Análise

Obra revisitada

Escritores falam sobre a importância da obra de Sarney para a literatura brasileira 

Atualizada em 11/10/2022 às 12h20
José Sarney no lançamento de O Dono do Mar
José Sarney no lançamento de O Dono do Mar (josé sarney)

Romancista, contista, poeta, cronista e memorialista. São muitas as facetas literárias de José Sarney impressas em muitos livros publicados em diversos idiomas ao longo de sua carreira literária. Para saudá-lo pela passagem de seus 90 anos, celebrados neste 24 de abril, escritores maranhenses falam de suas características enquanto homem das letras, tradutor de sentimentos e contador de muitas e diversas histórias imortalizadas por meio de sua pena.

“Sarney me faz lembrar de Romullo Gallegos, escritor e presidente deposto por golpe militar na Venezuela. São-lhes comuns o vigor telúrico e a personagem feminina forte. E o fato já explicitado da atuação política junto ao exercício literário. Se Gallegos fez dos llanos venezuelanos (o que se assemelha ao nosso nordeste) sua ambiência romanesca, Sarney elegeu o Maranhão como fonte de inspiração. Passadas as paixões políticas, permanecerá na História dos homens e na literatura brasileira como o escritor presidente. Nada lhe tirará a força de sua produção literária e o orgulho maranhense de ter produzido um presidente da República, hoje tão necessitada de cultura, bom-senso e resiliência. E Sarney foi tudo isso, em vida e literatura, o governante amante das artes, o cultor do equilíbrio e regente de tormentas. Vida longa ao homem das mágicas terras maranhenses e eternidade à sua ficção encantada e sua poesia com sopro de vida”.

Ronaldo Costa Fernandes, escritor

“A maior Odisseia do Sarney é a própria biografia do Sarney, não aquela de títulos e honrarias, mas o seu rastro de humanismo trilhado a partir do seu eu poético carregado de maranhensidade e brasilidade, num percurso onde maribondos de fogo e mares encantados jamais o impediram de seguir sempre amando o seu povo e a sua pátria. José Sarney é uma, entre poucas personalidades, que impactaram de forma indelével a história brasileira no século XX e começo desse século XXI. Isso por que Sarney pertence a um círculo restrito de brasileiros com mentes brilhantes, e que, de forma genial e sábia, contribuiu para que o Brasil não soçobrasse nas trevas tempestuosas de chumbo que ameaçaram a nossa democracia”.

Alex Brasil, escritor

“A produção intelectual de José Sarney é muito vasta, perpassa por diversos gêneros textuais e aborda múltiplas temáticas. Como poeta, Sarney se notabilizou com a publicação da A Canção Inicial (1954) e “Maribondos de Fogo” (1978), porém seu outro livro de poemas – “Saudades Mortas” (2002), que acabou eclipsado pelo conjunto da obra, também merece uma atenção especial. Trata-se de um livro no qual lirismo e reminiscências se misturam tecendo um todo harmônico no qual se sobressai a essência do humano em suas várias vertentes. São versos que rememoram “lembranças de um tempo em que não sabíamos / que secas/ estavam / as raízes de nossas avencas” e que destacam a sensibilidade artística de um homem que é capaz de tirar das dores vividas e das dádivas recebidas a matéria-prima de sua obra poética”.

José Neres, escritor


“José Sarney produziu mais de uma centena de obras que abrangem ensaios, poesia, contos, romance, crônicas, biografia e discursos. A sua produção romanesca é marcante no romance maranhense e brasileiro do séculos 20 e 21. Em ‘O Dono do mar’ esquadrinha os segredos dos mares, seus naufrágios e aparições, partilha dos saberes dos pescadores, mergulhando no seu universo onírico próprio, magistralmente recriado. Em ‘Saraminda’, conta a saga do garimpo na floresta amazônica, embalada no fascínio da mulher dos seios de bicos de ouro, símbolo do desejo e da ambição. Em ‘A Duquesa vale uma missa’, vai buscar no espaço urbano e no interior do personagem, o novo espaço de criação. Esses romances, traduzidos em diversas línguas têm repercussão internacional e foram louvados, dentre outros, pelos escritores Darcy Ribeiro, Jorge Amado, Heitor Cony, Raquel de Queirós, Claude Levi-Strauss e Maurice Druon”.

Ceres Costa Fernandes, escritora

“‘Saraminda’ me prendeu logo na primeira frase: ‘Caiena é triste’. A sequência dos quatro parágrafos seguintes completa a descrição perfeita do cenário da capital da Guiana Francesa, ä época em que se desenrola o enredo. Tempos depois, quando percorri aquele ambiente físico, a partir de Saint-Georges, me empolguei mais com o romance do nosso confrade José Sarney. “Saraminda”é uma obra que merece estar na galeria dos melhores romances de autores maranhenses. O poder criativo do autor transporta o leitor para um mundo de erotismo, garimpo e algo de sobrenatural. A força da personagem Saraminda ‘satanicamente bela’, como a descreveu José Louzeiro, domina os homens de Calçoene, Caiena e toda a atenção do leitor, que acaba apaixonado por ela”.

