Explicação

Pacotes achados em praia seriam de navio que naufragou na 2ª Guerra

Segundo pesquisadores da Universidade Federal do Ceará, o navio era alemão e foi afundado pela Força Aérea dos Estados Unidos em 1944; as caixas misteriosas se desprenderam da embarcação no fundo do mar

Nelson Melo / O Estado

Atualizada em 11/10/2022 às 12h22
Um dos pacotes estranhos encontrados na manhã do dia 23 de setembro, na Praia de São Marcos
Um dos pacotes estranhos encontrados na manhã do dia 23 de setembro, na Praia de São Marcos (pacotes)

No mês passado, “pacotes estranhos” foram encontrados na Praia de São Marcos, em São Luís, o que chamou a atenção de banhistas. Os objetos, que têm um aspecto de borracha sintética, também foram localizados em outros estados, como Alagoas, Pernambuco, Paraíba, Ceará e Rio Grande do Norte. Segundo uma pesquisa da Universidade Federal do Ceará (UFC), as caixas misteriosas seriam provenientes de um navio alemão, que naufragou no litoral nordestino em 1944, durante a Segunda Guerra Mundial.

Os membros do Instituto de Ciências do Mar (Labomar), da UFC, que analisaram os fardos de borracha, encontrados nas praias cearenses do Serviluz, Aracati, Camocim, Caucaia, São Gonçalo do Amarante, Trairi e Pecém, fizeram a descoberta quando tentavam identificar de onde se originaram as manchas de óleo que surgiram no litoral do Nordeste. Cerca de 200 caixas misteriosas foram achadas na costa do Ceará no segundo semestre do ano passado.

Segundo o oceanógrafo físico Carlos Teixeira, do Labomar, o navio de onde possivelmente os pacotes são originários utilizava, de forma estratégica, o nome brasileiro “SS Rio Grande”, como uma tentativa de o Estado alemão se disfarçar dos inimigos de guerra. A embarcação era carregada com os fardos de borracha e foi afundado pela Força Aére dos Estados Unidos da Améric, um ano antes do fim da Segunda Guerra Mundial.

Assim sendo, os “pacotes estranhos” teriam saído do navio, no fundo do mar, e alcançado a superfície e as praias do Nordeste. Mas o professor Carlos Teixeira alerta que, embora a descoberta tenha ocorrido durante pesquisas das manchas de óleo, seria prematuro afirmar que exista alguma relação entre as caixas misteriosas e o petróleo cru que está se espalhando pelo litoral nordestino, incluindo o Maranhão, cujo mar está poluído pelo material em Alcântara e Santo Amaro do Maranhão.

“Para ter relação, o óleo teria de ser muito velho. O naufrágio foi em 1944. Navios naufragados começam a sofrer corrosão. Então, décadas depois começam a vazar as suas cargas. E por ter acontecido no Oceano Atlântico, perto do Nordeste, elas chegaram até aqui”, esclareceu o professor Luís Ernesto Bezerra, também do Instituto de Ciências do Mar. Ele está realizando a pesquisa em parceria com Carlos Teixeira, Luís Ernesto Arruda e Rivelino Cavalcante.

O naufrágio
O pesquisador Luís Ernesto disse que encontrou uma dessas caixas de borracha em Itarema, no interior do Ceará, e o objeto continha uma inscrição pertencente à Indonésia Francesa, que ficou independente em 1953. “Ou seja, é muito antiga. Então, começamos as pesquisas e encontramos confirmações desse naufrágio”, pontou o professor. O navio afundou entre 1º e 4 de janeiro de 1944, mas só foi descoberto alguns anos depois do episódio, em meados de 1966.

A embarcação alemã estava a cerca de mil quilômetros do litoral nordestino, segundo os pesquisadores do Labomar. O oceanógrafo Carlos Teixeira começou um trabalho de simulação para confirmar se as caixas poderiam chegar até a costa nordestina e obteve a confirmação. Segundo ele, a equipe tem 99% de certeza dessa origem.

Os pacotes
Sem nenhum tipo de identificação, os “pacotes estranhos” foram encontrados na extensão da Praia de São Marcos, no dia 23 de setembro, logo nas primeiras horas do dia. Eram cinco objetos, que pesavam mais de 100 quilos cada. Especialistas da Oceanografia presumiram que eles foram descartados, propositalmente, de navios internacionais que passam pela costa maranhense.

