Artigo

Pandemia de incertezas

Kécio Rabelo, advogado, membro da Comissão Justiça e Paz de São Luís

Atualizada em 11/10/2022 às 12h20

O mundo foi surpreendido com o surgimento da Covid-19 por infecção do novo coronavírus. Em menos de três meses, o vírus já havia se espalhado em escala global, levando a OMS à declaração de pandemia. Os sintomas da doença, em muitos casos de uma gripe comum, somam-se ao pavor coletivo decorrentes de muitas incertezas: o que é este vírus? qual o tratamento? a quem mais ele atinge? quanto tempo durará a pandemia? - essas e outras perguntas desafiam o currículo científico e impõem a pesquisadores e nações uma corrida desigual em busca do antídoto para esse mal.

Não pretendo uma explicação técnico-científica sobre o vírus e seus desdobramentos no organismo humano, não é minha área. Temos notícias ainda tímidas de protocolos de tratamento que têm mostrado bons resultados. No entanto, algumas medidas tem sido recomendadas como forma eficaz de contenção do contágio e, consequentemente, para encurtamento da proliferação do vírus, como: lavar aos mãos com água e sabão, ficar em casa - o chamado isolamento social - manter distância mínima entre pessoas, dentre outras medidas de amplo conhecimento. É neste quesito que nos cabe uma reflexão.

O Brasil, país continental, conhecido por suas terras férteis, paisagens exuberantes, cultura diversificada, clima tropical e gente feliz, é banhado com a generosidade do Criador. Se de um lado, temos o Atlântico majestoso, entrelaçado por grandes rios que multiplicam vida por onde passam, por outro, neste país rico em águas, segundo dados do IBGE (2017), indicam que cerca de 31 milhões de brasileiros vivem em “residências” sem acesso a abastecimento de água e 74,4 milhões, em casas que não estão conectadas à rede de coleta de esgoto.

O mesmo estudo releva que pouco mais da metade da população (62,1%) têm acesso simultâneo à água encanada, rede de esgoto e coleta de lixo. Outro dado que merece atenção é sobre o que o IBGE chama de "adensamento excessivo", ou seja, o compartilhamento do mesmo dormitório por mais de três pessoas; ou, ainda, a coabitação, quando mais de uma família habita, a mesma moradia, realidades vividas por aproximadamente 35% das famílias empobrecidas, em um país que possui um déficit habitacional de mais de 6 milhões de moradias.

No Maranhão, o cenário é ainda pior. Segundo dados do Instituto Trata Brasil - Organização da Sociedade Civil de Interesse Público formada por empresas do setor de saneamento e proteção de recursos hídricos, 47,3% da população não tem acesso à água. Quando o assunto é coleta de esgoto, o número alcança surpreendentes 88,4% num Estado que, segundo o IBGE, entre os anos de 2016 e 2018 registrou um aumento de 223 mil de pessoas que voltaram à extrema pobreza, superando a casa de 1 milhão de maranhenses nessa situação.

Esses dados são um retrato do Brasil que a Covid-19 encontrou, isso sem falar no desemprego, na recessão, na grave crise política e econômica potencializada com o alijamento do processo democrático e a consequente eleição do atual presidente. Presa fácil, portanto, à disseminação do coronavírus, como tem mostrado largamente as estatísticas e as histórias tristes de tantas vidas ceifadas de que temos sido testemunhas, aflitos e entristecidos.

É difícil traçar um panorama geral de como estamos vivendo este período de isolamento social. As realidades diversas desafiam o modo, mas também, a própria lei da sobrevivência, demarcando territórios quase geográficos de onde tudo falta e agora sobra, de um número crescente e alarmante de infectados, adoentados e mortos, historicamente enclausurados nas periferias. É claro que estamos diante de um vírus que não escolhe classe, cor, credo ou opção político-ideológica. Mas, como todas as grandes mazelas humanas, pesa sua mão sob os mais fracos e vulneráveis que de muito já conhecem o isolamento social, e muito mais o social distanciamento. Ficar em casa? - o apelo acertado das autoridades sanitárias -, nestes endereços pode soar como uma verdadeira sentença de morte por inanição. Justamente por isso, ao falar da água, não quis falar do sabão.

“Pra não dizer que não falei das flores”, recordando Vandré, de outro lado, na contramão dos que estimulam a flexibilização de tudo para não desagradar o “Deus mercado”, estão milhares de brasileiras e brasileiros, em sua maioria jovens, profissionais da saúde: médicos, enfermeiros, pesquisadores, maqueiros, zeladores, todos atendendo por único nome: cuidadores da vida. Junto com os que vencem o vírus, são eles a nos oferecer bons exemplos e inspiração, sobretudo quando há, quem do alto das torres douradas do poder, desafie diariamente em tom de deboche, testando a nossa coragem e capacidade de reagir. Em meio a tantas incertezas, irmanemo-nos à insistência de Vandré: “somos todos iguais, braços dados ou não”.

E-mail: keciorabeloadv@gmail.com

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