Artigo

A peste na Ilha do Maranhão

Lourival Serejo, Desembargador e membro da Academia Maranhense de Letras

Atualizada em 11/10/2022 às 12h20

Em recente crônica sobre a Covid-19, tive a oportunidade de lembrar duas obras da literatura universal que abordam temas pertinentes à tragédia que estamos vivendo: A peste, de Albert Camus; e Ensaio sobre a cegueira, de José Saramago.

Logo depois da publicação, recebi uma ligação do confrade José Ewerton perguntando-me por que não mencionei o romance de Ronaldo Costa Fernandes, sobre o qual já havia feito umas anotações críticas: Vieira na Ilha do Maranhão.

Bati a mão na testa para lamentar o esquecimento imperdoável.

Não seria preciso invocar escritores de tão longe para tratar de um tema que o confrade Ronaldo dissertou muito bem, no sexto capítulo da sua obra. Ainda mais: a ficção dele refere-se com exclusividade à peste na Ilha de São Luís, então chamada de Ilha do Maranhão, no período em que o padre Antônio Vieira circulava pelas nossas ruas.

A peste na obra de Ronaldo Costa Fernandes começou atacando os silvícolas. Depois, espalhou-se pela cidade inteira. O fidalgo dom Rui Serafinho, um jovem namorador e estudioso, mesmo exercendo a medicina sem diploma, e sendo o único “médico” do lugar, foi comunicar ao governador dom Pedro de Melo a chegada da epidemia. O governador resistiu, sob o argumento de que era uma doença de gentios. Advertiu-lhe o esculápio que a moléstia logo se espalharia por todo o território e os brancos seriam atingidos: a peste “é de grosso contágio, branda, ligeira, severa ou negra”.

O governador escondeu-se. Temia que os boatos provocassem desarranjo na economia e fuga dos navios com medo de não contaminarem a tripulação de bordo. Só depois da morte de uma fidalga, o governador mandou que estudassem a doença e levassem a conclusão a ele. Reuniu-se, então, uma comissão de sábios, com a participação de Vieira, outros jesuítas e dom Rui, os quais, consultando vários compêndios de medicina, chegaram à conclusão de que não havia remédio específico para a cura daquele mal. O governador, então, aceitou a realidade e aderiu à estratégia de combate ao contágio, organizada por Vieira e dom Rui. Era o confinamento obrigatório. A Câmara de vereadores aderiu à campanha.

Diz o romancista: “A cidade ficou vazia, as ruas mortas.” Os sinos da Igreja de Nossa Senhora da Luz badalaram o “horror da peste”. Com o confinamento determinado, não entrava nem saía ninguém na cidade. Cada engenho e cada fazenda era uma vila autônoma. A peste expandia-se e matava. No cemitério não havia mais lugar para enterrar os mortos. Os trabalhadores do estaleiro permaneceram trabalhando, mas não podiam sair do local. Só o cabaré de Antonieta a Francesa (sic) resistiu à ordem de isolamento. Seus frequentadores – os “príapos”, como diz o autor – formavam o mesmo grupo dos que hoje negam o coronavirus.

Depois de muito tempo, a potência da peste começou a declinar, até retirar-se da cidade e renascer a esperança dos seus moradores. E a vida da Ilha do Maranhão voltou à normalidade.

Aquele ambiente fictício, narrado tão bem pelo autor, é o mesmo que estamos vivendo hoje na Ilha de São Luís. A ficção tornou-se realidade. Graças à literatura podemos nos transportar para mundos imaginários que, muitas vezes, se tornam realidade. Aliás, para esse período de permanência em casa, a melhor opção é entregar-se à leitura. E por que não a obra de Ronaldo?

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