Banhistas que caminhavam pela praia acharam os pacotes, que, pelo aspecto incomum, chamaram a atenção. A aparência dos objetos, que não têm indicação de origem, sugere que seriam compostos de couro prensado, mas a textura podia ser sintética, ou seja, muito diferente da origem animal. Em pouco tempo, bombeiros militares apareceram na faixa de areia, para impedir que os curiosos manuseassem o material.

O oceanógrafo Leonardo Lima disse, na ocasião, que havia uma grande possibilidade de que os pacotes teriam sido lançados ao mar de navios que passaram pelo litoral do Maranhão. Esse procedimento é realizado para diminuir o impacto na hora da atracagem das embarcações. “É um material utilizado dentro das embarcações com algum tipo de revestimento, seja ele mecânico, para evitar o contato da carga com o casco. Isso serve para evitar choques mecânicos, por exemplo.
Uma vez que se tenha problemas com esse material, que fica velho, não tem mais utilidade”, explicou ele.

O especialista avaliou que, por não ser mais útil à tripulação, é descartado em alto-mar. As ondas, então, carregam os objetos até as praias. A degradação dos pacotes pode causar poluição ambiental, com risco de serem engolidos por peixes, conforme Lima. “Fisicamente, não há problemas para a população. Mas esse material vai se transformar em pedaços menores. Aí, pode poluir o meio ambiente”, revelou o oceanógrafo.

Outros casos
Pacotes parecidos com esses já haviam sido encontrados na capital maranhense no ano passado, no começo do segundo semestre. Na ocasião, os objetos estavam na Praia da Guia, na área Itaqui-Bacanga. Garotos que jogavam futebol no local avistaram o material, que pesava cerca de 180kg e teve de ser retirado com o auxílio de uma retroescavadeira.

Da praia, foram levados até o bairro Vila Nova. Na época, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) disse que o material poderia ser lixo descartado de navios que passavam pela costa do Maranhão. Mas lançou a possibilidade de ser derivado de petróleo. Um fato curioso é que, um mês depois, no fim de outubro de 2018, outros pacotes foram encontrados nas cidades de Santo Amaro, Cândido Mendes e Paulino Neves.

Outros estados
Em outubro do ano passado, os objetos estranhos também foram encontrados em outras praias do Nordeste, como Alagoas, Pernambuco, Paraíba, Ceará e Rio Grande do Norte. Os pacotes foram localizados, primeiramente, no Estado de Alagoas.
O Instituto Biota de Conservação suspeitou, na época, que o material foi descartado de embarcações que navegavam por mares internacionais, como os especialistas também presumiram nesse caso recente ocorrido na capital maranhense.
A Universidade Federal de Alagoas (Ufal) recebeu parte do material para análises, assim como ao Instituto do Meio Ambiente de Alagoas (IMA/AL).

Procurada por O Estado, a Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Recursos Naturais (Sema) informou, em nota, que a análise do material coletado foi realizada. O resultado foi encaminhado para a Polícia Federal, que segue com as investigações em sigilo.

SAIBA MAIS

MANCHAS DE ÓLEO

As manchas de óleo, de origem ainda desconhecida, continuam se espalhando pelo litoral do Nordeste. No Maranhão, segundo dados atualizados pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama), quatro praias da costa maranhense estão contaminadas pelo petróleo puro. Esses pontos estão nas cidades de Alcântara e Santo Amaro do Maranhão. Nove estados nordestinos foram atingidos. O último foi a Bahia, no dia 3 deste mês, segundo o órgão do governo federal.
Conforme o Ibama, as áreas com localidades oleadas no litoral maranhense são as praias de Travosa, da Mamuna, da Ilha do Livramento e de Itatinga. A primeira fica em Santo Amaro do Maranhão. As demais estão em Alcântara. Outros pontos foram classificados como “não observados”. De acordo com o Instituto, isso significa que não há nenhum vestígio de óleo nos mares desses trechos, como Litorânea, em São Luís; Ilha dos Poldros, em Araioses, e Praia do Canto dos Atins, em Barreirinhas, na região dos Lençóis. No total, 9 estados do Nordeste, 63 municípios e 139 localizadas já foram atingidos pelas manchas de petróleo cru.

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