Artigo

Cinema de Rua

Atualizada em 11/10/2022 às 12h25

A morte de Doris Day há dois dias aos 97 anos me faz lembrar o quanto minha mãe amava os filmes americanos dos anos 50 e 60 do século passado, em especial os musicais.

Naquela época, os Estados Unidos haviam emergido da Segunda Guerra Mundial como a maior potência econômica e militar do planeta, hegemonia contestada, pouco mais adiante, pela falecida União das Repúblicas Socialistas Soviéticas - URSS, líder de um grupo de países da Europa Oriental, de regime comunista, chamado de Cortina de Ferro. A rivalidade resultante desse contexto levou à chamada Guerra Fria, encerrada somente em 1991, com a dissolução da URSS.

No começo desse processo, a influência cultural dos Estados Unidos era enorme, como ainda é, no mundo livre (expressão pertencente à esfera política daquele momento e em desuso agora), o conjunto daqueles países fora da área da influência soviética. Entre as indústrias, cuja presença era bastante forte em toda parte, a cinematográfica e americana era a mais visível no dia a dia das pessoas. Os grandes atores e atrizes de lá eram tão conhecidos aqui, por exemplo, quanto no próprio país deles. Eu poderia citar uma lista de nomes longa o suficiente para encher todo o espaço desta crônica. Um dos mais conhecidos era o de Doris Day, a quem eu considerava já falecida há muito tempo, por causa do longo pelo tempo de ausência dela do noticiário.

Loura, simpática e bonita, projetando ao redor do globo a imagem de um país de oportunidades, próspero e democrático, Doris Day se fixou em minha imaginação como o símbolo da própria ideia do progresso possível de uma nação. Estrela de filmes românticos, com histórias de amor de final feliz, bem como de musicais de muito sucesso, ela - poucas pessoas talvez se lembrem disso, entre estas gente do ramo, como Joaquim Heickel -, estrelou, de par com James Stewart, um filme famoso e de estilo diferente daqueles que ela vinha fazendo habitualmente, “O Homem que Sabia Demais”, de Alfred Hitchcock, o mestre do suspense, embora sua escolha para o papel tenha tido idas e vindas entre ela e outros nomes famosos como Grace Kelly, Kim Novak, Lana Turner, todas estas louras, além de Jane Russel e Ava Gardner, morenas.

Eu ia com meus pais aos musicais americanos de então em cinemas de rua. Os mais novos nem saberão de que estou falando. Cinemas de rua? Isso mesmo. Eles não funcionavam em shopping centers como atualmente. Aliás, pode parecer espantoso aos jovens, mas não havia sequer shopping centers, essa prática e conveniente invenção americana. Em compensação, as pouquíssimas famílias daquele tempo donas de automóvel, podiam ir ao cinema e estacioná-lo na rua sem medo de ser assaltadas ou ter o carro furtado. Nos chamados cinemas populares, ou cinemas-poeira, mais baratos, podia assistir-se a filmes em capítulos, como se fossem telenovelas, com a desvantagem de serem semanais e não diários. Tínhamos de esperar sete dias a fim de saber se o herói pendurado à beira de um precipício havia caído ou não. Nunca caíam, nós sabíamos, mas o suspense continuava mesmo assim. Se fosse o malfeitor, no entanto, a queda era certa.

A morte de pessoas que se tornaram símbolo de uma era ou de uma atividade de entretenimento têm esse poder de evocação, de nos fazer lembrar períodos fixados como memoráveis, tanto para cada um nós individualmente, como para a memória coletiva. A morte de cada uma delas dá vida a nossas lembranças.

Lino Raposo Moreira

PhD, economista, membro dda Academia Maranhense de Letras

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