Uma viagem de ferry

Uma viagem de ferry: três décadas unindo a capital à Baixada do MA

Diariamente, empresas garantem o deslocamento, via aquática pela Baía de São Marcos, interligando os terminais da Ponta da Espera e do Cujupe; histórias e muitas curiosidades marcam serviço tradicional

Thiago Bastos / O Estado

Atualizada em 11/10/2022 às 12h21
Adailton Vaz tem 22 anos de experiência, 11 deles na empresa onde trabalha
Adailton Vaz tem 22 anos de experiência, 11 deles na empresa onde trabalha (comandante Adailton)

“Todos a bordo!”. Quem sonha em ser comandante ou ter uma embarcação em mãos, em algum momento da carreira falará algo do gênero para sua tripulação. Este é o sinal “verde” para mais uma viagem de rotina entre os terminais da Ponta da Espera (São Luís) e do Cujupe (Alcântara). A tradicional travessia, que diminui a distância e encurta as viagens entre a capital maranhense e a baixada é utilizada de forma regular desde 1988, e ofertada por empresas, apesar das críticas, ainda representa vantagens para usuários.

O Estado acompanhou a rotina interna de funcionários do Ferry-Boat Alcântara, gerido pela Empresa Internacional Marítima, e observou detalhes que quem é usuário ou passageiro não consegue perceber. Desde a simples funcionária que limpa o convés e outros compartimentos ao comandante que lidera a responsabilidade de transportar, diariamente, de 600 a mil passageiros, por uma das redes hidrográficas mais complexas do país.

A preparação para o início da travessia começa antes das 5h, horário da primeira viagem. Além da verificação dos motores e outros itens, como temperatura do óleo por exemplo, é necessário checar o funcionamento de instrumentos de localização e níveis de combustível. Após o trajeto inaugural, a viagem de grande volume São Luís-Cujupe começa às 7h. Meia-hora antes, servidores orientam passageiros a se dirigirem para as acomodações.

Além disso, é indispensável a colaboração de funcionários da Empresa Maranhense de Administração Portuária (Emap), responsável pela administração dos terminais da Ponta da Espera e Cujupe, para a acomodação dos veículos. Ambulâncias, por exemplo, são prioritárias e as últimas a embarcar - para serem as primeiras a sair no momento do desembarque.

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Após o embarque, o comandante fecha a rampa da proa (parte da frente da embarcação) e, ao fazer manobra-padrão, formata os itens de indicação de rota com destino à Ilha do Cajual – às margens do Terminal do Cujupe – sob a orientação do Farol de Itaúna. A calmaria das águas, em um raro dia de tempo ensolarado em época chuvosa na Ilha, acalenta o coração de todos, incluindo passageiros, de que a viagem será tranquila.

O trajeto, com boa velocidade (13 nós ou aproximadamente 24 quilômetros por hora) e contra a direção das águas no percurso capital-interior, dura entre uma hora e uma hora e quinze minutos, aproximadamente.

Experiência
Durante o itinerário, o comandante do Ferry-Boat Alcântara, Adaílton de Castro Vaz, contou a sua experiência a bordo. No ofício há 22 anos, o experiente membro das forças da Marinha relata a complexidade de se navegar nas águas maranhenses. “No total, são sete correntes marítimas distintas registradas no Maranhão, o que exige profundo conhecimento em transporte aquaviário. Além disso, condições como vento e chuva interferem diretamente na conduta a bordo”, disse.

Apesar das duas décadas de experiência, o comandante começou a trabalhar diretamente para a Internacional Marítima há 11 anos. Durante este período, acompanhou a evolução dos ferries. “Atualmente, é possível usufruir de um meio de transporte de boa estrutura e conservação, que possibilita toda a condição para utilizar o conhecimento adquirido durante a preparação na Marinha do Brasil”, afirmou.

Quem auxilia o comandante na travessia da embarcação com capacidade atual para levar até 600 passageiros e 40 veículos é o contramestre Carlos Alberto Lindoso Filho. Ex-operador de telefonia móvel, a carreira curta de cinco anos no mar é acompanhada por uma ascensão meteórica. “Há cinco anos, manuseava cabos de internet. Agora, ajudo na condução de uma embarcação com 600 pessoas. É uma mudança e tanto”, afirmou.

Enquanto o comandante, com a referência de radares, rádios de comunicação e outros instrumentos, além do timão (o “volante” da embarcação) conduz o ferry, o contramestre é o seu “braço direito”. Por hierarquia, caso o comandante tenha algum problema de saúde ou não reúna condições para navegar, a travessia fica a cargo do contramestre.

