Em resposta a Piñera

Não estou em guerra com ninguém'', diz general chileno

Responsável pela implementação do estado de emergência, Javier Iturriaga, chefe das Forças de Defesa, pede à população que realize ''atividades normais''

Atualizada em 11/10/2022 às 12h22
Manifestantes se concentram na Praça Itália, em Santiago, Chile
Manifestantes se concentram na Praça Itália, em Santiago, Chile (Reuters)

SANTIAGO — Depois de o presidente chileno, Sebastián Piñera, declarar na noite de domingo,20, que seu governo “está em guerra contra um inimigo poderoso”, em meio aos protestos mais violentos desde a redemocratização do país, o chefe da Defesa Nacional, general Javier Iturriaga , responsável pela implementação do estado de emergência declarado por Piñera na madrugada de sábado, afirmou ontem,21, que “não está em guerra com ninguém”.

"Eu sou um homem feliz e a verdade é que não estou em guerra com ninguém", disse, ao ser questionado se concordava com o diagnóstico de que o país estaria em guerra.

Após mais uma noite de toque de recolher, a segunda consecutiva, Iturriaga disse que a capital do país, Santiago, estava amanhecendo de forma “lenta e pacífica”, depois que as autoridades reportaram um total de 11 mortos no fim de semana.

"Peço aos veículos de imprensa que transmitam tranquilidade à população, que vá trabalhar, que realize suas atividades normais".

Algumas estações de metrô voltaram a ser abertas ontem,21, com longas filas e atrasos consideráveis. Parte das linhas de ônibus também está nas ruas e poucas lojas estão com as portas abertas, especialmente as de pequeno porte. Grandes redes varejistas continuam fechadas, com medo de novos atos de vandalismo. No início da tarde, no entanto, uma nova manifestação voltou a ocorrer em Santiago, na Praça Itália, no centro da cidade. "Fora milicos", gritavam os manifestantes.

O general Iturriaga criticou a formação de grupos civis para defender propriedades. Eles estariam atuando ao lado de policiais e agentes de segurança, mesmo após a decretação do toque de recolher.

"Claro que não queremos que a população se defenda por conta própria. Nós somos os responsáveis por dar essa proteção e estamos levando adiante todos os esforços para chegar a todos os cantos da cidade", afirmou Iturriaga, antes de afirmar que os cerca de 2.700 homens disponíveis são “insuficientes” para atuar em toda a região metropolitana.

Discurso de Piñera

As declarações contrastam com o discurso de Piñera na noite de domingo, 20, que ao lado do próprio Iturriaga e do ministro da Defesa, Alberto Espina, disse que o governo “está em guerra”.

"Estamos em guerra contra um inimigo poderoso, disposto a usar a violência sem nenhum limite", afirmou. "[Esse inimigo] está disposto a queimar hospitais, metrô, supermercados, com o único propósito de causar o maior dano possível".

Piñera disse ainda que "não era mais tempo para ambiguidades".

" Eu chamo todos meus compatriotas a se unirem nesta batalha contra a violência e a delinquência. Estamos cientes de que [os responsáveis pelos protestos] têm um grau de organização, logística, típico de uma organização criminosa", disse.

Críticas da oposição

O presidente foi criticado pela oposição por em nenhum momento mencionar a possibilidade de diálogo com os manifestantes ou propostas para atender as demandas dos cidadãos nas ruas. Além do aumento nas tarifas, dos atuais 800 pesos (R$ 4,63) para 830 pesos (R$ 4,80), a maior alta desde 2010, a populaçao reclama do aumento no custo de vida, das condições dos sistemas de saúde e educação públicos e da desigualdade social crescente.

O ex-presidente e senador Ricardo Lagos afirmou que declarações como a do presidente “não ajudam”. "Presidente Sebastián Piñera, não assuste os cidadãos! Não estamos em guerra. Enfrentamos uma crise política, mal manejada pelo governo, cujo pano de fundo é a desigualdade", disse no Twitter.

Na tarde de domingo, Piñera se reuniu com os presidentes da Câmara e do Senado, ambos de partidos da oposição. O líder da Câmara, Iván Flores , do Partido Democrata Cristão, evitou usar termos bélicos, defendendo a união nacional e o diálogo.

"Não cabem aqui pequenas disputas nem pequenos interesses políticos. O que cabe é a busca de uma sintonia entre os poderes de Estado e a comunidade civil, para que possamos sair da crise", afirmou, defendendo ainda respostas “estruturais” do governo.

Já o presidente do Senado, Jaime Quintana , do Partido pela Democracia, disse que todo o meio político tem uma parcela de culpa.

"Foi um conjunto de questões acumuladas durante muito tempo e, por isso, o mundo político deve assumir a responsabilidade sobre como chegamos a essa situação".

Ontem, 21,a alta comissária da ONU para os Direitos Humanos e ex-presidente do Chile, Michelle Bachelet , disse estar "preocupada e triste ao ver a violência, a destruição, os mortos e os feridos no Chile nos últimos cinco dias".

