Artigo

A distribuição de bens essenciais em tempo de pandemia

Gustavo Araujo Vilas Boas, Advogado e membro titular do Tribunal Regional Eleitoral do Maranhão

Atualizada em 11/10/2022 às 12h20

Uma das coisas mais difíceis no direito eleitoral é a identificação do tal do abuso de poder. Isso sempre foi uma problemática na jurisprudência eleitoral, inclusive no próprio Tribunal Superior Eleitoral.

A propósito, a jurisprudência do TSE se inclinou pela prescindibilidade da análise da potencialidade lesiva, ou seja, basta que o ato seja considerado grave dentro das circunstâncias atreladas ao ato. Mas o que é gravidade para o Direito Eleitoral? Trata-se, em verdade, de conceito totalmente aberto e de interpretação nitidamente subjetiva.

No Brasil não se verifica um critério objetivo do conceito de “gravidade” descrito em lei. Não há parâmetros para se identificar o que vem a ser um fato grave. O critério é, pois, de ordem subjetiva.

A partir da premissa supra, verifica-se que nos tempos atuais de pandemia, tornou-se comum a verificação de distribuição de cestas básicas e outros bens tidos por essenciais por parte de diversos pré-candidatos.

Gravidade é um conceito abstrato. A gravidade da conduta deve ser interpretada dentro de um contexto determinado. Quais as causas e as circunstâncias? Tomemos como exemplo o fato acima mencionado (distribuição de cestas básicas em tempos de pandemia). Qual a intenção do pré-candidato em divulgar a distribuição?

É preciso ter cautela. O motivo parece ser dos mais justos e nobres possíveis, contudo, a Justiça Eleitoral certamente irá fazer a necessária verificação do fato e de tudo o quanto se relaciona ao ato, isto é, as causas, as circunstâncias e até mesmo o fim pretendido pela conduta praticada.

Por exemplo, qual o local da distribuição dos bens? Quem comprou as cestas básicas e quem as entregou? Quem são os beneficiários das cestas? Quais as circunstâncias dessa entrega? Em que momento? Tudo isso implicará de forma direta na decisão do juiz.

A partir de então, a Justiça Eleitoral passa a transparecer uma espécie de interpretação objetiva à norma. Para tanto, utiliza os critérios outrora mencionados.

Com efeito, nem todo abuso de poder acarreta o automático desfecho da cassação de registro ou de diploma, competindo à Justiça Eleitoral exercer um juízo de proporcionalidade entre a conduta praticada e a sanção a ser imposta.

A Justiça Eleitoral deverá mensurar os reflexos eleitorais da conduta, não obstante não mais se constituir um fator determinante para a ocorrência do abuso de poder. O que interessa é o desvalor do comportamento e a consequente violação da liberdade de voto do eleitor.

Na doutrina, assevera José Jairo Gomes (Direito Eleitoral, 12ª Ed. Atlas, São Paulo, p. 312) que: “Basta que o uso de poder econômico em benefício de candidato seja distorcido, de maneira a desvirtuar o sentido das ideias de normalidade do pleito, liberdade, justiça e sinceridade nas eleições, democracia igualitária e participativa”.

Pois bem. Para a configuração do ato abusivo bastará a análise da gravidade das circunstâncias que o caracterizam. Impõe-se a comprovação, de forma segura, da gravidade dos fatos imputados, demonstrada a partir da verificação do alto grau de reprovabilidade da conduta e de sua significativa repercussão a fim de influenciar o equilíbrio da disputa eleitoral.

Efetivamente, a velha máxima de que “cada caso é um caso” continua ainda mais em evidência em tempos de pandemia.

Fique de olho. A Justiça Eleitoral está atenta!

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