Em situações de ferry à deriva, por exemplo (ou seja, quando cessa o funcionamento dos dois motores conectados ao meio de transporte), o contramestre é responsável por indicar a outros colaboradores a orientação aos passageiros quanto às saídas de emergência ou uso correto do colete salva-vidas.

Ele é ainda, de acordo com as normas vigentes, o profissional que indica a distribuição dos botes nos casos de naufrágio. O Ferry Boat Alcântara conta com 51 botes (cuja capacidade individual é de 12 a 14 pessoas e suportam até 120 quilos cada um). Os meios de transporte alternativos e usados em situações emergenciais ficam acomodados no convés do ferry. “É preciso estar preparado para qualquer situação emergencial”, disse o contramestre.

Além dos botes, a buzina orientadora e usada para emissão dos sinais sonoros, está fixada no tijupá (convés mais alto do ferry), acompanhada pelo holofote que reflete luz de alcance máximo, nos casos de navegação noturna. “Estes itens em dia podem fazer a diferença na hora de salvar a vida de um ou vários passageiros”, afirmou o comandante Adaílton de Castro Vaz.

Entre uma e outra explicação acerca do funcionamento interno da embarcação, a viagem chega ao seu destino final em sua primeira parte (no Terminal do Cujupe). Apesar da antecedência e checagem, o comandante foi obrigado a aguardar por meia hora para a liberação da única rampa de desembarque no terminal. O fato é questionado pelo departamento comercial da empresa, pela elevação de custos e aumento na insatisfação dos usuários. “Além de um gasto não-estimado de óleo e combustível, por exemplo, nossos passageiros são colocados em uma situação desconfortável”, disse o diretor administrativo da Internacional Marítima, José Roberto Francisconi.

Em setembro do ano passado, o Governo do Maranhão entregou a reforma do Terminal do Cujupe. O espaço, que passou por remodelagem, recebeu investimentos de R$ 13,5 milhões, mas não previa a construção de uma nova rampa. A Empresa Maranhense de Administração Portuária (Emap) informou, em nota, que o projeto para obra de duplicação das rampas Norte e Sul do Cujupe está em fase final e o processo de licitação deve ser aberto ainda neste semestre. O projeto prevê a construção de rampas para proporcionar embarque/desembarque simultâneos.

Ausência de regulamentação
Outro questionamento da direção da Internacional Marítima é quanto à ausência de regulamentação do serviço. De acordo com a empresa, em nota encaminhada a O Estado, em quase 18 anos de operação do empreendimento local, “ainda não há contrato de concessão de longo prazo para essa atividade”.

Ainda de acordo com a Internacional Marítima, as operadoras “do sistema de navegação de transporte de passageiros” não possuem garantias operacionais, o que resulta em insegurança jurídica e inibe os investimentos, como renovação de frota.

A Agência Estadual de Mobilidade Urbana e Serviços Públicos (MOB) informou, em nota que está trabalhando para iniciar o processo de licitação do Transporte Aquaviário. Atualmente a MOB segue consolidando o estudo técnico para verificação da demanda, operadores, tipo e características das embarcações utilizadas, tarifas praticadas e grades de horários ofertadas. Informou, ainda, que mantém agentes tanto no Terminal da Ponta da Espera quanto do Cujupe que fazem a fiscalização dos Ferry-Boats, notificando/multando as operadoras quando há ocorrência de falhas na execução do serviço.

SAIBA MAIS


A Internacional Marítima iniciou suas operações de Ferry-Boat nas travessias entre o Terminal da Ponta da Espera (São Luis) e Terminal do Cujupe (Alcântara) em 25 de abril de 2002, com apenas uma embarcação, denominada de Ferry-Boat Itaúna, com capacidade à época para transportar 667 passageiros e 28 veículos.
Atualmente, o Ferry-Boat Itaúna está fora de operação e estão em operação outras embarcações mais eficientes como os ferries Alcântara, Baía de São Marcos, Cidade de Cururupu e Cidade de Pinheiro.

SOBRE OS FERRIES

Ferry-Boat Alcântara: capacidade para 600 passageiros e 40 veículos
Ferry-Boat Baía de São Marcos: capacidade para 560 passageiros e 60 veículos
Ferry-Boat Cidade de Cururupu: capacidade para 582 passageiros e 35 veículos
Ferry-Boat Cidade de Pinheiro: capacidade para 900 passageiros e 38 veículos

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