer forma de trabalho infantil é totalmente proibida até os 14 anos de idade. Já entre 14 e 16 anos de idade, a única forma legalmente aceita é o trabalho na condição de aprendiz, enquanto entre os 16 e 18 anos, existe uma permissão parcial para trabalho de adolescentes – no entanto, são proibidas pela Lei qualquer atividade noturna, insalubre, perigosa e penosa para crianças e adolescentes. De acordo com Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), divulgado em 2016, o estado do Maranhão ocupava a 7ª posição no ranking nacional de exploração do trabalho de crianças e adolescentes. A pesquisa mostra que cerca de 94 mil maranhenses, entre 5 e 17 anos trabalham irregularmente no estado.

A VÍTIMA

De acordo com os dados levantados pelo CMDCA, a maioria dos casos de abuso sexual acontecem com meninas de até 12 anos. Normalmente os casos de violência e abusos infantis ocorrem com crianças e adolescentes que estão na classe da baixa pobreza. “A maioria dos pais saem para trabalhar e deixam os filhos menores com alguém, muitas das vezes com os filhos de maior idade”, concluiu Marcos Japi.

SINAIS

De acordo com Marcos Japi, a criança ou adolescente que está passando por abusos apresenta sinais, e é necessário ficar atento para que possa ajudá-los. Os sinais são: agressividade, depressão, automutilação, distúrbio do sono, falta de apetite, ansiedade, medo de adultos, baixa autoestima, isolamento social, dificuldade de aprendizagem e concentração, comportamentos sexuais inapropriados para sua idade, dificuldade de andar, dor ou inchaço na área genital ou anal.

DENÚNCIAS NA PANDEMIA

A maioria das denúncias eram feitas de forma presencial nos conselhos tutelares, contudo, com a pandemia, essas denúncias estão sendo feitas agora por telefone.

“Em tempos normais as pessoas vão ao conselho com mais frequência. Quem acessa normalmente este órgão são pessoas de baixa renda, e muitos não possuem celular e, quando tem, não tem dinheiro para colocar credito para ligar para o celular do conselho. Hoje, os conselhos não possuem mais telefone fixo, e a operadora que atende os conselhos é a TIM”, explicou o Presidente do CMDCA. Para facilitar a denúncia, os conselhos tutelares estão baixando o aplicativo do Whatszapp nos aparelhos para facilitar o recebimento das denúncias. Eles também possuem um card com os números de todos os Conselhos Tutelares que são distribuídos nos grupos da comunidade.

A denúncia pode ser feita de forma anônima pelo Disk 100 ou nos números de telefone de cada Conselho Tutelar:

Centro/Alemanha 98843.0151
Itaqui/ Bacanga 98843.0150
Vila Luizão/ Olho d’Água 98843.0347
Cidade Operaria/Cidade Olímpica 98844.0168
Coroadinho/João Paulo 98844.0169
Zona Rural 98865.0305
São Cristóvão/São Raimundo 98843.0346
Cohab/Cohatrac 99120.285
São Francisco/ Cohama 99125.8718
Anil/ Bequimão 99133.3863

APÓS DENÚNCIAS

Após feita a denúncia, no caso de violência sexual, depois de passarem pelo Conselho Tutelar, as vítimas vão para o Centro de Perícia para ser aberto procedimento de abertura de inquérito para que o criminoso seja penalizado. Após isso, a criança ou adolescente é encaminhada para o acompanhamento psicológico. Já no caso dos outros tipos de violência, a criança ou o adolescente são encaminhados para o Centro de Referência de Assistência Social (Cras), Centro de Referência Especializado de Assistência Social (Creas) ou para a Delegacia de Proteção a Criança e Adolescente (DPCA).

Projetos

O Conselho da criança financia projetos sociais que funcionam no contra-turno das escolas, no tempo em que as crianças e adolescente possuem, para que, em vez de fica na rua vivendo uma situação de trabalho, de violência sexual ou situação de rua, estas crianças a adolescentes fiquem nos projetos.

Para doar, é necessário, ao acessar o programa da Receita Federal, preencher as informações. O contribuinte, pessoa física ou jurídica, deve ir à opção doações, Estatuto da Criança e do Adolescente, incentivo fiscal Fundo da Criança e do Adolescente, e informar o CNPJ 21.551.009/0001-60 e o valor. Daí em diante, o próprio programa calcula o percentual da doação. A conta para doações é do Banco do Brasil: C/C 8092-6 e agência 3846-6.

Casos registrados de março a maio pela Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente
Março
Estupro de vulnerável (crianças menores de 14 anos) - 11
Lesão corporal dolosa - violência doméstica - 4
Maus tratos - 1
Estupro simples - 1
Abril
Estupro de vulnerável (crianças menores de 14 anos) - 6
Lesão corporal dolosa - violência doméstica - 3
Maus tratos - 1
Estupro simples - 1
Maio
Estupro de vulnerável (crianças menores de 14 anos) - 11
Lesão corporal dolosa - violência doméstica - 4
Maus tratos – 4
Estupro simples – não houve registro

NÚMEROS

70% dos casos de violência acontecem dentro da casa da vítima ou do agressor

140 casos de abuso sexual a crianças ou adolescentes aconteceram este ano na Ilha

97 das vítimas de abuso, este ano, eram meninas e tinham de 1 ano e 9 meses a 12 anos

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