100 anos do Asilo

O "projetista", o "dono dos pincéis" e a "solidária": personagens do asilo

Trauma de quem associa um asilo a algo triste cai por terra quando se imagina que, em São Luís, há sim locais que primam pelo respeito aos cabelos brancos e espaço para a boa conversa e muito aprendizado com quem já viveu mais

Thiago Bastos / O Estado

Atualizada em 11/10/2022 às 12h26

[e-s001]Ao longo dos quase 100 anos do Asilo de Mendicidade, a serem completado em 21 de abril, diversas pessoas tiveram suas “vidas mudadas” a partir da ação de pessoas zelosas que abriram mão de algumas horas do dia para prestar solidariedade a quem precisa. São inúmeras histórias de pessoas que puderam passar os últimos instantes num ambiente que exala sossego e tranquilidade. O trauma de quem associa um asilo a algo triste cai por terra quando se imagina que, em São Luís, há sim locais que primam pelo respeito aos cabelos brancos.

Não é fácil escolher histórias entre as centenas de pessoas que já passaram por lá. Por isso, O Estado escolheu três delas e batizou os personagens com suas melhores características: o projetista, o dono dos pincéis e a “jovem” solidária de 80 anos. Estas e outras pessoas recebem amor e carinho de profissionais ligados à enfermagem, fisioterapia, terapia ocupacional, psicologia e outros setores.

[e-s001]O projetista

De fala mansa e uma lucidez que impressiona, Raimundo Nonato de Sousa Lima, de 71 anos, é um dos mais antigos no Asilo de Mendicidade. Ex-topógrafo, o agora aposentado lembrou cada rua e avenida pensada por ele quando trabalhou por vários estados da Região Norte do país. Casado por duas vezes e pai de duas filhas (que levaram o aposentado quase às lágrimas), seu Raimundo, após rodar por várias cidades, encontrou reduto na capital maranhense. A ligação com o estado veio do pai, nascido e criado em Dom Pedro (MA). “Eu me lembro de cada rua ou avenida feita por mim. Está tudo aqui na minha cabeça”, disse. Fã de um dominó, de vez em quando Raimundo Sousa conta parte da história que prefere não lembrar. O gosto exagerado pela bebida alcoólica o fez perder esposas e boa parte do vínculo familiar. Mas o humor ainda permanece. “Eu gosto de ver essas meninas bonitas que passam por aqui”, disse, em risos. Ao falar do asilo, seu Raimundo mostra toda a gratidão ao lugar. “Aqui é minha casa. É onde falo com meus amigos, com as pessoas com às quais convivo. Eu amo este lugar”, disse. Ele não se lembra ao certo quando chegou ao Asilo de Mendicidade. Segundo a direção, o fato faz aproximadamente dois anos. “Eu vivo cada dia da mesma maneira, do mesmo jeito”, disse.

[e-s001]O dono dos pincéis

Arquiteto e urbanista de carreira (na sua época, os cursos eram feitos de forma separada), o “comandante” dos pincéis e das telas no atual asilo é Itamar Monteiro Nunes, de 85 anos. O mais antigo morador do Asilo (chegou à entidade em 1996) se formou no final da década de 1960 como arquiteto e em seguida como urbanista. “Fui para o Rio [de Janeiro] e me formei e consolidei carreira”, disse. Após isso, seu Itamar voltou para a terra natal, São Luís. Neste retorno, deixou, como o próprio afirmou, “os problemas familiares” no passado. Sem entrar em detalhes, seu Itamar decidiu ser “adotado” pelo asilo. E foi lá que ele adquiriu de forma autônoma, o gosto e o ofício da arte, por meio dos pincéis e das telas. A atividade é praticamente uma terapia para o aposentado e gerou, além de belíssimas imagens da paisagem urbana de São Luís, interação com os jovens que, de cursos do tema de diferentes pontos da cidade, o procuram para saber um pouco mais sobre as técnicas de pintura. “E como fez Pedro das histórias bíblicas, dou sem esperar retorno”, disse Itamar.

[e-s001]A solidária

Uma “jovem” solidária de 80 anos. É assim que se define Sandra Lopes da Silva, uma das pessoas recebidas pelo Asilo ao longo dos anos. Ela, que está no local há seis meses, tem a fama de ser a pessoa mais caridosa que já passou pela entidade, nos últimos anos. E ela defende com orgulho a “fama” adquirida. “Eu gosto de ajudar as pessoas. Me sinto bem fazendo isso”, afirmou. Um dos episódios que evidenciam este lado aconteceu há pelo menos cinco anos, em Vargem Grande (MA), quando ainda residia na cidade. A senhora conheceu um homem, pai de três filhos, e que estava sem emprego. “Eu nunca tinha visto este homem na vida. De repente, ele bateu na porta da minha casa pedindo desesperadamente um prato de comida. Fiquei sem chão e nunca duvidei da palavra dele”, disse a idosa. Além de conseguir a refeição, a dona Sandra também decidiu fazer o que nunca tinha feito, nem por um familiar. “Conhecia alguém na Prefeitura de Vargem Grande e decidi pedir um emprego. Não para mim, mas para esse homem, que nunca tinha visto”, disse. Assim que falou para o tal homem acerca do emprego adquirido, ela não se conteve. “Chorei junto com ele, porque sou assim. Sou capaz de fazer coisas pelas pessoas que nem elas imaginam”, disse. Atualmente no asilo, dona Sandra é conhecida por ajudar os funcionários no dia a dia. “Eu faço o que posso. Ajudo a segurar uma bandeja. A distribuir alguma coisa. Enfim, sou assim”, disse.

