Impasse

Obras de construção de porto no Cajueiro podem ser paralisadas

A DPU entrou com ação e diz que construção desrespeita o patrimônio arqueológico do Cajueiro; moradores despejados já retornaram à comunidade

Nelson Melo / O Estado

Atualizada em 11/10/2022 às 12h23
Casas de moradores do Cajueiro já foram demolidas durante ação de despejo para obras do porto
Casas de moradores do Cajueiro já foram demolidas durante ação de despejo para obras do porto (Cajueiro)

A construção do Porto São Luís na comunidade Cajueiro, na zona rural de São Luís, pode ser paralisada após ação movida pela Defensoria Pública da União (DPU) contra o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e a empresa WPR São Luís Gestão de Portos e Terminais. A DPU entendeu que as obras desrespeitam o patrimônio arqueológico existente na região. Moradores disseram que uma casa foi derrubada ns segunda-feira, 23, ainda em decorrência do projeto portuário.

A Defensoria Pública da União solicita que o Iphan realize a fiscalização do Plano de Monitoramento do Componente Arqueológico na comunidade, para garantir que as obras executadas no local sejam acompanhadas por equipes técnicas especializadas no assunto. Neste sentido, está sendo pedida a presença de arqueólogos, coordenadores de campo, no Cajueiro, a fim de que um relatório seja produzido acerca do patrimônio arqueológico, com o objetivo de impedir que da­nos irreversíveis sejam causados à cultura material.

O defensor público federal Yúri Costa, que está à frente da ação, disse que solicita essa comprovação do monitoramento na área atingida pelas obras desde abril deste ano, mas nunca obteve resposta do Iphan. Por este motivo, foi pedida a suspensão imediata da construção do porto no local. A DPU também pede à empresa WPR São Luís que comprove a execução desse Plano de Monitoramento.

Plano de monitoramento
O Monitoramento Arqueológico consiste em uma fase do licenciamento ambiental, em geral vinculado à fase de Licença de Operação (LO), para obras com enquadramento na Portaria IPHAN 230. A obra é acompanhada, principalmen­te, na fase de supressão vegetal, escavações, nivelamento e aterramentos, abertura de acessos, entre outros. O arqueólogo verifica a existência de ocorrências e sítios arqueológicos.

Nos processos vinculados à Portaria IPHAN 230, de 17 de dezembro de 2002, os Programas de Monitoramento Arqueológico devem conter metodologia específica.

O Estado solicitou informações ao Iphan acerca da ação movida pela DPU, mas foi informado de que somente a sede em Brasília poderia abordar o assunto. De igual modo, uma nota do Governo do Estado foi solicitada. Porém, não hou­ve resposta, também, até o fechamento desta edição.

Pedido do MPF
Em abril de 2018, o Ministério Público Federal (MPF) já havia pedido a interrupção das obras no Porto São Luís, por meio de uma ação civil pública. O órgão solicitava a suspensão do licenciamento ambiental, sob a alegação de que a empresa obteve essa licença sem autorização da Capitania dos Portos do Maranhão para a implantação do por­to. Antes, o MPF ingressou com uma ação contra a WPR, após apontar existência de grave conflito fundiário na região.

Na época, o MPF disse que o Instituto de Colonização e Terras do Maranhão (Iterma) instalou um projeto de assentamento e distribuiu áreas aos moradores do Cajueiro.

Protesto e reintegração
No dia 12 de agosto deste ano, um grupo de moradores do Cajueiro realizou um protesto em frente ao Palácio dos Leões, sede do Poder Executivo estadual, contra a reintegração de posse na comunidade. Os populares pretendiam evitar a demolição de 28 casas da região. A decisão judicial no local foi cumprida com o apoio da Polícia Militar. Os militares e oficiais de Justiça chegaram logo cedo ao local, para cumprir determinação judicial de reintegração de posse.

O juiz Marcelo Oka, da Vara de Interesses Difusos e Coletivos de São Luís, garantiu a posse em favor da WPR São Luís Gestão de Portos e Terminais Ltda, embora, em 2015, uma sentença judicial tenha assegurado o terreno à comunidade, que já tem 200 anos, tendo sido fundada por um grupo chamado “Terreiro do Egito”.

