Mistério

Caso de jornalista desaparecido assusta opositores sauditas no exílio

Turquia acredita que Jamal Khashoggi, que questionava políticas da monarquia, foi morto dentro de consulado em Istambul

Atualizada em 11/10/2022 às 12h28

BEIRUTE - Uma ativista saudita pelos direitos da mulher estava dirigindo nos Emirados Árabes Unidos quando foi abordada por autoridades, colocada num avião para a Arábia Saudita e presa. Quando um estudante saudita no Canadá se recusou a parar de fazer vídeos criticando os governantes do seu país, dois de seus irmãos foram presos em seu país.

Dessa forma, quando um conhecido jornalista saudita opositor do governo, Jamal Khashoggi, despareceu depois de entrar no consulado da Arábia Saudita em Istambul no dia 2 de outubro, não foi surpresa nenhuma para seus colegas dissidentes no exterior — até a Turquia afirmar que acreditava na hipótese de assassinato.

Até mesmo para um país que tem usado o medo para controlar seus opositores, a possibilidade de o Estado ter assassinado um conhecido dissidente em um país estrangeiro causa uma tensão crescente.

Ainda que o príncipe herdeiro da Arábia Saudita, Mohammed bin Salman, se apresente como um modernizador do país, ele tem se mostrado cada vez mais intolerante com os críticos. Mandou prender ativistas dos direitos das mulheres, empresários e rivais, e ignorou fronteiras ao enquadrar até mesmo expatriados.

Ainda não está claro o que aconteceu com Khashoggi, que não é visto desde que entrou no consulado na última terça. Autoridades turcas dizem que ele foi morto por agentes sauditas lá dentro e teve o corpo desmembrado. Já as autoridades sauditas negam, dizendo que Khashoggi deixou o prédio pouco depois de ter entrado.

Dissidentes sauditas no exterior não têm dúvidas de que o governo atentou contra Khashoggi por conta de sua importância. Morando nos Estados Unidos, ele aparecia regularmente na televisão e era colaborador do "Washington Post".

"É uma mensagem muito clara, de que podem alcançar você onde quer que esteja", disse Ghanem al-Dosary, um dissidente saudita que vive em Londres há bastante tempo.

Se for descoberto que agentes sauditas assassinaram Khashoggi, a repercussão pode dinamitar as relações internacionais da Arábia Saudita, a começar pela vizinha Turquia.

A possível morte do jornalista também pode minar a relação com o governo Trump, que estabeleceu laços próximos com os líderes sauditas.

"Estou preocupado com isso (o caso de Khashoggi). Não estou gostando, espero que se resolva. Neste momento, ninguém pode confirmar nada, mas existem hipóteses muito ruins", disse Trump.

O secretário de Estado Mike Pompeo pediu que o governo saudita "apoie uma investigação completa sobre o desaparecimento de Khashoggi e seja transparente nos resultados".

Dissidentes: uma mistura

Os dissidentes da Arábia Saudita não formam uma oposição organizada e monolítica; antes são uma mistura de ativistas, escritores, influenciadores digitais e várias outras pessoas que criticam diferentes assuntos. Há desde aqueles que pedem o fim da monarquia até os que preferem mais liberdades e direitos dentro do atual sistema de governo.

Loujain al-Hathloul, uma conhecida ativista pelos direitos das mulheres, ficou famosa em 2014 quando foi presa durante 73 dias por tentar dirigir da Arábia Saudita para os Emirados Árabes Unidos, onde vivia - na época, mulheres ainda era proibidas pela monarquia saudita de dirigir carros — política revogada por bin Salman recentemente com vistas a "modernizar" o país.

O governo tentou silenciá-la outras vezes depois desse episódio, chegando a detê-la e interrogá-la, de acordo com seus amigos. Em março, no entanto, agentes de segurança a abordaram numa rodovia dos Emirados Árabes, onde cursava um mestrado. Algemada, Loujain foi levada para um aeroporto e colocada num voo particular para a Arábia Saudita, onde foi presa por alguns dias. O marido de al-Hathloul, Fahad al-Buteiri, um conhecido ator saudita, também foi preso na Jordânia e igualmente posto num voo para seu país de origem, de acordo com amigos do casal.

Após a libertação de Loujain, ela manteve uma vida discreta até que foi presa novamente em maio, quando várias outras opositoras que lutavam pelo direito de dirigir também foram detidas - a maioria ainda continua atrás das grades.

Mulheres presas

Numa entrevista na última semana à Bloomberg, bin Salman afirmou que algumas das mulheres foram presas por vazarem informações sobre o reino para agências de inteligência do Catar e do Irã, considerados inimigos do país. Ele afirmou que as mudanças na Arábia Saudita não viriam "sem um preço", assim como o fim da escravidão nos EUA só chegou com uma guerra civil.

"Estamos tentando nos afastar do extremismo e do terrorismo sem uma guerra civil, sem que o país pare de crescer, com progresso contínuo. Então, se há um pequeno preço a pagar por isso, é uma alternativa melhor do que pagar uma grande soma para fazer o mesmo. Estamos tentando evitar ao máximo que alguém se machuque ", afirmou o príncipe herdeiro saudita.

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