LEIA TAMBÉM:

Centenário do Asilo de Mendicidade: a possibilidade da “velhice feliz”

[e-s001]O morador mais idoso

Quando o “Asylo” completou o terceiro ano de fundação, Raimundo Souza acabara de nascer. O ano era 1922, e Raimundo é atualmente o integrante mais velho do local. É o cidadão mais querido do recinto e, apesar da idade avançada, 97 anos, é tratado pelos colegas e por funcionários como se fosse uma criança. Por causa dos anos “avançados”, o idoso tem dificuldade de memorizar fatos e, principalmente, de se comunicar. As palavras mínimas e que saem com baixa fluência são expostas a partir do momento em que o idoso lembra de uma de suas paixões: o amor pelo rádio. Ele adora escutar programas AM e fez até uma cobrança para os colaboradores do Asylo. “Não se esqueçam de comprar as minhas pilhas”, disse, se referindo ao acessório usado para o funcionamento do radinho de estimação. A vida particular de seu Raimundo é mantida sob sigilo. O que se sabe apenas é que a sua velhice feliz está garantida após ser recebido no asilo tão famoso. “Ele [seu Raimundo] é um sujeito muito querido por nós. É alguém que merece ainda nossos cuidados, mas que sem dúvida simboliza e muito a história deste lar”, disse Ulysses Aires, administrador do Asilo de Mendicidade.

[e-s001]Os cuidadores “cuidados” pelos idosos

O Asilo de Mendicidade, mantido pela comunidade maçônica da Ilha, conta diariamente com o trabalho incessante de funcionários que se dedicam praticamente o ano inteiro ao objetivo de proporcionar aos idosos um conforto e um bem-estar nos últimos dias de vida. São enfermeiros, fisioterapeutas, profissionais das áreas de terapia e psicologia, além de pessoas responsáveis pela lavanderia, pela cozinha e outros setores.

No caso dos representantes da saúde, a equipe se reveza em regime de plantão para não deixar em nenhum instante, em nenhum horário os idosos desguarnecidos. Uma das profissionais que está há mais tempo no lar é Ana Carla Gonçalves. Enfermeira que trabalha há uma década no Asilo, ela conta histórias vividas na convivência com este público tão especial. “Hoje a gente não tem mais aqui feridos, apenas pessoas acamadas. Contamos com o apoio muito grande dos maçons, seja para adquirir medicamentos ou outros materiais”, disse.

Caso haja alguma necessidade, a enfermeira titular deve comparecer ao Asilo. “Eu não costumo tirar férias mais longas. Apenas alguns fins de semana”, disse Ana Carla.

Ela, que ainda não havia trabalhado com idosos antes da função no Asilo, cita que a função é uma satisfação pessoal. “Trabalhar com idoso é um ofício muito grande. A maioria das pessoas não está preparada. Já recebemos idosos aqui em situações críticas. Atualmente eles gozam de qualidade de vida. É tanto isso que houve casos de pessoas que se recusavam a sair daqui”,

Questionada qual o prazer de trabalhar no Asilo, a enfermeira foi sucinta. “A gente que pensa que eles estão cuidando de nós, mas na verdade eles [idosos] é quem cuidam da gente”, resumiu.

[e-s001]A paixão pelo lar dos idosos

Desde os primeiros anos de vida, ao lado de sua mãe, Ulysses Aires – atual responsável pela administração do Asilo de Mendicidade – frequentada a entidade. “Então eu convivi com muita gente aqui, praticamente fui criado nestes corredores”, lembrou Ulysses.

O amor pelo próximo e o espírito de solidariedade foram marcas de sua infância e adolescência. “Eu aprendi a amar o próximo a partir da convivência com estas pessoas”, disse. O gestor expõe as dificuldades diárias para o custeio e manutenção de toda a estrutura da entidade. “Não contamos com a colaboração do poder público, como ocorria antigamente. Nem mesmo incentivos fiscais nós temos”, disse ao lembrar que no último ano o Asilo pagou cerca de R$ 56 mil apenas para quitação do IPTU.

Apesar dos obstáculos e problemas, o gestor mantém a confiança e bom humor. “Eu amo de coração estas pessoas. São elas que nos ensinam diariamente o valor da vida, o valor a ser dado ao próximo. Então para mim, é um verdadeiro prazer e satisfação estar aqui com eles”, finalizou.

SAIBA MAIS

Atual configuração da diretoria do Asilo de Mendicidade

Presidente: José Américo Serra Castelo Branco
Vice-Presidente: Manoel dos Santos Salgueiro Filho
Secretário: Miguel Jorge Castro Rabelo
Tesoureiro: João Batista Silva Sousa
Suplente de Tesoureiro: Antônio de Pádua Silva Sousa
Diretor Administrativo: Geraldo Ferreira Burger
Suplente de Diretor Administrativo: Wanderley Campelo Junior
Diretor de Patrimônio: José de Ribamar Mariano Rodrigues
Suplente de Diretor de Patrimônio: Norberto José Cruz Filho-
Relações Públicas: Nildo Pereira da Encarnação
Diretor Social: Alberto Leite Muniz
Suplente de Diretor Social: Gilberto Alves da Silva
Conselho Fiscal
Membros Titulares: Mario Alberto Carneiro de Carvalho, Heli Lopes de Moraes Luciano e César Mota Chagas
Membros Suplentes: Ariolando Ferreira Braga, Rogério Henrique Castro Rocha e
Luiz Vagner Serra de Almeida

Leia outras notícias em Imirante.com. Siga, também, o Imirante nas redes sociais Twitter, Instagram, TikTok e canal no Whatsapp. Curta nossa página no Facebook e Youtube. Envie informações à Redação do Portal por meio do Whatsapp pelo telefone (98) 99209-2383.