Paz e tranquilidade

Centenário do Asilo de Mendicidade: a possibilidade da “velhice feliz”

Apesar das dificuldades ao longo dos anos, espaço resistiu e hoje é lar de tanta gente querida que é difícil selecionar os melhores personagens

Thiago Bastos / O Estado

Atualizada em 11/10/2022 às 12h26

[e-s001]Uma entidade que serviu inicialmente para diferentes públicos e apoio assistencial e, com o passar dos anos, mudou de perfil para atender aqueles que estão em seus últimos anos de vida. Fundado no dia 21 de abril de 1919, o Asilo - ou “Asylo”, como era conhecido antigamente - de Mendicidade reúne curiosidades e, principalmente, grandes histórias de vida. Apesar das dificuldades ao longo dos anos, o espaço resistiu e atualmente é lar de muitas pessoas queridas, se tornando difícil a seleção dos melhores contos e personagens.

Segundo a diretoria, o lar - situado na Rua das Paparaúbas, Jardim São Francisco - foi aberto por um grupo de maçons da Loja Renascença Maranhense, com o intuito de assistir os idosos e expressando um dos princípios da ordem, ou seja, a filantropia. Antes de se tornar abrigo para boas ações cotidianas, o asilo por pouco não virou “reduto de leprosos”.

Antes da fundação, conforme cita a diretoria da Loja Maçônica, havia a necessidade na cidade de São Luís de construção de um hospital para pessoas com hanseníase. “O projeto inicial era este. Porém, com o andamento das coisas, o Governo [do Estado] à época tomou para si e recebeu verba da loja que a incentivou para a construção do que se conhece como Colônia do Bonfim [no Bacanga]. Em contrapartida, o terreno do asilo foi usado para fins de mendicância”, frisou Antônio da Costa Rodrigues Filho, um dos colaboradores mais assíduos do Asilo de Mendicidade, integrante da Loja e filho de Antônio Euzébio da Cos­ta Rodrigues, ex-prefeito de São Luís e que dá o nome ao Ginásio Costa Rodrigues, no Centro.

Assim que se definiu pela utilização do terreno do “Sítio Pedreiras”, antigo nome do terreno ocupado pelo “lar”, o asilo finalmente nasceu, por intermédio de uma mulher: Maria Maia Aguiar (esposa do ex-empresário da cidade, Ernani Maia Aguiar). Ela foi a primeira presidente da casa e seu nome é lembrando até hoje pelos maçons. “Dona Maria [Aguiar] sem dúvida teve um papel fundamental na fundação e consolidação desta entidade, praticamente secular, que é o Asilo de Mendicidade”, disse.

Por intervenção do então prefeito da época de São Luís, capitão José Luso Torres (que tem uma placa em sua homenagem até hoje nas instalações do asilo), a entidade foi beneficiada com legislações que abonavam certas obrigações tributárias. Além de Maria Aguiar, a fundação do asilo também é creditada a outros homens, como Francisco Aguiar, Severo Sousa, Edmundo Fernandes, Victor Vianna, João Pires Ferreira, Francisco Bastos, Francisco Sousa e José Bastos.

Em 1921, de acordo com publicação do Diário de S. Luiz, a configuração do asilo era a seguinte: o presidente era Alfredo de
Assis Castro, auxiliado pelo primeiro vice-presidente, Francisco Ramos Bastos. Havia ainda o segundo vice-presidente, Raul Serra Martins; o primeiro secretário, Wilson da Silva Soares, e o segundo secretário, Antônio Ferreira de Campos. Para “mexer nas finanças” - papel fundamental à época, já que a entidade recebia diversas doações -, o responsável era o sr. Joaquim Bernardes Dias.

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Os mendigos
Nos primeiros anos de história, o Asylo de Mendicidade era prioritariamente usado para receber mo­radores de rua. Três mendigos chegaram logo no começo, dentre eles o de nome Cândido Almeida. Ele se recusou anteriormente a se “internar” no Asylo e era apontado por pessoas próximas que seria praticante de furtos na região, on­de permanecia “largado”, no Centro. Aqueles que não eram “aproveitados” eram encaminhados, em seguida, para o edifício do Institu­to João Alfredo, no Boulevard 28 de Setembro. “À época, havia muitos mendigos na cidade, pessoas pobres que moravam nas ruas e abandonados por familiares”, lembrou Antônio da Costa Rodrigues Filho.

Para atender a todos, a diretoria recebia doações - como a de Manoel de Oliveira Santos - chefe da firma - que ofereceu ao Asylo a quantia de “cinquenta mil réis”.

[e-s001]Reparos após a inauguração
A direção do Asylo de Mendicidade publica um edital, datado do dia 23 de agosto de 1921, em que requer ampliação e “concertos” necessários. De acordo com o documento, obtido por O Estado, a “directoria” solicita projetos para os reparos até o dia 15 de setembro do vigente ano, em “cartas fechadas” que deveriam ser abertas até o dia 18 do mesmo mês.

O interessante é que, no anúncio, era posto que “para orientação dos interessados, foi colocado à disposição nos dias terças e quintas-feiras daquele ano e aos sábados um “bote”, na chamada praia do Genipapeiro (onde está instalada atualmente estrutura da Capitania dos Portos), onde os interessados em apresentar os projetos poderão “ver os serviços” e a respectiva planta executória dos trabalhos.