"Peço ao governo que trabalhe com todos os setores da sociedade para soluções que contribuam para acalmar a situação e tentem lidar com os problemas da população para benefício do país", disse.

Sem citar diretamente o presidente, ela acrescentou que "o uso de retórica inflamada vai servir apenas para agravar ainda mais a situação, com o risco de gerar medo na população". Bachelet considerou ainda que a aplicação do estado de emergência deve se dar apenas em situações excepcionais, e que o governo deve "assegurar que o direito de todas as pessoas à liberdade de expressão e manifestação pacífica possa ser respeitado". Ela também defendeu a instauração de comissões independentes sobre os atos de violência dos últimos dias.

Estado de emergência

Os protestos contra o aumento nos preços da passagem do metrô, que começaram no início da semana passada, liderados por estudantes, saíram de controle na última sexta-feira, com destruição de ônibus e terminais de transportes urbanos, e confrontos entre manifestantes e a polícia.

Em resposta, na madrugada de sábado, ainda com as ruas em chamas, o presidente Sebastián Piñera decretou estado de emergência , medida que geralmente era usada em situações de catástrofe natural, como terremotos, mas que pela primeira vez desde a redemocratização foi invocada para lidar com distúrbios sociais.

Após a decisão, inicialmente válida apenas para a capital mas depois aplicada a todo o país, os militares assumiram o controle de ações de segurança, ao lado da polícia, o que recebeu pesadas críticas da oposição, como da ex-candidata à Presidência pela esquerdista Frente Ampla Beatriz Sánchez — para ela, o governo havia “renunciado à democracia”.

Já o ministro do Interior, Andrés Chadwick, considerou, ontem, que a decisão foi acertada, e que o presidente "fez bem" ao comparar a situação a uma guerra.

"O presidente usou uma expressão que demonstra a autoridade e decisão com a qual nós, como governo, queremos combater esse vandalismo e dar tranqulidade e segurança para toda a cidadania".

No mesmo sábado, o governo decidiu suspender o aumento das passagens do metrô, estopim dos protestos. Pouco depois, ele anunciou um toque de recolher na região metropolitana de Santiago, onde vivem 7 milhões de pessoas, o que não impediu novos confrontos e atos de vandalismo, como o ataque à sede do jornal El Mercúrio de Valparaíso .

Mais tarde, o toque de recolher foi aplicado também em Valparaíso e Concepción, duas cidades que também enfrentam protestos e atos de violência. Apesar da proibição, milhares de chilenos seguiram nas ruas durante a madrugada, em desafio ao toque de recolher, em atos majoritariamente pacíficos.

Ontem, 21, o sindicato de trabalhadores da mina de cobre de Escondida, no norte do país, anunciou que irá paralisar suas operaçoes na terça-feira, para demonstrar solidariedade aos protestos. Segundo o presidente do sindicato, Patricio Tapia, a medida é " um alerta " às autoridades. Na véspera do anúncio, o ministro da Mineração, Baldo Prokurica, afirmou que o setor estava "funcionando normalmente".

Onze mortos

Pouco antes da “declaração de guerra” do presidente, no domingo foram registrados cerca de 70 atos de violência, com mais de 150 detidos. Até agora, mais de 1.900 pessoas tenham sido presas no país desde a semana passada.

Ontem,21, as autoridades reportaram a morte de 11 pessoas nos últimos três dias. A maioria delas morreu em incêndios a estabelecimentos comerciais, incluindo um supermercado da rede Walmart (três mortos), uma confecção de roupas (cinco mortos) e uma loja de materiais de construção, onde foram encontrados dois corpos carbonizados. O local havia sido saqueado pouco antes, e não se sabe se as vítimas eram trabalhadores ou faziam parte dos atacantes. O 11º morto foi atingido a tiros na província de Coquimbo, segundo o Ministério do Interior.

Duas pessoas feridas a bala em confronto com policiais seguem internadas em estado grave. De acordo com o ministro da saúde, Jaime Mañalich, 88 pessoas foram hospitalizadas desde o início dos protestos, sendo que oito em estado grave.

Impactos no exterior

Além dos impactos internos para o governo de Sebastián Piñera, há o temor de que, em caso de impasse prolongado, os protestos tenham efeitos negativos na imagem do Chile no exterior. Nas próximas semanas, o país receberá três eventos de grande porte, com a presença de autoridades de dezenas de países. Nos dias 16 e 17 de novembro, ocorre a reunião de cúpula da Apec , a Cooperação Econômica Ásia-Pacífico, com os presidentes dos EUA, Donald Trump, da China, Xi Jinping, e da Rússia, Vladimir Putin.

No mês seguinte, o país será o anfitrião da COP 25 , a Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas. Por fim, em um evento que não é político mas que demanda bastante das forças de segurança, Santiago receberá a final da Copa Libertadores da América no dia 23 de novembro, com milhares torcedores vindos de toda a América do Sul. As autoridades chilenas não sinalizaram, até o momento, qualquer mudança no planejamento.

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