Lourival Serejo, escritor

“Além de sua extensa bibliografia constituída de ensaios, crônicas, discursos sobre história, política e administração, a prosa de José Sarney – sobretudo em obras como Norte das Águas, O dono do Mar, e Saraminda -, mantém o Maranhão no lugar de destaque antes conquistado e assegurado por outros grandes conterrâneos no panorama da literatura nacional, a partir do Século 19. Ainda hoje, desde o seu lançamento em 1995, O dono do mar é insuperável e monumental obra romanesca, na qual o Mar nos surpreende como personagem principal de uma tragédia plena de força telúrica. Um clássico da moderna arte literária brasileira!”

Joaquim Itapary. Ex-presidente da AML


“Não resta nenhuma dúvida de que ao longo da vida de José Sarney o viés político e o viés literário sempre andaram juntos. Diante dessa evidência, uma pergunta aflora: qual o viés que veio primeiro à tona, o político ou o literário? Para quem acompanha a vida de Sarney, a resposta é imediata e cristalina: o viés literário veio antes do político. Enquanto as atividades políticas e partidárias de Sarney começaram nos meados da década de 1950, ao se lançar candidato a deputado federal, pelo PSD, as iniciativas e ações voltadas para a sua formação literária, desabrocharam nos anos 1940, tempo em que estudou no Colégio Maristas e no Liceu Maranhense, quando aproveitava as horas de folga para marcar presença na Biblioteca Pública do Estado, na Rua da Paz, onde passava o tempo disponível, lendo obras de renomados escritores portugueses e brasileiros e fazendo as suas primeiras incursões no campo da poesia, que o levaram a juntar-se aos jovens de sua geração – Bandeira Tribuzi, Ferreira Gullar, Lago Burnett, Luís Carlos Bello Parga, que se reuniam numa movelaria, na Rua do Sol. Vem dessa época, duas importantes colaborações de José Sarney, no campo literário: a publicação da Revista A Ilha, com Tribuzi e Bello Parga, e Afluente, com Lago Burnett”.

Benedito Buzar, escritor e ex-presidente da AML

“Às‌ ‌vezes,‌ ‌fico‌ ‌imaginando‌ ‌como‌ ‌seria‌ ‌o‌ ‌mundo‌ ‌se‌ ‌algumas‌ ‌pessoas‌ ‌não‌ ‌existissem.‌ ‌Como‌ ‌seria‌ ‌o‌ ‌Brasil‌ ‌sem‌ ‌Getúlio,‌ ‌sem‌ ‌JK,‌ ‌sem‌ ‌Brasília?‌ ‌Como‌ ‌seria‌ ‌Maranhão,‌ ‌sem‌ ‌Sarney?‌ ‌Quando,‌ ‌como,‌ ‌com‌ ‌quem,‌ ‌com‌ ‌que‌ ‌teríamos‌ ‌chegado‌ ‌à‌ ‌modernidade?‌ Imagino‌ ‌Sarney‌ ‌tendo‌ ‌sido‌ ‌apenas‌ ‌governador‌ ‌do‌ ‌Estado.‌ ‌Quem‌ ‌teria‌ ‌deixado‌ ‌maior‌ ‌nome‌ ‌na‌ ‌História?‌ ‌Porque‌ ‌Sarney‌ ‌foi‌ ‌o‌ ‌nosso‌ ‌Juscelino.‌ ‌Imagino‌ ‌Sarney‌ ‌não‌ ‌mais‌ ‌que‌ ‌escritor:‌ ‌um‌ ‌dos‌ ‌nossos‌ ‌maiores.‌ ‌Jorge‌ ‌Amado‌ ‌disse‌ ‌que‌ ‌o‌ ‌político‌ ‌José‌ ‌Sarney‌ ‌causou‌ ‌graves‌ ‌prejuízos‌ ‌ao‌ ‌escritor‌ ‌José‌ ‌Sarney.‌ ‌Eu‌ ‌fico‌ ‌pensando‌ ‌é‌ ‌como‌ ‌seria‌ ‌o‌ ‌segundo‌ ‌sem‌ ‌o‌ ‌primeiro.‌ ‌Porque‌ ‌a‌ ‌obra‌ ‌romanesca‌ ‌de‌ ‌Sarney‌ ‌é‌ ‌construída,‌ ‌toda,‌ ‌com‌ ‌a‌ ‌argamassa‌ ‌da‌ ‌política.‌ ‌Política‌ ‌e‌ ‌erotismo,‌ ‌condimento‌ ‌muito‌ ‌forte,‌ ‌este,‌ ‌de‌ ‌sua‌ ‌ficção,‌ ‌tratado‌ ‌como‌ ‌natural‌ ‌ocorrência‌ ‌das‌ ‌coisas‌ ‌humanas”.‌ ‌

Sebastião Moreira Duarte, escritor ‌




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