De acordo com informações do pescador Clóvis Amorim, liderança comunitária do Cajueiro, a empresa não é proprietária do terreno, pois a comunidade possui a regularização fundiária desde 1998. “Nós recebemos esse documento do Iter­ma na condição de assentamento. O que acontece é que a empresa que vai construir o porto está come­tendo diversas irregularidades. Ela não quer que o documento que apresentou seja submetido a perícia”, frisou ele.

Clóvis Amorim comentou que a comunidade soube da reintegração de posse desde a semana anterior à ação, mas não de forma oficial, o que motivou que se mobilizassem nas manifestações, tanto em frente ao Palácio dos Leões como dentro do Cajueiro. “O Governo do Estado está pagando R$ 600,00 de aluguel social e uma cesta básica de R$ 95,00 para as famílias que terão suas casas demolidas pelos tratores, que chegaram ao bairro. Ninguém consegue sobreviver com isso. Mas o que queremos é continuar morando lá, porque existe toda uma história e tradição envolvidas nessa luta”, destacou o pescador.

Ainda segundo o líder comunitário, pelo menos 600 famílias residem no local e muitas já perderam seus imóveis nesse processo de instalação do porto. “Algumas casas foram derrubadas, e as pessoas ainda não foram indenizadas”, pontuou Amorim.

SAIBA MAIS

O impasse
Desde 2014, esse impasse na construção do porto vem se registrando e também as denúncias da derrubada das casas. Naquele ano, os moradores, inclusive, fizeram um protesto (bloquearam vias públicas) contra as intervenções no local. Já houve até encontros entre representantes comunitários, do Iterma e do Ministério Público Estadual (MPE) na tentativa de solucionar o caso.

Sentenças conflitantes
O advogado Rafael Silva, da Comissão Pastoral da Terra (CPT), frisou que existe uma sentença judicial movida em 2014 pela Defensoria Pública do Estado protegendo a posse aos moradores do Cajueiro. E existe outra ação, um interdito proibitório, movida pela empresa contra a União dos Moradores do Cajueiro. “Deste segundo processo, houve, em maio deste ano, uma liminar de reintegração de posse concedida pelo juiz Marcelo Oka para a empresa portuária. Acontece que a sentença de 2015 ainda é válida. Ou seja, isso não está resolvido”, pontuou Rafael.
Segundo Silva, o correto seria aguardar o Tribunal de Justiça do Maranhão (TJ-MA) se manifestar nos recursos que estão lá com relação às decisões conflitantes. “Outro aspecto é que nessa operação de hoje, a população do Cajueiro não foi
informada sobre a data certa para a reintegração”, denunciou o advogado da Comissão.

Alojamento
Os moradores do Cajueiro chegaram a ficar alojados no auditório do Sindicato dos Bancários do Estado do Maranhão (SEEB-MA), na região central da cidade, após reintegração de posse das terras onde moravam. O grupo recebeu várias doações de movimentos sociais. Na época, o Terminal de Uso Privado (TUP) Porto São Luís anunciou que novos imóveis serão construídos para essas pessoas.
Segundo Clóvis Amorim, o grupo já saiu do Sindicato dos Bancários e está de volta à comunidade, em locais onde não há presença das máquinas para a construção do porto. Segundo ele, o terreno de uma moradora foi derrubado nessa segunda-feira, em virtude das obras portuárias. “Os que tiveram suas casas derrubadas em agosto estão espalhados pela comunidade. Alguns em casas de parentes. Outros em casas de amigos. E outros estão se virando como podem”, comentou o pescador.

Cadastramento
Conforme o morador Raimundo Santos, o Governo do Estado começou ontem o cadastramento na comunidade para a regularização da terra. Ele disse que a documentação de cada habitante do local está sendo pedida pela equipe que está percorrendo os imóveis. “Já foi feito em Andirobal, em Parnauaçu, Guaramunduba e agora no Cajueiro. O objetivo é dar o título de posse da terra”, comentou Raimundo.

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