Cerca de dois anos mais tarde, os trabalhos foram executados, fruto de doações e da boa vontade de abnegados. De acordo com reportagem da época, os “serviços de reforma do prédio do Asylo estavam bastante adiantados”. Na ocasião, foram feitos novos leitos e compartimentos.

Doação do Club
Em 1923, dois anos após a fundação da entidade, a direção emitiu “agradecimento” em jornal de grande publicação após receber doação do Nacional Club, agremiação praticante do futebol à época. Segundo a publicação, fo­ram doados 215 mil réis adquiridos entre os sócios em um “sábbado”. A diretoria informara que “sobremaneira realçante este facto, pois que é ssempre louvável que se auxilie instituições do alto valor social como seja o Asylo de Mendicidade”.

Doação de refrigerantes
Ainda nos primeiros anos de fundação do Asylo, João Moreira Costa - possivelmente um sujeito rico da época - e dono de uma fábrica de cerveja - ofereceu aos “asylados” três dúzias de “refrigerantes”. A doação foi objeto de agradecimento da diretoria.

Refúgio para ex-clérigos
Segundo notícia publicada no Diário de S. Luiz, o “padre Odorico” - abandonado pelo clero (sem qualquer razão aparente), abrigou-se no Asylo. Ele usava as instalações do local para “oração em um santuário” improvisado no local. Ain­da de acordo com o periódico, uma “das distrações” do padre no Asylo era tirar “photographias”. Assim que chegava uma família no Asylo, ele [Odorico] logo se prontificava a fotografá-la. Em um domingo qualquer da história do Asylo, foram “photographados” Alfredo de Assis e Joaquim Rodrigues, ambos com suas respectivas famílias.

[e-s001]Novos integrantes
Em 1921, de acordo com informativo da loja maçônica, havia no Asylo 69 “asylados”. Em maio do corrente ano, entrou “Raymundo Rosa dos Santos”. Com a inclusão deste novo integrante, passaram a existir na entidade 70 pessoas, sendo 48 homens e 22 mulheres. A publicação ainda indica que a direção administrativa - ou uma delas - do Asylo era situada na atual rua Rio Branco, nº 7, e era administrada pelos “directores” Francisco Mello Pinheiro e Wilson da Silva Soares. Além da Rio Branco, havia outro prédio ligado ao Asylo na “Praça João Lisboa”, também no Centro.

O aniversário e os barcos no “Genipapeiro”
No segundo aniversário do Asylo, em meados de abril de 1921, os jornais da época destacavam o fato e relembravam a oferta da direção da entidade, que disponibilizou barcos da “Quinta do Genipapei­ro”, ou praia do Genipapeiro. O horário da travessia para a “comemoração” do outro lado da baía, neste caso, no Asylo, era das 14 às 17 horas. De acordo com o periódico, o Asylo - durante a comemoração do ano número dois - estaria sendo “visitado por grande número de famílias e cavalheiros”.

Sobre o “Genipapeiro”
Atualmente ao lado da ponte Bandeira Tribuzi, a “praia do Genipapeiro” ou Jenipapeiro era usado pela garotada da região da Camboa, Centro e adjacências para quem queria aprender a nadar. Quem deseja aprender o ofício desta maneira se aventurava na travessia do Rio Anil, em maré alta, da Praia do Jenipapeiro até a margem em frente ao asilo.
Jornais da época relatavam ain­da o fato de que várias pessoas diziam que, neste trecho, haviam tubarões, pelo funcionamento há alguns anos do “Matadouro Municipal”. Os restos dos animais eram lançados justamente nesta parte da reserva hidrográfica.

Concerto para o Asylo
De acordo com publicação do Diário de S. Luiz, em 27 de agosto de 1928, o renomado pianista Ernani Braga brindou o público com “uma incrível audição” e fez um concerto no Teatro Arthur Azevedo. A verba do evento foi revertida para a manutenção do Asylo. O fato foi comemorado pela então diretoria.

Segundo o periódico, “o applaudido pianista Ernani Braga, que deu há pouco tempo uma audição nesta capital, obtendo os mais encomíasticos applausos da platéa e da imprensa, vae dar novamente muito breve, outro concerto no theatro Arthur Azevedo, destinando uma parte do seu resultado ao Asylo de Mendicidade do Maranhão”.

Ainda de acordo com o Diário, “o concerto Ernani Braga está despertando o interesse da platéa sanluizense, que se aguarda para ouvir mais uma vez, o talentoso pianista paulista, cujos méritos artísticos bastam por si sós para assegura o êxito dessa festa de arte”.

[e-s001]SAIBA MAIS

Fundadores

Francisco Aguiar
Severo Sousa
Edmundo Fernandes
Victor Vianna
João Pires Ferreira
Francisco Bastos
Francisco Sousa
José Bastos
Constituição diretiva do Asylo (em 1921)
Presidente: Dr. Alfredo de Assis Castro
1º Vice-presidente: Francisco Ramos Bastos
2º Vice-presidente: Raul Serra Martins
1º secretário: Wilson da Silva Soares
2º secretário: Antônio Ferreira de Campos
Tesoureiro: Joaquim Bernardes Dias

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