Polêmica

Regularização é contestada por Ilha não ser bem da União

Titular da 1ª Vara da Fazenda Pública disse que ilhas não mais integram o rol de bens da União

Nelson Melo / O Estado

Atualizada em 11/10/2022 às 12h21
Juíza  Luzia Madeiro Neponucena, titular da 1ª Vara da Fazenda Pública
Juíza Luzia Madeiro Neponucena, titular da 1ª Vara da Fazenda Pública (juiza Neponucena)

Uma decisão do governo federal acerca da regularização fundiária na Região Metropolitana de São Luís está sendo contestada pela juíza Luzia Madeiro Neponucena, titular da 1ª Vara da Fazenda Pública da Capital. De acordo com a magistrada, mais de 1/3 dos imóveis localizados na Grande Ilha serão afetados. Ela observou que está ocorrendo violação aos direitos aquisitivos de propriedade plena, pois a medida vai abranger mais de 60 mil unidades, entre moradias e estabelecimentos comerciais. Conforme explicou, ilhas costeiras que são sede de municípios não mais integram o rol de bens da União.

De acordo com a juíza, a iniciativa seria bastante louvável, se não estivesse diante dessa violação, que considerou gravíssima. Ela esclareceu que o novo marco constitucional, que rege os terrenos interiores (terra firme), em ilhas costeiras, que possuem sede de municípios, como é o caso geográfico de São Luís, teve como alteração a Emenda Constitucional nº 46/2005. Sendo assim, a União não dispõe do necessário Registro de Propriedade dessas áreas, nos cartórios do Registro Imobiliário.

“Também afasta a condição de tratar-se de áreas ditas próprias. Portanto, não pode mais a União ostentar qualquer pretensão de domínio sobre os mesmos, ressalvadas tão somente as seguintes hipóteses: áreas afetadas ao serviço público federal, e a unidade ambiental federal e terrenos de marinha e seus acrescidos”, frisou a magistrada. Conforme Luzia Madeiro Neponucena, o Artigo 20, Inciso IV, da Constituição Federal (CF), com redação dada pela Emenda Constitucional, é bem claro sobre o tema.

O Artigo 20 diz o seguinte sobre os bens da União: (…) as ilhas fluviais e lacustres nas zonas limítrofes com outros países; as praias marítimas; as ilhas oceânicas e as costeiras, excluídas, destas, as que contenham a sede de municípios, exceto aquelas áreas afetadas ao serviço público e a unidade ambiental federal, e as referidas no artigo 26, II. A magistrada salientou que, na quase totalidade dessas áreas de São Luís, não há registro imobiliário sequer de domínio útil que pudesse ter sido registrado antes da Emenda Constitucional nº 46/2005.

“Desta feita, a regularização, embora gratuita, a famílias que tenham renda inferior a cinco salários-mínimos, conforme indicado, pressupõe propriedade da área pela União, que já não mais a detém”, comentou a juíza. Ela disse que o ocupante da moradia poderá se sentir beneficiado, mas, em eventual transferência, os efeitos serão sentidos. No que se refere a essas famílias, mesmo dispondo de tempo suficiente para adquirir propriedade plena (por regularização pelo órgão competente ou ação do usucapião de terras), terão de comprar da União, sujeitando-se ao pagamento anual de taxa de ocupação, foro e/ou laudêmio.

“Sendo certo, portanto, prejuízos incalculáveis ao patrimônio jurídico e imobiliário destes ocupantes, potencialmente vulneráveis e, em grande parte, sem conhecimento desses direitos”, frisou a titular da 1ª Vara da Fazenda Pública.
De acordo com a magistrada, a quase totalidade dos moradores de áreas como Camboa, Liberdade, Vila Palmeira, Santa Cruz, Alemanha, Monte Castelo e Fé em Deus não tem formalização do domínio útil. Portanto, não pode ser feita a regularização fundiária ou venda de imóveis de fato litigioso nestas áreas, como pretende a União.

Inquérito
A magistrada destacou que foi instaurado Inquérito Civil, sob a presidência do procurador da República, Hilton Araújo de Melo, que apura o suposto descumprimento pela União, por meio da Secretaria do Patrimônio da União (SPU), do mandamento constitucional originado pela Emenda nº 46/05, nas referidas áreas da Grande Ilha. O caso também está sendo levado ao conhecimento da Corregedoria Geral de Justiça do Estado do Maranhão (CGJMA), para que tome as devidas providências, a fim de que as ações não “tenham eco” junto aos cartórios imobiliários da região metropolitana de São Luís. l

A juíza expressou que a ação da SPU seria “travestida” de regularização fundiária de imóveis, pois a União não mais detém propriedade destas áreas. “Portanto, não pode regularizar quem não é mais detentor de titularidade. Isso aponta graves prejuízos ao patrimônio jurídico e imobiliário dos ocupantes”, assinalou a magistrada (lneponucena@hotmail.com).

Regularização fundiária

A SPU iniciou, no dia 14 de janeiro, o processo de regularização fundiária na Grande Ilha, que deve afetar 63.172 unidades, entre moradias e estabelecimentos comerciais. A ordem partiu do presidente da República, Jair Bolsonaro. O superintendente da Secretaria do Patrimônio da União no Nordeste, coronel José Monteiro, disse que são mais de uma centena de milhares de terrenos ocupados de forma irregular. “Terra que vão desde a orla marítima até o Distrito Industrial em absolutamente todas as regiões da capital maranhense”, comentou ele.

De acordo com o coronel Monteiro, muitas dessas ocupações possuem amparo jurídico, enquanto outras não possuem nenhum tipo de documento. “O que vamos fazer é passar um pente fino e regulamentar todas”, ressaltou o superintendente da SPU. A regularização dos moradores das margens do Rio Anil já teria sido iniciada, incluindo aqueles localizados nas proximidades da Ponte Bandeira Tribuzi.

“A prioridade é assegurar a posse a pessoas e situação social vulnerável, garantir a segurança jurídica e dignidade”, pontuou o coronel.

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